terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Até o futuro não é o que foi

Até o futuro não é o que foi

Péricles Capanema

Andamos tão encalacrados que murchou a ilusão do futuro radiante; tem um lado bom, começa a aparecer mais claro um problema generalizado entre nós, o voluntarismo onírico. A fuga da realidade tem jogado o país seguidas vezes no fundo do poço. Seduzidos por miragens, que não era difícil perceber, elegemos Lula e Dilma, no total quatro vezes. E chapinhamos agora na bandalheira como sistema beirando perigosamente o totalitarismo. Existem atenuantes? Sim, o mais eficaz deles, as mentiras da última campanha impactando em especial os dependentes do Bolsa Família.

Recordo dois fatos de relevo em nossa história. Lá atrás, a novidade, espécie de bruxedo, já enfeitiçava; a República pôs para fora o Império. E logo o governo Deodoro da Fonseca aplicou uma política econômica, nos traços gerais igual à nova matriz econômica do governo Dilma: crédito farto sem lastro com o fito de gerar, artificialmente, crescimento. As consequências da gastança foram as de hoje, inflação, fuga de capitais, crise fiscal e dificuldades de pagamento da dívida pública. O encilhamento e na mesma ocasião a ditadura de Floriano desmoralizaram o lero-lero ufanista que havia acompanhado a proclamação da República. Campos Sales repôs a política econômica nos trilhos do realismo. O segundo, recaída ainda recente, a Nova República de 1985 praticou longamente o voluntarismo mais que onírico, delirante. Os políticos proclamavam eufóricos, estavam varrendo o entulho autoritário e aplicando medidas de salvação da pátria. O delírio rápido deixou sequelas graves: o país empacou, a inflação disparou; na década de 80 foi de 36.850.000%. Fora o resto; por exemplo, quem seguiu as votações na Constituinte se lembra do desparafusado artigo 192, o dos juros de no máximo 12% ao ano, posteriormente quase todo eliminado pela Emenda Constitucional nº 40. O Plano Real, algumas emendas constitucionais e leis de responsabilidade fiscal permitiram ao povo respirar. As doidices da nova matriz econômica aliada à incompetência e à ladroagem nos jogaram de novo no fundo do poço.

Existe o perigo de nova recaída? Basta observar a movimentação dos políticos que, sentindo o cheiro dos votos, deixam suas agremiações e se alistam na Rede Sustentabilidade (a pajelança nova, com nota desagregadora e libertária semelhante à do Podemos espanhol). E o novo partido, que nem quer ser chamado de partido, vai seduzindo multidões atrás de novidades. É sabido, a chefe, Marina Silva, cevada por décadas nas alas mais à esquerda do PT, sempre foi grã-xamã na difusão de sonhos demolidores. E vem aí o (ou a?) Raiz Movimento Cidadanista da deputada Erundina, mesmo descaminho.

Simplifico, trato só de um aspecto, fica mais fácil. O que pode fazer o Brasil deixar de ser eternamente o país do futuro, exprime-se em três palavras: aumento da produtividade. Em 1980, a produtividade do trabalhador brasileiro era 40% da existente nos Estados Unidos. Hoje, caiu para 24%. Produtividade influencia crescimento, salários, padrão de vida, competitividade, políticas sociais. Nenhuma vontade política substitui a criação de riqueza. Produtividade aqui é o Produto Interno Bruto dividido por trabalhador empregado.

