quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Rápida desilusão do crédulo

 

Rápida desilusão do crédulo

 

Péricles Capanema

 

Currículo impressionante. Henrique Meirelles foi presidente do Banco Central no governo Lula, secretário da Fazenda em São Paulo no governo Doria e ministro da Fazenda no governo Temer. Antes, fizera carreira como banqueiro internacional, chegando a presidente do Banco de Boston. São funções, se bem executadas, incompatíveis com credulidade, ingenuidade e precipitação. Candidato à Presidência, um de seus slogans foi “Chama o Meirelles”; isto é, quando a situação ficar preta, ainda existiria saída, chamar o Meirelles.

 

Apoio desconcertante, com ufana e confessada base na realidade. O financista só agiria com base nos fatos, infenso às ilusões, refratário às expectativas vazias. Ou enganosas. Meados de setembro último, dias antes do 1º turno, o antigo ministro da Fazenda se apressou em declarar apoio a Lula. Ensaiou tomada de posição retumbante, contribuiu para diminuir temores nos setores mais ligados à livre iniciativa, em especial mercado financeiro ▬ mais ainda, no Brasil inteiro. Meirelles esperaria contrapartidas? Compromissos? Teria recebido promessas de retificação de rumos? Algum dia talvez a História revele conversas e acordos de bastidores, cumpridos ou abandonados. O antigo presidente do Banco de Boston exsudava segurança e confiança: “Quero me ater a fatos específicos e que mostram a comparação brutal. Quando trabalhamos juntos no governo, trabalhamos oito anos. Nesse período, mais de dez milhões de empregos foram criados, isso é um fato, não é questionável”. Continuou acelerado no mesmo rumo, crescimento, retirada de pessoas da pobreza: “Durante aquele período, além de um crescimento forte, inflação na meta”. Aproveitou para criticar a inflação atual, “corrói todo o padrão de vida da população".

 

Proclama de novo, os fatos estão na origem do apoio enfático. O que interessa são os fatos, assegura, com esteio neles vamos ter avanços em ambiente favorável à geração de emprego e renda. E então, de novo, diante de Lula, mostrou que o caminho aparecia ensolarado: “Isto é, na minha opinião, o que interessa. Eu olho e vejo o resultado do seu governo, isso nos faz estar aqui. Estou aqui com tranquilidade, com confiança, porque eu sei o que funciona e o que pode funcionar no Brasil”. Ele sabe, é do ramo. Confiante, tranquilo, dava o diapasão para o Brasil na possível administração petista. Voltou às loas dias depois: “Meu apoio ao Lula deriva da minha confiança na possibilidade de ele agir para mudar esse quadro. De entender o que é necessário ser feito e de fazer o que é suficiente para recuperar a nossa economia. Com responsabilidade fiscal e social. Eu tomo decisões baseado em fatos e isto ocorreu quando ele foi Presidente”. Apoio com base em fatos, reafirmava. Acenava a investidores: “Hoje, o nível de confiança do investidor no nosso País é baixo. É o que acontece, quando há dúvidas sobre o cumprimento de compromissos, sobre o respeito a regras. Quando não há previsibilidade e confiabilidade na condução da economia. Quando as políticas fiscal e monetária caminham em sentidos opostos”. Lula permanecia tergiversando, fugindo de compromissos, pedindo união pela democracia aos nvos convertidos. Mas só.

 

Fatos? O caminho hoje já não se apresenta ensolarado. Está sombrio, destino incerto. O fato bruto e chapado, incontroverso era e continua o mesmo, a ambiguidade permanente e a desconversa contínua de Lula. Não se comprometeu com nenhum programa econômico. E nem vai se comprometer. O PT tem pronto seu plano econômico de governo (e das outras áreas também), vai aplicá-lo. Rui Falcão, ex-presidente do PT, um dos chefes da campanha, avisou há pouco aos navegantes ainda inadvertidos: “O que se cobra do Lula é assumir um programa que não é o nosso". O programa “nosso” não será modificado, vai ser aplicado, já o foi nas administrações passadas. É regressivo, intervencionista, estatizante; e assim, pela fuga de capitais e pouca inovação, empobrecedor. Receita para o atraso. Menos investimentos, menos empregos, salários com viés de baixa. Como historicamente aconteceu nos países que atraem a admiração petista, Cuba, Venezuela, Nicarágua, entre outros, atolados no retrocesso e na exclusão das grandes maiorias das rotas que levam ao crescimento e à prosperidade.

 

A desilusão. O tom de Meirelles mudou. Não só o tom, o conteúdo também. Ele “caiu na real”, A menos de quinze dias do segundo turno, os ouvintes eram membros da conceituada consultoria Eurasia Group, quando Henrique Meirelles, talvez inadvertidamente, confessou que agira com escasso ou nenhum discernimento poucos dias antes.

