domingo, 11 de setembro de 2016

Imagens de um Brasil que queremos esquecer

Imagens de um Brasil que queremos esquecer

Péricles Capanema

A última entrevista de Dilma Rousseff à imprensa internacional foi no começo de setembro. Não leu texto, respondeu a perguntas. Meu espaço é curto, vou para as três perguntas finais.

Analisou declaração da doutora Janaína Paschoal de que a respeitava: “Olha, eu vou te dizê, acho que vocês assistiram o comportamento da doutora. O comportamento da doutora é o comportamento de uma pessoa cujo cujo as convicções não se parecem com as minhas. Nem do ponto de vista político, nem do ponto de vista cultural, nem do ponto de vista humano. Não, não respeito”. Alguém conseguiria explicar o que é uma convicção do ponto de vista humano?

Próxima pergunta. Um jornalista árabe pediu mais atendimento: “Eu gosto muito do mundo árabe, quero te dizê. Posso falá uma coisa? Eu vou te explicá purque que eu gosto do mundo árabe. Tá, purque eu acho qui o mundo árabe tem uma cultura altamente sofisticada, que só, que só, tem muita gente hoje no mundo que acha que a cultura árabe é uma cultura simplista, que é uma cultura de terroristas. Eu discordo disso, radicalmente. [...] Eu estarei sempre disposta a receber os jornais, revistas. Só que cês hão de convir comigo, que nesse período, eu recebi bastante, cês tem de convir comigo. Recebi e recebi individual, coletivamente, individual. Então, agora começa uma nova etapa, quer dizer novamente que estou à disposição, obviamente cês vão me dar um tempinho, né?, um tempinho, e assim que eu me implantar no meu local, eu recebo, cumeço a receber novamente”. Ela vai se implantar (voltar a morar) em Porto Alegre.

Última. Uma jornalista chilena indagou à Dilma por que havia ido ao Chile em fevereiro último em viagem rápida: “Ah, purque la presidente de CEPAL me invitó para fazer una conferência. E yo queria, ocê num acredita, yo no conocía CEPAL, no tinha ido personalmente. Soy de una geracione en que CEPAL fué muy importante para el pensamento de la, de la economía latinoamericana. Entonces para mi fué importante hacer una discusión a respeito do qué acontecia en Brasil. CEPAL es un centro de formación de pensamento latinoamericano. Isto es una cosa. La outra cosa es que considero que Bachelet es una de las más importantes lideranças de Latinoamérica. No só purque por toda su trajetória, mas por sus posiciones que combinam la firmeza y la capacidade de diálogo. Por isso, é, sempre que pudo en várias circunstâncias no necessariamente solo en Chile, pero en otras circunstâncias, yo sempre hablé com Bachelet. No solo yo, pero lideranças latinoamericanas e internacionales. Diria que usted enfrenta la mesma crisis que nosotros y que en las fases de ascensión del ciclo econômico las personas tienen una tolerância mayor. En las fases de descienso del siglo, del ciclo, o que está em questión? Quién, quién, serão las personas que pagarán por la crisis. No hay, no hay demagogia, se paga siempre. En la crisis hay que pagar algunos, alguna cosa. Todos los países. No solo Chile, todos. Entonces, hay em países como os nossos, o Chile, o Brasil que têm uma tradição conservadora muito forte, que têm uma tradição em que as elites quando não gostam de uma situação criam toda sorte de barreiras, de problemas, eu acho que em vários locais isso tá ocorreno. Não só aqui, aqui na América Latina. Agora, o que qui cê não vê? Cê teve uma crise profundíssima nos Estados Unidos. Milhões de pessoas perderam suas casas. Milhões de pessoas perderam seus empregos. Ninguém, ninguém depôs o presidente Obama. É só isso a diferença.  Eu espero que no Chile tenha a maturidade para saber que o país tem de enfrentar a crise e manter a democracia".

Aqui, num arremedo de espanhol hilário (para quê?), fiapos de pensamento tosco, frases truncadas, acacianismos enfáticos como se descobrisse a América, ausência de fio lógico. Toda a entrevista tem esse nível, está na rede, é de fácil consulta para quem se dispuser a ouvir esse padrão de exposição por mais de uma hora. Repete, uma vez mais, o que sempre sucedeu quando a ex-presidente não tinha à mão o texto escrito. Enfileirava, sem nexo, num português medonho, cortando raciocínios, poucas vezes chegando às conclusões lógicas, bobagens, disparates, obviedades, apriorismos, tristes imagens, supunham os ouvintes, de mente facilmente presa a preconceitos, teimosias e ideias fixas. O primitivismo da fala não tinha o dom de disfarçar a espinhenta arrogância. Pessoa assim tem condições de formular políticas, coordenar esforços, propor rumos? O governo podia dar certo?


