quinta-feira, 21 de abril de 2016

A mão estendida virou punho cerrado

A mão estendida virou punho cerrado

Péricles Capanema

O PT e demais forças de esquerda a ele aliadas ou meras forças auxiliares, como os movimentos sociais, têm agora problema delicado, estão com cobertor curto. Se puxarem para a cabeça, descobrem o pé; se cobrirem o pé, deixam a cabeça no frio.

Perdia o PT com o punho cerrado, ganhou com a mão estendida. Com ela, desarmou resistências no público em geral, avançou em setores antes duramente bloqueados, exemplo lideranças rurais, aparelhou escandalosamente o Estado. Nessa moldura, a anterior vigilância de largos setores mudou para indiferença, ocasionalmente até mesmo para simpatia. Ficaram comuns opiniões do tipo ‘a ideologia morreu, não passam de ladrões aproveitadores’.

Veio a crise econômica, o desemprego, a volta da carestia, a roubalheira despudorada. E a grossa maioria se voltou contra o PT e o governo Dilma. Na esteira, na Câmara dos Deputados, 367 deputados, de olho nas possibilidades de reeleição, votaram a favor do impeachment da Presidente.

Na militância petista, clima de luto. Se não agir rápido, a direção corre o risco do desânimo desagregador em seus setores mais ardentes. Precisa tê-los em vista. Se atendê-los, assustando o público, as possibilidades eleitorais correm perigo. O dilema emerge inevitável à maneira do desafio da esfinge de Tebas: decifra-me ou te devoro. De outro ângulo: é a política difícil de, ao mesmo tempo, desmobilizar os opositores, atrair simpatizantes e mobilizar a militância. Já começou em tom virulento e intolerante a encenação de perseguido por defender os pobres e vítima de elites insensíveis. Em suma, no presente momento, o PT optou pelo confronto. Foi jogado no quarto de despejo o boneco Lulinha paz e amor e a empoeirada Carta ao Povo Brasileiro de 22 de junho de 2002. À ribalta, tinindo, voltou o Lula jararaca.

Nessa linha, proclama a resolução do Diretório Nacional de 19 de abril último: “A direção do PT congratula-se com (...) a Frente Brasil Popular, aliada à Frente Povo sem Medo. (...) Reconhecemos a vitalidade dos movimentos sociais, a abnegação e a combatividade de nosso aliado histórico, o Partido Comunista do Brasil. Prestamos igualmente nosso respeito, entre outras agremiações, ao Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL) e ao Partido da Causas Operária (PCO) (...) Fazendo autocrítica na prática, o Partido dos Trabalhadores tem reaprendido nesta jornada, antiga lição que remete à fundação do nosso partido: o principal instrumento político da esquerda é a mobilização social, pela qual a classe trabalhadora toma em suas mãos a direção da sociedade e do Estado”.

Volta o PT das origens, dando guarida às concepções bolcheviques: a mobilização em frente popular e não a luta parlamentar, trará ao operariado (ao Partido, seu representante) a direção da sociedade e do Estado. Impossível não escutar ecos de Lênin antes do assalto ao Palácio de Inverno.

Na esteira da tomada de posição radical, Rui Falcão avisou: “Não haverá trégua nem estabilidade. É muito mais que oposição parlamentar só. Não tem paz, não tem tranquilidade, tem luta”.

Com isso, o PT atende a setores radicalizados. Mas tem o reverso, duas possibilidades, uma desejada, outra temida. O medo provocado pela face agressiva petista na opinião pública a fará mais tendente a ceder. É o cede ou vai apanhar mais, vantajosa para o PT. Contudo, existe a segunda possibilidade, pode também irritá-la, enrijecê-la, fazê-la mais disposta a resistir. E os efeitos podem ser profundos e longos.