 

Gato por lebre. Palavras do homem que se gabava, só acreditava em fatos: “A eleição é muito apertada neste momento. As chances de Lula são maiores, mas ainda acredito que o presidente Jair Bolsonaro tem uma chance real de vencer” Meirelles dividiu o período petista, 14 anos, em três governos diferentes, o primeiro, com responsabilidade fiscal, o segundo, com certo afrouxamento fiscal, o terceiro recessivo. E observa: “A grande questão agora é qual Lula tomará posse. Se você pegar seu atual programa de governo, seria uma má notícia”.

 

Retrocesso na economia. Segundo Meirelles, de momento, o mais provável é termos de engolir uma “má notícia”, no caso da vitória de Lula, está vitorioso o terceiro período. O programa econômico anunciado é intervencionista e estatista, desestimularia a iniciativa privada. Rui Falcão já avisou, o programa é o “nosso”. Meirelles julga que o programa foi elaborado com concepções que predominavam no período Dilma Rousseff: “Quem desenvolveu o programa foi um grupo de economistas que acreditam fortemente no papel do Estado e das empresas estatais na promoção do desenvolvimento. Essa visão prevalece neste momento”. Pairava no ambiente um dado talvez promissor, o novo Congresso tem feitio conservador. Pontuou Meirelles: “Minha resposta para saber se ele [o governo]  se tornaria mais conservador por causa dos resultados do Congresso é não".

 

A realidade esbofeteada. Em suma, em seu apoio açodado (pouco refletido, para dizer o mínimo) à volta de Lula, Meireles deu as costas para os fatos, estapeou a realidade, deixou-se embair por patranhas ilusionistas. Sua credulidade não apunhalou apenas ele. Foi além, corroeu no público resistências à agressão não somente estatizante em curso, à vera totalitária, travestida, na tentativa de vencer oposições enormes, de roupagem democrática e pena dos pobres. Resistências hoje mais necessárias que nunca.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

Embuste

 

Embuste

 

Péricles Capanema

 

Ambiguidade, tática generalizada. Até agora, com surpreendente êxito, pelo que se percebe. Políticos e personalidades dos mais variados âmbitos da vida pública (melhor, da vida que se publica) brasileira estão manifestando apoio a Lula no 2º turno, alegando como razão principal ou única o compromisso com a democracia da chapa petista ▬ PT, PCdoB, PV, PSB, PSOL, Rede, Solidariedade, Avante e Agir. Compromisso que autenticamente não pode existir se o PT não renegar princípios e atuação política de décadas num mesmo rumo. Conduta e princípios, reitero. Se renegar, o que sinceramente duvido, ótimo. Estaria aberto o caminho para aceitar o compromisso de não lesar a democracia e respeitar a Constituição. Se não renegar, o compromisso (que até agora de forma inequívoca não houve, haja vista a recorrente afirmação de regulamentar a imprensa), será hipócrita, oco, mero engodo para obter apoios políticos e votos. Outra razão alegada pelos adesistas (kerenskys de 2022), a expectativa de condução responsável da economia, mesmo com atropelos na prática democrática. Haverá tal condução? Análise madura, enraizada na experiência anterior e na história de partidos semelhantes, apontam para destruição dos fundamentos saudáveis da economia, três dos quais, já se vê, inexistirão certamente: âncora fiscal, segurança jurídica, atração de investimentos. Daí, menos emprego, menos renda, salários mais baixos. O que se ouviu até agora da parte de economistas e figuras do setor financeiro foi decepcionante, para dizer o mínimo, aceitação de um cheque em branco. Na prática, a coligação lulista recebe os apoios, mas continua nadando no pântano das ambiguidades. Nenhuma clareza, nenhum compromisso formal.

 

Retrocesso, atraso, obscurantismo. A ausência de limpidez, a fuga célere dos esclarecimentos, a obscuridade empregada como arma política, a persistente e difusa ambiguidade, a manutenção obstinada incerteza quanto aos rumos, a confusão em que potenciais aliados são mantidos, a opacidade cultivada (não transparência) geram profunda suspeição quanto à conduta futura, degradam a vida pública e adensam o ambiente obscurantista, já pesadamente tóxico. São retrocessos na dura caminhada nacional rumo a uma vida pública decente. Esta ambiguidade, contudo, no caso esconde clareza solar, facilmente perceptível para observadores atentos. As razões últimas do procedimento petista são diáfanas: já existem os compromissos e as intenções e eles não serão abandonados. No máximo, se pressionados, serão aplicados com gradualismo ▬ é programa de asfixia progressiva de direitos, possibilidades e liberdades.