O PT tem centro de estudos e pesquisa, a Fundação Perseu Abramo. Rui Falcão convidou Dilma Rousseff para presidir o tal centro; ela pediu tempo para pensar. Quer saber? Acho, não aceita, para alívio dos escassos petistas com um resto de bom senso, já por demais cansados de passar tanta vergonha.

sábado, 10 de setembro de 2016

Não subestimem

Não subestimem

Péricles Capanema

Vou começar pelo fim, a surpresa, comum, vale mais que o conhecimento; este virá, a seu tempo. Não subestime, fuja dos otimismos como da peste, não se deixe embeiçar pela (tantas vezes) balela da pacificação. Firme alianças com amigos, desista de conquistar adversários, pelo menos parte deles. São como serpentes sopitadas pelo frio. Esquente-as, ao recobrar movimentos, o que primeiro farão será picá-lo. Acabou a introdução.

Veja isto. Em 5 de maio de 1789, os Estados Gerais (ou Ordens) se reuniram em Versalhes. Cerca de 600 deputados do povo (o Terceiro Estado ou Ordem, se quisermos), 300 da nobreza (Segundo Estado) e 300 do clero (Primeiro Estado). Em 17 de junho os deputados do Terceiro Estado se rebelaram, declararam-se em Assembleia Nacional, exigiam a Constituição. Em 24 de junho a grande maioria dos deputados do clero os apoiou. No dia seguinte, 50 deputados da nobreza se uniram ao grupo, já majoritário. Em 27 de junho, Luiz XVI convidou seu “fiel Clero” e sua “fiel Nobreza” a se juntar aos deputados do Terceiro Estado.

E então a Assembleia Nacional se proclamou Assembleia Nacional Constituinte com o objetivo de dar à França uma carta estável, garantidora de direitos, democrática, progressista. Os acontecimentos se precipitaram rumo à revolução. Poucos dias depois, 12 de julho, os líderes revolucionários, açulados pelas vitórias, tendo como massa de manobra agitadores exacerbados, foram até a fortaleza da Bastilha. Ali houve combate. O governador, marquês de Launay, ordenou cessar fogo tranquilizado pela promessa de que ele e seus soldados teriam a vida salva. Acordo logo descumprido, o marquês foi linchado e os revolucionários passearam com sua cabeça fincada numa lança pelas ruas de Paris. Manhã de 14 de julho de 1789, a Bastilha estava nas mãos dos insurrectos. Na tarde, o duque de Liancourt avisou Luiz XVI, que perguntou apalermado: “É uma revolta? Respondeu o duque: “Não, Majestade, uma revolução”. O rei não levou a sério o duque. Às 18 horas, ordenou às tropas, abandonar Paris. A monarquia caiu em 21 de setembro de 1792. O monarca perdeu a vida, guilhotinado em 21 de janeiro de 1793. Sua mulher, a rainha Maria Antonieta, teve a cabeça cortada em 16 de outubro de 1793. O filho, seria Luiz XVII, de 1785, morreu na prisão, provavelmente em 1795. A filha Maria Teresa, de 1778, conseguiu escapar, foi a duquesa de Angoulème, falecida em 1851. Constituições? Uma em 3 de setembro de 1791, outra em 24 de junho de 1793, uma terceira em 22 de agosto de 1795, a quarta foi de 13 de dezembro de 1799, logo a seguir outra de 2 de agosto de 1802, mais uma de 18 de maio de 1804. O Terror pelo meio. Na França se consolidou a ditadura bonapartista, com a sequela de guerras sem fim. Quantos perderam a vida nas matanças? Estimativas variam, algumas chegam perto dos cinco milhões. Ah, faltou uma constituição, a Constituição Civil do Clero, de 1790, que confiscou os bens imobiliários da Igreja e tornou os sacerdotes funcionários do Estado.