Para César Maia, ex-prefeito do Rio de Janeiro, o PT começou mal, errou na dose, achou que a intimidação resolvia e produziu efeito contrário. Acho que viu certo: “Quando aceito o pedido de impeachment de Dilma e aberto o varejo dos cargos, se esperava que Dilma e seu núcleo duro suavizassem sua comunicação e seus discursos de forma a não gerar insegurança nos deputados do baixo clero. Ou seja, para ter votos suficientes, deveriam caminhar em direção ao centro. Mas fizeram exatamente o contrário. Se encantaram pelo slogan que seus comunicadores criaram ‘não vai ter golpe’ e subiram o tom. O slogan ‘não vai ter golpe’ foi sendo interpretado como algo do tipo ‘se for necessário pegaremos em armas’. Os discursos no Planalto, no Congresso e nos comícios subiram o tom como um slogan latino-americano: ‘Não passarão’ ou ‘Governo Dilma ou morte’. As caras e feições dos deputados foram ganhando expressões crescentemente raivosas. Toda essa coreografia foi percebida pela opinião púbica difusa, pelos deputados e senadores que estão fora da esgrima ideológica como se, não passando o impeachment, nos dois e meio últimos anos de governo, Dilma radicalizaria à esquerda. A distribuição de cargos não seria redistribuição de poder. O poder estaria mais centralizado. Assustou”.


Aqui está o risco do PT: assustar e levar à determinação de resistir. Se acontecer, com mais foco, dependendo de como acontecer, o Brasil direito terá dado passo imenso no rumo certo.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Um discriminado esquecido

Um discriminado esquecido

Péricles Capanema

O Brasil, seguindo tendência mundial, tem ativamente promovido políticas públicas chamadas via de regra de discriminação positiva; as ações afirmativas (outro nome) visam diminuir desvantagens relativas. Há leis favorecendo idosos, crianças, mulheres, negros, pobres, estudantes, portadores de deficiências físicas, entre eles os cegos, surdos e cadeirantes. Quando sensatas as normas e razoável sua aplicação, nada a objetar, têm efeitos benéficos.

No dia a dia, quem não gosta de ser atendido em sua inferioridade? Qualquer um de nós apresenta desvantagens, depende até da hora. E, normal, todos acham bom os outros levarem em conta tal situação. Entre eles, o Poder Público. Mas não falo apenas de leis e programas sociais, tenho muito em vista bons hábitos sociais. Em curto, a aplicação da caridade entre os homens.

Simplificando, até com nota irônica, apenas o branco jovem, rico, atlético, estudos superiores, vivendo em lar bem constituído, desnecessitaria de discriminação positiva. Falso; à vera, quando observado de perto, também é carente, precisa de cuidados especiais. Terá problemas psicológicos, será míope, pouco inteligente, sei lá mais o quê. Enfim, a discriminação positiva (se escoimada da inveja e da mentalidade achatadora revela em seu núcleo uma virtude cristã, a compaixão) vale para todos, vem para minorar os doloridos efeitos das incapacidades relativas por nós padecidas. Já se vê, impossível pôr tudo a cargo da norma legal. Sem depreciar o recurso a elas, a solução mais eficaz, barata e duradoura, começando no interior das famílias, é a constituição de hábitos sociais virtuosos, inspirados no Evangelho “amai-vos uns aos outros, como eu vos tenho amado”.

Temos em maior evidência as cotas para negros em empregos públicos e universidades. Não vou tratar a fundo das distorções, entre elas, por exemplo, a todo momento se fala de abusos na declaração de que é negro para cair no espaço favorecido das cotas. A Folha de São Paulo de hoje (14.4.2016) traz editorial a respeito. Informa que grupos de negros universitários estão se mobilizando contra o que chamam falsos cotistas. Apesar das mobilizações, no presente quadro o jornal não vislumbra saída razoável para o caso: “Trata-se de questão insolúvel: a autodeclaração constitui o único critério legal para definir se alguém é negro (ou de qualquer outro grupo social). Em tese, o sujeito de pele alvíssima que na inscrição do vestibular disser que se considera negro ou pardo deverá ser tratado como negro ou pardo. Substituir a autodefinição por critérios raciais objetivos é impraticável. A ciência não tem como ajudar, pois nem existe definição de raça universalmente aceita. Embora os comitês raciais exerçam certa pressão moral para evitar casos gritantes, pouco podem fazer do ponto de vista jurídico”. Conclui com uma proposta, cotas segundo a condição econômica: “Há várias vantagens nas cotas exclusivamente sociais. Um branco pobre que necessite de ajuda não será prejudicado apenas pelo fato de ser branco”.