 

Embuste e exclusão social. Uma vida pública estaqueada despudoradamente sobre a ambiguidade significará a aceitação permanente do embuste como componente da política brasileira. Levará para a exclusão, afugentará da benéfica participação nos assuntos do bem comum milhões e milhões, dispersos em todas as condições sociais, desgostosos com o ambiente carente de decência, clareza e firmeza. O que, obviamente, dificultará a inclusão social crescente, sempre urgente, proveitosa e necessária dos excluídos da sociedade brasileira. Inibirá avanços civilizatórios.

 

Democracia fake como recurso eleitoral. Para legitimamente afirmar que o PT e Lula representam garantia democrática, já disse e repito por necessário, é indispensável deles exigir previamente a censura às ditaduras liberticidas do mundo inteiro. Não quer a democracia e nem a garante quem apoia Cuba, Venezuela, Nicarágua, Rússia e China. E repetidamente os apresenta como inspiração. Todos viram, os tiranos no mundo inteiro ficaram eufóricos com a vitória de Lula no 1º turno. A euforia das tiranias evidencia rumo incontroverso em possível vitória petista. Exemplo disso constitui a carta jubilosa de Daniel Ortega, o cruel ditador da Nicarágua, que anda encarcerando os bispos católicos que cometem a ousadia suprema de discordar de sua repressão dos anseios populares: “Querido companheiro e irmão Lula: a luta continua e a vitória é certa, estamos com vocês, com Rosângela, Dilma, Gleisi, percorrendo novos caminhos”.

 

Princípios liberticidas. Não basta exigir que reneguem o comportamento. Por obrigação de coerência, imposição da incoercível força da lógica, é preciso ir além e mais fundo. A persistente e reveladora conduta liberticida do PT, que vem desde sua fundação há mais de 40 anos, apoiando por todos os modos, até financeiramente, tiranias mundo afora (antidemocráticas, em outras palavras) está em consonância com seus princípios fundacionais; melhor, decorre deles. Uma coisa é pendor autoritário, outra, pior, é doutrina totalitária. E é totalitária a doutrina fundacional do PT, alma propulsora da organização e de seu modo de agir, nunca renegada, exposta, aliás, de modo aberto, em sua “Carta de Princípios”, datada de 1º de maio de 1979, postada há anos com destaque no site do partido. Proclama ali basear sua concepção de governo na democracia direta ▬ nenhuma palavra de compreensão para a democracia representativa ▬ dirigida pelos trabalhadores [uma das maneiras de afirmar que visa o governo dos sovietes]: “[o PT] afirma, outrossim, que buscará apoderar-se do poder político e implantar o governo dos trabalhadores, baseado nos órgãos de representação criados pelas próprias massas trabalhadoras com vista a uma primordial democracia direta”. Conselho de trabalhadores; soviet em russo é conselho. Não só o PT desperta preocupação. O mais importante aliado do PT na chapa, o PSB, tem programa descarado (meta ambicionada, a ser perseguida paulatinamente) que nega a propriedade privada no campo ▬ estatização total. No futuro, segundo os delírios programáticos do PSB, o agro nacional será composto de grandes fazendas estatais, “kolkhozes”, modelo já aplicado por décadas, para ser claro. O PSB em seu programa reconhece disfarçadamente realidade em geral ocultada: o desastre pavoroso do atual modelo de reforma agrária que empilha fracassos, vai abandoná-lo. O texto traz pequena concessão ao estatismo delirante: para pequenas propriedades, será facultado usufruto para particulares, quando necessário, mantido o domínio estatal. Aqui vai o programa do PSB, postado no site do partido: “Da terra: a socialização progressiva será realizada [...] organizando-se em fazendas nacionais e fazendas cooperativas assistidas. [...] O programa de latifúndio será resolvido por este sistema de grandes explorações, pois sua fragmentação trará obstáculos ao progresso social. [...] Será facultado o parcelamento das terras da nação em pequenas porções de usufruto individual, onde não for viável a exploração coletiva”. Não esclarece se o domínio das fazendas coleitvas será do Estado; é o que seria coerente com a inspiração geral do programa de funda raiz socialista, ódio à propriedade particular. De outro modo, dezenas de milhões de empregados do Estado ou dele dependentes, sujeitos a gigantescas estruturas burocráticas. Receita certa para atraso, retrocesso, tirania, pobreza, roubalheira. E o modelo conselhista de governo (sovietes), ambicionado pelo PT, também, na prática, trouxe, não o mítico governo dos trabalhadores, mas a tirânica direção burocrática partidária do Partido Comunista, que tudo esmagou. Tirania e pobreza para o povo, no meio do desperdício generalizado, roubalheira correndo solta, atrofia e asfixia sociais. É o resultado, já comprovado pelas experiências históricas, da aplicação na prática dos delírios ideológicos do PT e do PSB. De momento, realidade macabra que nos ameaça, de momento pelo emprego amplíssimo do embuste, ainda que com aplicação compassada.