Aqui começo à vera o artigo. Na China, perguntado sobre as agitações de rua no Brasil, o presidente Michel Temer deu o tom da resposta do governo: “São pequenos grupos, parece que são grupos mínimos, né? As 40 pessoas que estão quebrando carro? Não tenho numericamente, mas são 40, 50, 100 pessoas, nada mais do que isso. Agora, no conjunto de 204 milhões de brasileiros, acho que isso é inexpressivo”. A seguir, em outro episódio, repete o amadorismo inconsequente. Cercado de ampla publicidade entrou numa loja chinesa para comprar um par de sapatos. Gastou aproximadamente R$389,00. Sentadinho satisfeito, só de camisa experimentando os sapatos mostram fotos suas publicadas por toda parte na China e no Brasil. A visita de Temer àquele país teve entre os objetivos ampliar vendas de produtos made in Brazil. Claro, reagiram consternados e incrédulos os calçadistas brasileiros, impiedosamente atingidos pela concorrência chinesa. Da Abicalçados recebeu um par de sapatos nacionais grátis, "para que possa verificar a qualidade", disse seu presidente Heitor Klein. Temer gastou ainda aproximadamente R$195,00 em um agrado para o filho, um cachorro eletrônico. Desagrado igual na indústria de brinquedos.

Outras na mesma rota que, não depende de mim, é incoercível, representam autodemolição. Em estratégia para se aproximar dos movimentos sociais, o governo promoveu reuniões com grupos ligados às questões da terra (MST e movimentos afins), noticiou o Estadão. Eliseu Padilha, na Folha, afirmou que o governo ia separar a luta política dos protestos. Vamos à distinção artificiosa: luta política, ouvidos moucos, cois para os partidos da base aliada; protestos com pauta, outra coisa. “Quando for protesto com uma pauta de reivindicação, como a reforma agrária, vamos chamar estas pessoas para conversar no Palácio do Planalto, ouvi-los e buscar uma negociação", afiançou Padilha. Exemplo, a conversa que teve e mais quatro ministros com representantes do MST. O governo comemorou o fato: "Ficamos mais de três horas conversando com estas lideranças do grito dos excluídos, e acertamos um encaminhamento de negociação". A reforma agrária é um desastre, torra dinheiro público num misto de roubalheira, incompetência e coletivismo. Não melhora a situação da gente do campo, espanta investimentos. Não tem importância, é xodó das esquerdas, tumor de estimação a ser nutrido com cuidado. Até que intoxique o corpo inteiro. O gesto foi aceno amigo para as lideranças extremadas abrigadas no MST, FNL, CUT, MTST. Deus queira, vou repetir, que o futuro não escancare, foram mais alguns episódios de tática suicida, no mínimo amadorismo insensível às consequências, embaído pelo engodo da pacificação.

Outra. Michel Temer em 7 de setembro tomou vaia de plateia muito próxima ao palanque oficial, isto é, estava ali porque o governo lá a havia colocado. A colunista Eliane Cantanhêde procurou verificar o fato estranho e encontrou explicação desconcertante: “[As vaias] partiram de 120 convidados da USP. O convite à universidade é tradicional, mas o governo mudou, esqueceu de atualizar a lista de convites e instalou o inimigo ao lado da tribuna de honra – onde estavam Temer e Marcela”. E exemplifiquei com poucos fatos, a lista é grande.


Por que comento tais fatos? Treze anos de PT arrebentaram o Brasil. O governo tem condições de restaurar parte do estrago, já é muito, se parar de dar tiros no pé.

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Neste momento triste

Neste momento triste

Péricles Capanema

Na manhã de 3 de setembro, diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida nos jardins do Vaticano o Papa Francisco, dói dizê-lo, feriu a maioria dos católicos brasileiros. Estavam presentes o cardeal arcebispo de Aparecida, outros bispos mais, o embaixador brasileiro junto à Santa Sé, no total umas trezentas pessoas. Palavras do Pontífice: “Estou contente com a imagem de Nossa Senhora aqui nos jardins. Em 2013 prometi voltar a Aparecida. Não sei se será possível. [...] Convido-lhes a rezar para que ela continue a proteger todo o Brasil, todo o povo brasileiro, neste momento triste. Que ela proteja os pobres, os descartados, os idosos abandonados, os meninos de rua. Que ela salve o seu povo com a justiça social”. A CNBB rapidamente acertou o passo em nota divulgada em 7 de setembro: “Vivemos um triste momento. [...] A histórica desigualdade social não foi superada. Corremos o risco de vê-la agravada pela desconstrução de políticas públicas, que resultam em perda de direitos”. E as manifestações, por ela bafejadas, o 22º Grito dos Excluídos, realizadas Brasil afora na data da independência, tiveram como parceiras MST, CUT além de partidos como PSOL, PCO, PC do B, PCR e PT distribuindo panfletos e berrando o “Fora Temer” e “Diretas Já”.