Ia falar de um tipo de discriminado. Súbito outro pulou à minha frente, o obeso, continuamente discriminado, também candidato natural a tratamento diferenciado. Agora sou eu que o empurro de lado, e trato do discriminado razão do título do artigo: o superdotado, entre nós, esquecido e injustiçado, com grave lesão ao bem comum.

É muito censurável deixar de privilegiar e atender, com prudência, a idosos, cadeirantes e outros em desvantagem grave. Mas o dano ao bem comum na maioria desses casos é relativamente pequeno.

Deixar de atender a superdotados traz gravíssima injúria ao bem comum. Nos Estados Unidos, o superdotado é caçado como tesouro escondido. O povo tem noção clara que é loucura deslavada deixar ir para o ralo tal riqueza potencial. Logo que encontrado, é mandado para universidades de ponta e não param aí os estímulos. O mesmo acontece em numerosos países asiáticos. É claro, esta ajuda à carreira dos superdotados os favorece e a suas famílias. Compreensível e justificado. Acentuo outro ponto: tem enormes reflexos benéficos no bem comum. O país recebe em troca descobertas sem número, novas e mais produtivas técnicas de gestão, melhorias na qualidade do ensino, start-ups criativas; enfim, vias inovadoras de crescimento social. Estudo feito em 80 países por economistas da Universidade de Chicago mostrou, as políticas de aproveitamento de talentos levadas a cabo pelas nações mais ricas em numerosos casos foram o principal fator de sua prosperidade econômica.

No Brasil temos milhões de superdotados. Estimativa da OMS (Organização Mundial da Saúde) aponta entre nós de 3,5% até 5% de pessoas superdotadas. É o maior recurso natural do País. Nem precisaria lembrar, essa enorme riqueza em potencial em boa parte vai para o lixão. Para ser bem aproveitada, seria preciso detecção precoce e rápido aproveitamento. Parte expressiva de tal potencial está nas classes de menor poder econômico. E mesmo muitos pais abonados não têm a atenção bem orientada para o potencial de seus filhos. Quem se preocupa, fora alguns abnegados? No Poder Público, o que é feito?


Para concluir, duas constatações. Em parte esse desinteresse demolidor vem do desconhecimento de que, via de regra, o que mais favorece o bem social é o estímulo à plenitude, em qualquer campo e o mais generalizado possível. Por óbvio, dentro de uma moldura de proteção a todos e desigualdades harmônicas. Segunda constatação, mais importante. Existe infelizmente ainda muito viva a obsessão igualitária, que tenta por todos os meios impor um nivelamento antinatural, causa de terríveis sequelas empobrecedoras. Ninguém fala em ação afirmativa a favor dos superdotados. Milhões deles, hoje pobres e indefesas crianças sem nenhuma proteção, com muita probabilidade cairão no lixão da vida. Seria normal, compassivo e até muito vantajoso ajudá-las de forma especial. Mas não merecem dó. A obsessão igualitária e a patrulha aferrolham as bocas. Tiro no pé de todos nós.

sábado, 2 de abril de 2016

Tumores de estimação

Tumores de estimação

Péricles Capanema

Pivô do mensalão, ex-deputado federal e presidente do PTB (a partir de 14 de abril) Roberto Jefferson, agora livre, concedeu entrevista ao Estadão. Falou o óbvio: “Quem financia partido são as estatais. Se queremos país moderno, vamos ter que fazer privatização, porque não vai permitir a concentração da corrupção. A estatal é a semente da corrupção no Brasil. Partidos disputam cargos nas estatais para seu financiamento. O que vão assaltar nos seis meses enquanto durar o impeachment é uma loucura”. O petrolão deita raízes na Petrobrás. Os jornais falam do eletrolão, com origem na Eletrobrás. Bastaria investigar, em cada estatal vai ser descoberto o mesmo esquema de pilhagem que por anos jugulou a Petrobrás e a Eletrobrás.

