A mão estendida virou punho cerrado
Péricles Capanema
O PT e demais forças de esquerda a ele aliadas ou
meras forças auxiliares, como os movimentos sociais, têm agora problema
delicado, estão com cobertor curto. Se puxarem para a cabeça, descobrem o pé;
se cobrirem o pé, deixam a cabeça no frio.
Perdia o PT com o punho cerrado, ganhou com a mão
estendida. Com ela, desarmou resistências no público em geral, avançou em
setores antes duramente bloqueados, exemplo lideranças rurais, aparelhou
escandalosamente o Estado. Nessa moldura, a anterior vigilância de largos setores
mudou para indiferença, ocasionalmente até mesmo para simpatia. Ficaram comuns
opiniões do tipo ‘a ideologia morreu, não passam de ladrões aproveitadores’.
Veio a crise econômica, o desemprego, a volta da
carestia, a roubalheira despudorada. E a grossa maioria se voltou contra o PT e
o governo Dilma. Na esteira, na Câmara dos Deputados, 367 deputados, de olho
nas possibilidades de reeleição, votaram a favor do impeachment da Presidente.
Na militância petista, clima de luto. Se não agir rápido,
a direção corre o risco do desânimo desagregador em seus setores mais ardentes.
Precisa tê-los em vista. Se atendê-los, assustando o público, as possibilidades
eleitorais correm perigo. O dilema emerge inevitável à maneira do desafio da
esfinge de Tebas: decifra-me ou te devoro. De outro ângulo: é a política
difícil de, ao mesmo tempo, desmobilizar os opositores, atrair simpatizantes e
mobilizar a militância. Já começou em tom virulento e intolerante a encenação
de perseguido por defender os pobres e vítima de elites insensíveis. Em suma,
no presente momento, o PT optou pelo confronto. Foi jogado no quarto de despejo
o boneco Lulinha paz e amor e a empoeirada Carta ao Povo Brasileiro de 22 de
junho de 2002. À ribalta, tinindo, voltou o Lula jararaca.
Nessa linha, proclama a resolução do Diretório Nacional
de 19 de abril último: “A direção do PT congratula-se com (...) a Frente Brasil
Popular, aliada à Frente Povo sem Medo. (...) Reconhecemos a vitalidade dos
movimentos sociais, a abnegação e a combatividade de nosso aliado histórico, o
Partido Comunista do Brasil. Prestamos igualmente nosso respeito, entre outras
agremiações, ao Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL) e ao Partido da Causas
Operária (PCO) (...) Fazendo autocrítica na prática, o Partido dos
Trabalhadores tem reaprendido nesta jornada, antiga lição que remete à fundação
do nosso partido: o principal instrumento político da esquerda é a mobilização
social, pela qual a classe trabalhadora toma em suas mãos a direção da
sociedade e do Estado”.
Volta o PT das origens, dando guarida às concepções
bolcheviques: a mobilização em frente popular e não a luta parlamentar, trará
ao operariado (ao Partido, seu representante) a direção da sociedade e do
Estado. Impossível não escutar ecos de Lênin antes do assalto ao Palácio de
Inverno.
Na esteira da tomada de posição radical, Rui Falcão avisou:
“Não haverá trégua nem estabilidade. É muito mais que oposição parlamentar só.
Não tem paz, não tem tranquilidade, tem luta”.
Com isso, o PT atende a setores radicalizados. Mas tem
o reverso, duas possibilidades, uma desejada, outra temida. O medo provocado pela
face agressiva petista na opinião pública a fará mais tendente a ceder. É o
cede ou vai apanhar mais, vantajosa para o PT. Contudo, existe a segunda
possibilidade, pode também irritá-la, enrijecê-la, fazê-la mais disposta a
resistir. E os efeitos podem ser profundos e longos.
Para César Maia, ex-prefeito do Rio de Janeiro, o PT começou
mal, errou na dose, achou que a intimidação resolvia e produziu efeito
contrário. Acho que viu certo: “Quando aceito o pedido de impeachment de Dilma
e aberto o varejo dos cargos, se esperava que Dilma e seu núcleo duro
suavizassem sua comunicação e seus discursos de forma a não gerar insegurança
nos deputados do baixo clero. Ou seja, para ter votos suficientes, deveriam
caminhar em direção ao centro. Mas fizeram exatamente o contrário. Se
encantaram pelo slogan que seus comunicadores criaram ‘não vai ter golpe’ e
subiram o tom. O slogan ‘não vai ter golpe’ foi sendo interpretado como algo do
tipo ‘se for necessário pegaremos em armas’. Os discursos no Planalto, no
Congresso e nos comícios subiram o tom como um slogan latino-americano: ‘Não
passarão’ ou ‘Governo Dilma ou morte’. As caras e feições dos deputados foram
ganhando expressões crescentemente raivosas. Toda essa coreografia foi
percebida pela opinião púbica difusa, pelos deputados e senadores que estão
fora da esgrima ideológica como se, não passando o impeachment, nos dois e meio últimos anos de governo, Dilma
radicalizaria à esquerda. A distribuição de cargos não seria redistribuição de
poder. O poder estaria mais centralizado. Assustou”.
Aqui está o risco do PT: assustar e levar à determinação
de resistir. Se acontecer, com mais foco, dependendo de como acontecer, o
Brasil direito terá dado passo imenso no rumo certo.
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