Fator essencial para o aumento da produtividade é qualidade na mão de obra. A respeito, Renato Janine, ministro da Educação até outubro último, mostrou quadro aterrador: “Em 2014, dos alunos de terceiro ano do fundamental na escola pública do Brasil inteiro, isto é, meninos e meninas em torno dos 8 anos de idade, 22% não sabiam ler, 34% escrever e 57% não dominavam as quatro operações matemáticas. O problema é que, a partir do quarto ano, a escola vai tratá-los como se soubessem ler, escrever e fazer contas. Pensem nisso: três quintos das crianças não sabem calcular direito. Essa multidão terá um futuro profissional e pessoal limitado. O Brasil se dá assim ao luxo de descartar quase 60% dos seres humanos que poderiam ser bons profissionais e cidadãos informados. Tenderão a ficar numa segunda classe da sociedade. Alguns podem ser “salvos” depois. Mas, se não deu certo na hora certa, corrigir os danos mais tarde será caro e improvável”. Aponta causa determinante: “Um dos erros estruturais que o País cometeu foi descuidar da formação dos alfabetizadores. As antigas escolas normais, que eram estabelecimentos de ensino médio, formavam professoras alfabetizadoras. Na década de 1990, decidiu-se que professores da educação básica precisavam de graduação universitária, mas isso deixou a formação dos alfabetizadores em segundo plano. Hoje, precisamos fazer as correções na formação dos professores”. Ninguém vai fazer, infelizmente. A Pátria Educadora vive de sonhos.

Na mesma direção, os cursos de capacitação melhorariam a eficiência da mão de obra. Vejam a diferença. Hugo Braga Tadeu, da Fundação Dom Cabral, observa, em treinamentos de qualificação um americano recebe anualmente entre 120 e 140 horas. No Brasil, são 30 horas.

Além da qualificação da mão de obra, a produtividade seria favorecida por medidas como boa infraestrutura de transportes, inovação tecnológica, processos administrativos eficazes. Em outro plano, clima favorável aos investimentos, refletido na estabilidade dos contratos, garantias para a propriedade privada e livre iniciativa. O normal entre nós são inesperadas mudanças de rumo e seguidas loas ao estatismo. Faz pouco José Guimarães, líder do governo na Câmara declarou que “nesse momento o Brasil precisa de mais Estado e menos mercado". Imaginem o calafrio na espinha de possíveis investidores, aqui e lá fora. Não espanta, dos 121 países pesquisados pela respeitada instituição The Conference Board, sediada em Nova York, o Brasil, em produtividade, está na posição 81.

Por que afirmo, até o futuro já não é o que foi? Antes, em alta o ufanismo nacionalista, ouviam-se ditirambos a toda hora, somos o país do futuro, até modelo de civilização, pois temos povo cordato, grandes recursos naturais, clima bom, ausência de calamidades na natureza, grandeza territorial e ainda a beleza da terra. Coisas assim. Emudeceram, sintoma de maior disciplina mental e atenção crescente nas vantagens do esforço metódico.


Lembro comentário cáustico de Clemenceau, exato há mais de século: “Le Brésl est um pays d’avenir et qui le restera longtemps” Em tradução livre, o Brasil é país de futuro, ficará assim por muito tempo. Para desmenti-lo, urgente a renúncia ao voluntarismo onírico. Tem mais coisa, sei, mas acho útil destacar este ponto. “O início da sabedoria (no caso, do esforço inteligente e sistematizado) é o temor de Deus”, dirá alguém, falta isso. Corretíssimo. E acrescento, no capítulo, o autor sacro compara a sabedoria ao governo da mãe de família. Para o Brasil, seria grande começo o realismo dela. Feliz 2016!

domingo, 20 de dezembro de 2015

Tinindo nos cascos

Tinindo nos cascos

Péricles Capanema

Quinta-feira passada, 17 de novembro, o Supremo definiu o rito do impeachment, decisão acolhida com satisfação pelo Palácio do Planalto. Destacou-se ali a dissidência lúcida dos ministros Gilmar Mendes, José Antônio Dias Toffoli e Luiz Edson Fachin. Dia seguinte, Gilmar Mendes fez gravíssimas considerações à Jovem Pan: “Lembra que eu tinha falado de cooptação da Corte? Imagine, diante desse quadro de grave crise de corrupção, nós vamos ficar fazendo artificialismos jurídicos para tentar salvar, colocar um balão de oxigênio em alguém que já teve morte cerebral. É claro, há todo um processo de bolivarização da Corte. Como se opera em outros ramos do Estado. Ontem, nós demos mostras disso”.