Agravando o quadro, a Petrobrás (quer dizer, o governo petista) está pedindo empréstimos bilionários ao CDB (Banco do Desenvolvimento da China, estatal chinesa, braço do PC), já são mais de 10 bilhões de dólares. Só um exemplo, em 26 de fevereiro passado, a Petrobrás informou haver contraído empréstimo de 10 bilhões de dólares. Antes, em abril de 2015, foi anunciado financiamento de 3,5 bilhões de dólares. Uma das condições para receber a dinheirama é comprar equipamentos chineses para o setor petrolífero, o que contraria a política de conteúdo nacional, legislação patrocinada pelo próprio PT. Neste caso, o PT e o governo se calam sintomaticamente, pois aqui eles estão favorecendo o imperialismo comunista. E, sob outro ponto vista, já revelando traços de deplorável conduta de país neocolonizado, temem desagradar a potência colonizadora. Quando inevitável, a Petrobrás paga as multas prescritas pela legislação brasileira e compra o material chinês.

Infelizmente menos que deviam repercutem no público os descalabros das estatais, entre os quais, a roubalheira endêmica e, como acima, ser instrumento da política de servidão do Brasil a potências estrangeiras. Também incomodam aquém da medida seu empreguismo e ineficiência. Em consequência, é relativamente raro entre nós algum partido ter como bandeira programática a privatização e, com isso, propor como política de Estado a eliminação desse gigantesco fator de atraso. Deveria ser normal, prestigioso, aplaudido de pé. Parece, não dá voto. No governo, nem se fala, mas mesmo na oposição a Petrobrás ainda é qualificada aqui e ali de “orgulho nacional”.

Vem de longe o lamentável xodó com o estatismo. Desde a Revolução de 1930, a fórmula preferencial, simplificadora e deformante, tem sido: “Apareceu um problema? Estado nele”. Revela sujeição, maior ou menor, ao lema fascista: “Tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado”. E tal lema exprime com autenticidade a doutrina e a mentalidade do nazismo, do comunismo e de socialismos de várias tonalidades. O tenentismo brasileiro, autoritário e intervencionista, de tanta presença em nossa história, também bebeu dessas águas.

Existem motivos vários para a pervivência (desculpem o castelhanismo expressivo, deveríamos adotar essa palavra, viver, muitas vezes com esforço, através dos tempos; sobrevivência não diz a mesma coisa) dessa situação. Um deles, quem sabe o principal, é o mimetismo, a mania subserviente de imitar fórmulas de fora. Embeiçados por modelos vitoriosos passageiramente no estrangeiro, tentamos sua aplicação aqui. Aconteceu com o fascismo, o socialismo, o comunismo e numerosas outras fórmulas coletivistas, de diferente teor estatizante. Deixaram entre nós sequelas profundas em especial nos setores letrados (ou mais ou menos letrados). No povo simples, nem tanto. A brasilidade, hoje falada, começa com autonomia de pensamento e segurança de conduta. Aliás, vale para qualquer povo.

Roberto Jefferson falou do financiamento dos partidos. Referia-se, creio, sobretudo ao financiamento das campanhas, caríssimas entre nós. Nada foi feito para diminuir-lhes o custo. Medidas óbvias, como a proibição da marquetagem na televisão e providências por muitos vistas como sensatas para baratear campanhas, como o voto facultativo e alguma forma de voto distrital, dormem nas prateleiras. Uma determinação vale: proibido o financiamento empresarial num país em que, todos sabem, é pífio o financiamento de particulares. O que sobra para financiar as campanhas, caras como antes, e que fracassarão inelutavelmente sem o dinheiro? Mais financiamento público (dinheiro tirado de escolas, de postos de saúde e de creches, entre outras fontes), continuação da propina fluindo das diretorias das estatais e, já que a fonte secou em parte, complementos advindos de dinheiro estrangeiro e do narcotráfico. São perspectivas dantescas, reconheço, mas não sejamos como os avestruzes.


Volto ao começo. O Estado é realidade necessária e saudável, mas com presença em geral supletiva. As soluções devem via de regra sair do setor privado. É o que fez grandes os Estados Unidos. E é o que, aliás, afirma o princípio de subsidiariedade da doutrina social católica. Sem que ele nos encharque as mentes e molde as mentalidades, vamos ter ainda por muitos anos no corpo do Brasil nossos tumores de estimação, correlatos, o estatismo, o coletivismo, o intervencionismo e o dirigismo. Entranharam-se por décadas, deitaram metástase, são de penosa extirpação.