Volto ao Papa Francisco. Onde está a ferida? Claro, causaram perplexidade as três palavras: neste momento triste. É triste o momento pelo qual passa o Brasil? Agravou a estranheza o cancelamento da viagem a Aparecida em 2017. Não foi ambígua a declaração, constituíram apoio à presidente cassada e a suas políticas. Era notório, pelo caráter augusto da investidura petrina, não ser politicamente prudente avançar mais na expressão do pensamento, sob pena de ruidosa inconformidade da grossa maioria das escandalizadas ovelhas, cuja defesa dos lobos foi confiada por Cristo ao Sucessor de Pedro. Sentiriam que estava sendo escancarada a porta do redil. A declaração trouxe à memória palavras de frei Betto em Cuba, sob silêncio dos órgãos da Santa Sé, um ano atrás: “Toda a esquerda latino-americana que conheço está muito feliz com o Papa Francisco”. Atendo-me aos fatos: não sei se inocente útil; de qualquer maneira, sem lesionar o respeito filial, o curso da lógica leva até lá, companheiro de viagem. E o ponto final da viagem na mente os que comandam a jornada é o regime comunista.

Sob muitos pontos de vista, neste momento o Brasil não tem razão para estar triste, mas para pular de alegria. Antes, estava angustiado pelas algemas de 13 anos de retrocesso e exclusão. Retrocesso em suas possibilidades de caminhar na rota da prosperidade, exclusão de políticas que favorecem os pobres no longo prazo. Havia inclusão social: o povo estava incluído na rota que passa pela Venezuela e leva à situação de Cuba. Não custa lembrar, em 2016, segundo o Latinobarómetro, no caso insuspeito, 72% das pessoas na Venezuela confessaram, nos últimos 12 meses para eles faltou comida. Sem eufemismos, passaram fome.

Diante da grave caminhada do Brasil, os católicos brasileiros estavam especialmente aflitos ao constatar que a CNBB permaneceu obstinada em favorecer a ascensão ao poder e a apoiar um governo promotor de políticas destruidoras da moral católica na vida familiar e social (e agora, mantendo a rota, sôfrega, aproveita-se das palavras do Papa Francisco para uma vez mais proclamar que tem lado).

Acima falei em alegria no começo. Outro motivo de felicidade, esse permanente, ler ensinamentos de grandes Papas do passado, desanuviam o espírito. São Pio X advertiu: “Os verdadeiros amigos do povo não são inovadores nem revolucionários, mas tradicionalistas”. E Pio XII, jamais utilizando a linguagem habitualmente imprecisa e favorecedora dos objetivos revolucionários da CNBB (só lembro aqui a dose de hoje: a histórica desigualdade social não foi superada), ensinou: Num povo digno de tal nome, todas as desigualdades decorrentes não do arbítrio, mas da própria natureza das coisas --desigualdades de cultura, de haveres, de posição social, sem prejuízo, bem entendido, da justiça e da mútua caridade -- não são, de modo algum, um obstáculo à existência e ao predomínio de um autêntico espírito de comunidade e fraternidade. Mais ainda, longe de ferir de qualquer maneira a igualdade civil, elas lhe conferem seu legítimo significado; ou seja, que perante o Estado cada qual tenha o direito de viver honradamente a própria vida pessoal, na posição e nas condições em que os desígnios e disposições da Providência o colocaram."


Reitero, são motivos perenes de júbilo, paz e certeza. Neste momento de tristeza e perplexidade, por outras razões.

sábado, 3 de setembro de 2016

Prefeitos e vereadores goela abaixo

Prefeitos e vereadores goela abaixo

Péricles Capanema

Dilma cassada, 61 a 20, Temer definitivo (até agora, depois da reviravolta preocupante bafejada pelo ministro Ricardo Tinindo nos Cascos Lewandowski e pela senadora Kátia Vira-casaca Abreu, ex-presidente da CNA). Começaram para valer as campanhas eleitorais, embora o povo ainda não esteja com os olhos nelas postos por causa da crise política que convulsiona Brasília. Não importa, daqui a menos de quatro semanas, novos prefeitos e vereadores, Brasil de cara nova.

O que teremos de retrato autêntico do País? Um pot-pourri de dados pode ajudar. Pesquisa recente, maio de 2016, conduzida pela GfK Verein, organização especializada alemã, verificou, apenas 6% dos brasileiros confiam nos políticos em geral. Quanto aos prefeitos, 10% acreditam neles.