Dois pontos tocados pelo ministro: o Supremo está sendo cooptado; o outro, padece processo de bolivarização. Cooptar é tornar alguém cúmplice de ação comum; no caso do governo. Bolivarizar uma instituição é fazê-la agir como agem as instituições na Venezuela, na prática funcionários submissos do partido no poder. No caso, seria julgar como quer o PT e o governo.

Passo agora a outras declarações, também de ministro do Supremo, de momento na presidência. Em 2007, Ricardo Lewandowski, no auge do mensalão, falou por telefone com o irmão Marcelo; Vera Magalhães, repórter da Folha, ao lado dele, ouviu partes do diálogo. E publicou. A respeito da condenação dos petistas graúdos, Lewandowski afirmou: “A imprensa acuou o Supremo. Todo mundo votou com a faca no pescoço. A tendência era amaciar para o Dirceu”. Mesmo ele, o mais macio com os graúdos do PT, teria sido mais brando não fosse a posição dos meios de divulgação: “Não tenha dúvida. Eu estava tinindo nos cascos”. Ia dar coices ainda mais favorecedores ao PT, claro. Ellen Gracie, na ocasião presidente do Supremo, ecoou em nota o mal-estar dos demais ministros: “O Supremo Tribunal Federal vem reafirmar o que testemunham sua longa história e a opinião pública nacional, que são a dignidade da Corte, a honorabilidade de seus ministros e a absoluta independência dos seus julgamentos”.

Em reta, o temor de Gilmar Mendes é termos, como na Venezuela, ministros do Supremo, tinindo nos cascos, dispostos a escoicear fatos, pessoas e leis para favorecer um partido no caminho da conquista totalitária do poder.

Já sofremos a bandalheira dos treze anos do petismo no poder. Na bolivarização. além de aumentar a corrupção, crimes piores se tornam comuns. Os Estados Unidos detiveram no Haiti um afilhado de Nicolás Maduro, Efraim, criado por sua esposa Cilia Flores e a Francisco Flores, sobrinho dela, quando transportavam quase uma tonelada de cocaína para os Estados Unidos. Efraim vivia com o casal Maduro. Os dois detidos disseram agir a mando de Diosdado Cabello (presidente da Assembleia Nacional) e de Tareck el Aissami, governador de Aragua. Na mesma direção, em maio último havia sido detida no aeroporto Mirian Morandy, juíza do Tribunal Supremo de Justicia (o Supremo de lá), quando tentava viajar com Richard José Cammarano James, traficante conhecido. A juíza foi libertada por ordem do governo. É o mundo da bolivarismo, com tentáculos América do Sul afora.

Tem mais. Toffoli, presidente do TSE, advertiu dias atrás: “Entre as nossas maiores preocupações, está a de que campanhas venham a ser financiadas por dinheiro oriundo de narcotráfico. Não há mais pessoas jurídicas doando para campanhas, mas nós sabemos que o mundo real busca suas alternativas". O temor é que, sem empresas doando oficialmente, aumente o caixa 2; e aí jorre o dinheiro do narcotráfico, pois as campanhas eleitorais continuam caras como antes. Nessa marcha, é o futuro nacional que assoma. E nele, o Brasil que não presta, tinindo nos cascos, vai escoicear o Brasil que presta, como a oposição hoje é agredida na Venezuela.


Tudo isso afirmo só com base na autoridade de Gilmar Mendes e Dias Toffoli? Valem muito, mas há outra, maior: a realidade. Os fatos nos apedrejam.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Nos Estados Unidos, rumo na preocupação; o Brasil perdeu o norte

Nos Estados Unidos, rumo na preocupação; o Brasil perdeu o norte

Péricles Capanema

Vejam a diferença. 16% dos norte-americanos consideram o terrorismo seu mais importante problema. A porcentagem sobe para 24% entre os republicanos, desce para 9% entre os democratas e fica em 15% nos independentes. É a mais alta porcentagem em uma década. Desde 2007, estava em menos de 10%, por vezes menos de 1%. 59% dos norte-americanos consideram provável um ataque terrorrista contra os Estados Unidos nos próximos meses. 41% acham que as ameaças terroristas contra os Estados Unidos aumentaram desde 11 de setembro de 2001. Em comparação com cinco anos atrás, 39% se sentem menos seguros. A confiança do povo no governo para protegê-lo do terrorismo é a menor desde que o Gallup começou a fazer a pesquisa. Com tal fundo de quadro, mesmo que desparafusadas, tornam-se pelo menos eleitoralmente compreensíveis declarações recentes do pré-candidato Donald Trump contrárias à entrada de muçulmanos nos Estados Unidos.

