quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Omissões reveladoras

 

Omissões reveladoras

 

Péricles Capanema

 

A senadora Kátia Abreu (PP-TO) preside a Comissão de Relações Exteriores do Senado. Nessa situação de poder, escreveu sintomático artigo “Diplomacia na balança” (Estado de S. Paulo, 29.8.2021). Nele, as omissões são mais importantes que o afirmado, do qual boa parte não passa de generalidades e acacianismos. Pelos silêncios, é peça eloquente, nas omissões revela muito, são significativas as ênfases. Posições como a da senadora estão se alastrando nas mais diferentes esferas, grassam impulsionadas pelo oportunismo.

 

Pisando em desvio antigo. É verdade, Kátia Abreu deixou pelo seu atribulado caminho na vida pública boa parte da credibilidade que um dia possuiu. Todo mundo sabe, infelizmente tem itinerário de contradições; duas ocasiões chocaram particularmente. Foi presidente prestigiada da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), em boa parte por representar com energia os interesses dos produtores rurais no Congresso Nacional. Decepção, licenciou-se. Foi ser ministra do governo do PT, o partido que perseguia os produtores rurais. Quando deixou o cargo de ministra de Agricultura, João Martins, então presidente em exercício da CNA declarou que era impossível sua volta ao cargo antigo pois a senadora “traiu os produtores rurais”. E continuou: “Em vez de optar por ficar do lado do produtor, ela optou por ficar do lado da presidente. Então ela cortou o cordão umbilical com os produtores rurais”. Segunda decepção; agora no interior do MDB. Foi expulsa do partido por unanimidade pelo Conselho de Ética. Motivos, voto contra o impeachment da presidente Dilma, ter-se colocado contra os projetos de reforma trabalhista e da previdência, prioritários na administração Michel Temer, além de criticar o governo. Na prática, a senadora Kátia Abreu nas duas ocasiões procedia como linha auxiliar do PT. Suas contradições têm um fio coerente: sempre ajudam os interesses do comunismo, no caso favorecendo o programa do PT; assim, tem sido fiel companheira de viagem da esquerda, mesmo a mais extremada.

 

Linha auxiliar do PT. No caso em questão, repete-se sua coerência na contradição: agora se apresenta como companheira de viagem dos interesses do comunismo chinês. Vamos ao assunto. A política de aproximação com a China comunista vem, grosso modo, desde a administração Itamar Franco. Nenhuma administração a favoreceu tanto como os dois governos Lula e o período Dilma. É congruente, o petismo odeia os Estados Unidos, sempre quis o Brasil ligado por numerosos e fortes laços com as ditaduras comunistas ▬ Rússia Soviética, Cuba, Venezuela, China. O artigo da senadora Katia Abreu, hoje membro do PP (Centrão), favorece tal impulso. No caso, os objetivos do Partido Comunista Chinês (PCC).

 

Orientação da política exterior brasileira. Começa a senadora com uma generalidade: “a necessidade de buscar o crescimento econômico por meio de medidas que acelerem as exportações e atraiam investimento externo, para assegurar prosperidade ao nosso povo”. Por onde aumentar exportações? Onde buscar investimentos externos? Estados Unidos? União Europeia? Silêncio. “Hoje os países asiáticos são o destino mais relevante dos produtos brasileiros”. Ênfase especial na relação com o Japão, talvez? Nada disso. Com a Coreia do Sul? Silêncio. A única ênfase existente no artigo aparece logo: “O Brasil compartilha com a China identidades. Temos imenso potencial para a cooperação”. Silêncio absoluto sobre a ditadura totalitária chinesa, trabalhando com método, inteligência para colocar o Brasil em sua área de influência ▬ satélite. Como cooperou com o PT, a senadora se dispõe igualmente a ser linha auxiliar dos donos do poder em Pequim. O objetivo maior de seu esforço atual fica claro: fortalecer os laços com Pequim. A senadora reclama realismo na análise. Aceito. Com realismo, a política por ela propugnada pavimenta caminho que tem em certo ponto a redução do Brasil a protetorado inconfessado, mas efetivo da República Popular da China. Do PCC. E os direitos humanos pisoteados na China? Silêncio eloquente. Protetorado não fala com voz forte.

 

Generalidades que ocultam o principal. “Somos países em desenvolvimento de dimensões continentais, e ambicionamos um processo de desenvolvimento inclusivo, que oferece novas perspectivas e oportunidades aos nossos povos”. O principal não pode ser ignorado. A China é uma potência expansionista, tem governo de partido único, dirigido tiranicamente pelo Partido Comunista Chinês. Pretende isolar os Estados Unidos e para tal está constituindo área de influência na América Latina, dentro da qual, largamente, já se encontram Cuba e Venezuela. Os investimentos chineses em geral são feitos no Brasil por estatais chinesas, dirigidas diretamente pelo governo chinês, um braço do PCC. O fortalecimento dos laços com a China, posta a presente quadra histórica, nos levará a situação parecida à da Finlândia com a Rússia soviética. Não estou aqui reivindicando corte de relações com nenhum país. Nem retaliação, nem nada. Reivindico outra coisa, a fuga da finlandização e para tal fortalecimento dos laços com países ocidentais; aqui incluo Índia, Japão, Coreia do Sul e assemelhados. É a opção preferencial pelo avanço da prosperidade no Brasil. Do contrário teremos retrocessos, enfraquecimento da soberania e fortalecimento interno de correntes coletivistas e autoritárias. Sou a favor de outro fortalecimento, o das liberdades naturais.

 

O padre Antônio Vieira foi jogado na confusão. O artigo da senadora Kátia Abreu, reitero, é vazio de fundamentação sólida. Talvez percebendo o oco dos argumentos, foi buscar estacas no padre Antônio Vieira (1608-1697), com dito a ele atribuído: “O futuro não se prevê, apenas se constrói coletivamente”. Santo Deus, pobre padre Antônio Vieira! Mais de três séculos após sua morte, desenterra-se trecho seu para estaquear medidas que ▬ realismo, exigiu a senadora ▬ empurrarão o Brasil para a vexaminosa condição de protetorado inconfessado. Quer saber, vou defender o padre Antônio Vieira. É falsa a frase. O jesuíta era homem de alto voo, não diria tal obviedade, mais adequada ao conselheiro Acácio. E assim ficaria muito surpreso se a citação estivesse correta. Mas não espanta o recurso. Gente da esquerda é useira e vezeira em sua utilização e parece, constato desolado, a senadora vem aprendendo essa triste “arte” com seus amigos de caminhada. Se for desmentido, baixarei a cabeça, agradecido pela necessária correção. Contudo, é óbvio, minhas posições acima continuarão as mesmas, com a argumentação intocada. Padre Antônio Vieira, rogai pela independência do Brasil, que o senhor tanto amou.

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