Assunto ligado ao anterior, o apoio à democracia. Constatou o celebrado Latinobarómetro, em 2016 o apoio à democracia no Brasil é de 32%, menos de um terço. Outro item conexo, o voto facultativo. Boa parte dos favoráveis ao voto facultativo está dizendo: se pudesse, não apareceria na seção eleitoral, só vou lá debaixo de vara. Em 2014, véspera da eleição presidencial, o DataFolha pesquisou sobre voto obrigatório. 61% eram contra, queriam o facultativo. Entre os pesquisados com ensino superior, 71%. Dos eleitores de Dilma, 47% deixariam de votar se não fosse obrigatório. Dos eleitores de Aécio, 67% deixariam de votar se não fosse obrigatório. Resultado semelhante e até mais expressivo apresentou pesquisa promovida no site do Senado pelo DataSenado em 2012; 85% foram a favor do fim do voto obrigatório. Não mudou nada; acho, as porcentagens agora seriam maiores, as decepções se amontoaram muito nos últimos anos.

Em resumo, é com profundo desagrado que a maioria se arrastará até as seções eleitorais em 2 de outubro. Não há como escapar, os vereadores e prefeitos vão ser empurrados goela abaixo do eleitorado.

Este é um fenômeno bom? Direi, tem lados admiráveis que justificam esperanças. A desilusão lúcida favorece escolhas certas. Por outros aspectos, preocupa. O desinteresse pela coisa pública e o egoísmo míope sempre levam a desastres.

Vou virar a página. Compulso pesquisa antiga, conserva atualidade, foi responsável por ela a Associação Brasileira de Magistrados, publicada em agosto de 2008. Entre os numerosos itens, respigo alguns. Para 68% dos entrevistados era muito importante que o político fosse simpático. 61% conhecia gente que aceitaria votar em candidato em troca de vantagens pessoais. Para 42%, era obrigação dos políticos pagar despesas de hospital e de enterro para pessoas necessitadas. A maioria achava que os políticos deveriam arranjar emprego para quem precisasse. A situação continua igual. De outro jeito, é comum, nós não gostamos dos políticos, mas exigimos o auxílio estatal. É fraca a noção de que o Estado, instituição benéfica e imprescindível, deve ter papel subsidiário em relação à sociedade. Daí a simpatia, pelo menos em raiz, por formas de intervencionismo e estatismo. Desde o populismo até formas extremadas de socialismo se abeberam em eleitorados assim.

Como estava redigindo o presente texto, por curiosidade, fui à rede para ver quem se candidata a vereador em minha cidade natal. Deixo logo abaixo alguns dos postulantes, pessoas direitas, respeitáveis, mas que por vezes, até injustamente, retratam a falta de programas e nitidez ideológica presentes no Brasil inteiro (veja você também a lista dos candidatos em sua cidade natal, não será diferente): Ganso do Padre Libério, André do Picolé, Buzina, Antônio Pipoca, Carlinhos do Queijo, Coco do Futebol, Fubá Pedreiro, Tigrão Motorista, Vai Vaca do JK, Novinho TBA, Fábio Animal, Geraldo Boi do Caminhão, Geraldo Doidão, Goiaba, Baiano da Aparição, Willian Morcego.

Em 1932, escrevendo no Legionário, o então jovem líder católico Plinio Corrêa de Oliveira foi longe e fundo ao analisar a anarquia mental presente no Brasil inteiro, o que impedia programas coerentes na política e na economia: “Já que tanto se fala em renovação, seja na política, seja nas leis, seja na economia nacional, é tempo que se cuide da renovação fundamental de que o Brasil carece, isto é, a renovação da mentalidade pública. Quebrada a unidade de pensamento estabelecida pela Igreja na Idade Média, a diversidade de tendências religiosas e filosóficas foi gradualmente tomando tal incremento, que a anarquia triunfou completamente no domínio da vida intelectual. [...] O Brasil sofre a tal ponto das desastrosas consequências desse mal, que é impossível constituir-se hoje uma grande corrente de pensamento que seja capaz de se concentrar em um programa completo de reorganização nacional. É frequente presenciar pontos de vista radicalmente inconciliáveis defendidos por uma mesma pessoa com igual calor [...] conservadores socialistas, os comunistas que desejariam a abolição da propriedade e a manutenção da família, os liberais socialistas, os reacionários liberais etc. [...] Enquanto subsistir esse caos no mundo do pensamento, será absolutamente impossível instituir uma ordem durável no domínio da política e da economia.”


O caos aumentou, o Brasil aqui mudou para pior. De momento só chamo a atenção para um ponto: vamos observar bem antes de votar, sufragando candidatos com programa bom, mesmo que sejam pouco conhecidos como o André do Picolé, o Buzina ou o Fubá Pedreiro. Agiríamos a favor do Brasil. Serão melhores que os doutores de PhD vistoso, propondo programas de destruição da vida familiar e econômica.