Os índices refletem em parte o impacto dos recentes atentados jihadistas em Paris e San Bernardino. Mas a imagem geral é de um povo que se sente agredido, olha com desconfiança o mundo, deseja rápidas e eficazes medidas de proteção. Em reta, um povo com rumo que na caminhada vislumbra preocupado um obstáculo perigoso; não se abate, quer vencê-lo, avança contra ele.

Virando a página; no Brasil, segundo o Datafolha, para 34% a corrupção é o principal problema. Na sequência, saúde (16%), desemprego (10%), educação (8%), violência (8%), economia (5%). A sensação dominante é outra. O brasileiro se sente estonteado pelo cenário macabro da vida pública, escuta a respeito propostas inviáveis e não percebe saída factível. As outras preocupações também são imediatas: saúde, desemprego, violência, educação. Os problemas, como cachorros bravos, o assaltam. A questão urgente é escorraçar a matilha, o resto fica para depois. Mas aí se avulta barreira na aparência intransponível: não sabe como. Sem norte, patina, receia sangrar com as mordidas. No curto, cenário de filem de terror: o brasileiro saiu da estrada, entrou num lamaçal, tem cachorros mordendo o calcanhar, não sabe como voltar para ela.


Na cena macabra, em galhos bem protegidos, tem gente orientando os perdidos na lama a continuar andando pântano adentro. Um exemplo triste, Kátia Abreu, ex-presidente da CNA e ex-líder da bancada ruralista no Congresso. Faz hoje o que pode pela permanência de uma estrutura de poder inspirada por ideólogos coletivistas, inimigos do homem do campo livre e produtivo. Outros, com conduta parecida: Armando Monteiro, Afif Domingos, Cláudio Lembo. O histórico de vida os qualificava a uma presença construtiva e nobilitante entre nós. Escolheram voltar as costas para o passado. Suas ações pretéritas hoje servem de lastro para função política degradante: companheiros de viagem. Sem inocentes úteis e companheiros de viagem não haveria caminhada para o estrangulamento do Brasil desejado pela imensa maioria de seus filhos. A primeira providência no lamaçal: cabeça fria, procurar com olho vivo o caminho de volta para a estrada. E não escutar quem está gritando das árvores, bem protegidos, que o rumo é pântano adentro.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

É sério, no Oriente Médio estamos esquecidos do katechon

É sério, no Oriente Médio estamos esquecidos do katechon

Péricles Capanema

São Paulo fala do katechon na 2ª carta aos tessalonicenses, realidade misteriosa, obstáculo a ser removido para tornar possível a vinda do Anticristo. Os exegetas disputam sobre o que seria o obscuro katechon. Uns afirmavam, seria o Império Romano, estrutura de defesa, cuja destruição abriria as comportas ao caos e possibilitaria a chegada do Filho da Perdição.

Sem título algum para meter o bedelho, reconheço, é conceito instigante, já inspirou pensadores de valor, em especial na Europa. O katechon me veio à mente quando lia horrorizado sobre o Estado Islâmico instalado em pedaços da Síria e do Iraque, seus atentados terroristas, carnificinas boçais, os homens-bomba, e as gigantescas ondas de refugiados que desesperados buscam a Europa. O caos, as matanças, a miséria crescente e sem fim, a mentira com ares de verdade, a desorganização de toda a vida, parecem criação de cenário para a chegada de um anticristo.

Por que tudo isso aconteceu? Foi isso, atinei: desprezaram o katechon. Calma, vou me explicar. O Império Romano, o único espaço de convivência civilizada no mundo antigo, rodeado de tribos bárbaras, afundou no gozo da vida, dissolveu-se, ruiu o katechon. Vieram as invasões e o caos na Europa. Foram séculos para se recompor.

A Europa das grandes potências, em especial Inglaterra e França, em acepção analógica, era o katechon do Oriente Médio, aqui está o ponto. Com a queda do Império Otomano e a inoperância do mandato francês e do inglês, aquela região se tornou presa dos demônios da desordem, como esteve a Europa quando caiu o Império Romano. Apareceram países novos, em boa medida construções artificiais de sonhadores desatentos de enraizadas realidades históricas. Apenas um exemplo, o Iraque moderno, criação inglesa. Só em 1932 teve a independência reconhecida. Veio um período de monarquia frágil, sucedida por ditadores sem escrúpulo. Saddam Hussein que o governou de 1968, como vice-presidente, e a partir de 1979 como presidente, foi o melhor exemplo do desamparo do Oriente Médio. Na repressão aos curdos, matou 180 mil pessoas; na repressão aos xiitas, 230 mil. A guerra com o Irã custou ao Iraque cerca de 400 mil mortos. Na Síria moderna, com independência reconhecida em 1946, só a repressão da cidade de Hama, ordenadaem 1982 por Hafez Assad, teve, dizem muitos, 40 mil mortos. Situações parecidas na Líbia, Irã, nas monarquias do Golfo Pérsico.

Tal caldo de cultura pestilento tornou possível, por alguns lados a bem dizer incoercível, o surgimento do Estado Islâmico, paroxismo incubado nos horrores que há décadas padecem os países do Oriente Médio.

E por quê? Aqui, o ponto a ressaltar. Em grande medida, são os frutos cruéis do utopismo humanitário dominante no Ocidente, em especial em seus setores bem escolarizados em escolas de má orientação. Nada mais cruel para a realidade que um utopista, obstinados mitomaníacos do sonho. Os fatos agridem as alegações supostamente idealistas.

Vamos recordar. Em primeiro lugar, a tutela da região, seja lá como foi feita, grosso modo esteve por séculos a cargo do Império Otomano. Vencido na 1ª Guerra Mundial, desintegrou-se. Cortando caminho, a tutela passou, por encargo da Sociedade das Nações, para a Inglaterra e França. Depois, aqui também simplificando, já sob a égide da ONU, deu-se ali a emancipação completa de vários países e, por anos sem fim, fatos dantescos em catadupa.

Que espírito presidiu no Ocidente a todas essas mudanças? Repito, desde a década de 20, o mais desarmado utopismo humanitário. Em vez da observação objetiva das circunstâncias, da análise sem romantismos dos fatores em jogo, foi dominante a proclamação irresponsável de princípios ditos generosos, cuja aplicação retilínea era dogmaticamente vista como solução genial. Um exemplo gritante está na Resolução 1514 da Assembleia Geral de 14 de dezembro de 1960 contra o colonialismo. Vou pinçar algumas frases dela. “Consciente da necessidade de criar condições de estabilidade e bem-estar e relações pacíficas e amistosas baseadas no respeito aos princípios de igualdade de direitos e à livre determinação dos povos, e de assegurar o respeito universal dos direitos humanos e as liberdades fundamentais para todos sem fazer distinção por motivo de raça, sexo, idioma ou religião, e a efetividade de tais direitos e liberdades”. Valia como panaceia universal de rápida aplicação. No Oriente Médio aconteceu exatamente o contrário: acabou a estabilidade, sumiu o bem-estar, desapareceram as relações pacíficas, não restou nada de amistoso na região, o fundamentalismo mais enlouquecido tomou o poder em boa parte dela.

“Convencida que a continuação do colonialismo impede o desenvolvimento da cooperação econômica internacional, dificulta o desenvolvimento social, cultural e econômico dos povos dependentes e age contra o ideal de paz universal das Nações Unidas”. A situação lá em geral não era especificamente colonial, mas tinha traços parecidos. E sucedeu aqui também o contrário: a independência completa trouxe o fim da cooperação econômica, dificultou o desenvolvimento social e cultural, e hoje ameaça a paz universal.


Paro por aqui. O epicurismo destruiu o Império Romano. O utopismo humanitário destruiu as salvaguardas sensatas que a sabedoria diplomática aconselharia no Oriente Médio, um processo gradual e seguro rumo à soberania plena, com respeito às peculiaridades existentes. E enfrentamos agora, lá o horror, cá a ameaça terrorista, tida pelos norte-americanos como seu mais grave problema.

domingo, 13 de dezembro de 2015

Hipocrisia da Comissão Justiça e Paz

Hipocrisia da Comissão Justiça e Paz

Péricles Capanema

Em 3 de dezembro último a CNBB divulgou nota que envergonha os católicos brasileiros. Mais precisamente, a Comissão Brasileira Justiça e Paz, órgão dela. A manifestação degradante vai influir nos fatos? Tenho lá minhas dúvidas; de há muito a CNBB fala para grupelhos, se audodemole dentro do público católico por sua obsessão em favorecer a esquerda. A opinião largamente majoritária dos fiéis não tem na mais mínima conta tomadas de posição das Justiça e Paz, CIMI, Pastoral da Terra, agentes da desordem e do divisionismo, fortemente partidarizados, na prática linhas auxiliares do petismo extremado. À vera, a nota em questão ecoa as opiniões dos grupinhos da esquerda radical que desde a década de 50 aparelharam de forma crescente a CNBB e que continuaram dando as cartas nos longos anos dos pontificados de João Paulo II e Bento XVI.

O título “Para onde caminha o Brasil?” tem resposta fácil: para o buraco, se deixarmos a CNBB influir em nossos destinos.

O texto começa censurando Eduardo Cunha por acolher o pedido dos advogados Miguel Reale, Janaina Paschoal e Hélio Bicudo. Especifica: “A ação carece de subsídios que regulem a matéria” O charabiá quis dizer: a ação não tem base legal. Continua em dilmês castiço: “Conduzindo a sociedade ao entendimento de que há no contexto motivação de ordem estritamente embasada no exercício de política voltada para interesses contrários ao bem comum”. Traduzindo de novo, quis dizer: levando a sociedade a crer que a ação foi motivada por interesses contrários ao bem comum”. Com lastro em que afirma isso? Base em nada.

De pé o conselheiro Acácio aplaudiria esta passagem extraordinária: “O País vive momentos difíceis na economia, na política e na ética, cabendo a cada um dos poderes da República o cumprimento dos preceitos republicanos”.

Vai adiante, outra vez empregando construção estranha: “A ordem constitucional brasileira construiu [o normal seria apresenta, mostra] solidez suficiente”. A ordem constitucional construiu solidez: leitor, com toda simplicidade, alguma vez em sua vida você leu ou ouviu uma bobagem dessas? A nota dispara, sempre trotando no padrão tabajara: “O comando do Legislativo apropria-se da prerrogativa legal de modo inadequado”. Apropriar-se da prerrogativa constitucional, santo Deus! Quis dizer: Eduardo Cunha usa mal sua prerrogativa constitucional. Outra: “Auguramos que (...) o bem do país ultrapassem interesses espúrios”. O que significa o bem do País ultrapassar interesses espúrios? Nada, só mais uma mostra do padrão CNBB de qualidade. Vem mais, volta às carreiras o conselheiro Acácio: “Reiteramos o desejo de que este delicado momento não prejudique o futuro do Brasil”. Reiterar significa repetir. Não está repetindo nada. É a primeira vez que afirma essa obviedade.

O texto desagregador e partidário da CNBB conclui com chamado à união nacional, sem partidarismos. Para não perder o costume, mais uma vez esbofeteia o português com o “O espírito do Natal conclama entendimento e paz”, escorraçando a regência normal, conclamar alguém para.


Lógica? Zero. Português? Zero. Colaboração para o bem comum? Zero. Partidarismo: Dez. Divisionismo: Dez. Fanatismo: Dez. Hipocrisia: Dez.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Desnacionalização suicida

Desnacionalização suicida

Péricles Capanema

Nunca fui nacionalista; vejo com simpatia a presença de empresas estrangeiras entre nós. Mas o caso agora é outro. Em 25 de novembro último, o governo colocou à venda concessões por 30 anos para as usinas de Ilha Solteira. Jupiá, Três Marias, Salto Grande, vinte e nove hidrelétricas no total. Ganharam o leilão CEMIG (estatal), COPEL (estatal), CELG (estatal), CELESC (estatal), ENEL (forte presença do governo italiano) e THREE GORGES (estatal chinesa). A estatal chinesa ficou com 80% da energia e pagou R$13,8 bilhões pela outorga.

Vejam esta falácia lida por milhares, quem sabe milhões, ilustra como os meios de divulgação vêm tratando o caso: “Com os ativos recém-adquiridos, a CTG [China Three Gorges, a estatal chinesa] atinge capacidade instalada de 6.000 W, tornando-se a segunda maior geradora privada do país”. Privada, uma ova; é estatismo do pior, mais danoso que o estatismo brasileiro.

E agora mergulho em assunto sobre o qual não apenas a ignorância e o descuido, mas a covardia e até o temor reverencial emudecem as línguas. Quem tomou conta de boa parte da geração de energia no Brasil, à vera, foi um país totalitário e imperialista que caminha a passos gigantescos para ser a primeira potência do mundo. Vai chegar lá? Sabe Deus. E que, ponto que ninguém de bom senso nega, usa sem escrúpulos todos os instrumentos de que dispõe para impor seus objetivos. O que aconteceu em 25 de novembro não foi fato isolado, faz parte de política de longo alcance; grande parte do capital chinês investido no Brasil é estatal, controlado pela ditadura comunista. Imagine uma disputa comercial de uma estatal chinesa ─ tributos, mercados, preços, admissão e demissão de empregados, dumping, oligopólios e monopólios, sei lá mais o que ─ com o governo brasileiro. Pelo que estamos acostumados a ver, bastaria a ameaça de retaliação comercial do nosso mais importante parceiro internacional, por exemplo, cortar a importação de ferro ou carnes, perseguir empresas brasileiras instaladas na China, para Brasília piar fino.

Falando em pios, a esquerda não solta um pio a respeito desta gritante desnacionalização, que carrega no bojo potencial e gravíssima ingerência externa em assuntos internos. Essa mesma esquerda que esgoelava décadas atrás contra a Light, o chamado polvo canadense, e berrou contra as privatizações do período FHC (entrega de propriedade do povo ao capital estrangeiro), vê agora, silenciosa, o governo, entre outros motivos premido por terríveis problemas de caixa, se lançar às carreiras numa política suicida de desnacionalização.

Repito, o episódio das três gargantas que engoliram de uma só vez parte do potencial elétrico do Brasil não é isolado. As estatais chinesas estão ativamente comprando propriedades entre nós nas mais variadas áreas. Na década de 70 foi usual a palavra finlandização. A Finlândia havia perdido mais de 10% de seu território para a Rússia, quase 20% de seu parque industrial e, pelo temor do vizinho ameaçador e poderoso, acertava sempre o passo com Moscou, não importava o que fizessem os tiranos comunistas. Aquele antigo e civilizado país, formalmente soberano, de fato padecia uma forma larvada de protetorado.

Queiramos ou não, a mesma situação, ainda que incipiente, ocorre no Brasil. Com a enorme e cada vez maior presença econômica do Estado chinês entre nós, vai chegar o dia em que o país, em numerosos assuntos internos, vai ter diante de si potência mundial imperialista. E, se colocarmos como padrão como trata os governos esquerdistas e comunistas, facilmente imaginaremos a subserviência diante do poderio chinês.


Cortando caminho, vilmente protegido pelo mutismo da covardia e da cumplicidade, está em curso entre nós um processo que vai levar à perda efetiva da soberania nacional. No fundo do horizonte, terrível perspectiva, nos espera o protetorado envergonhado, mesmo que cuidadosamente disfarçado.