sábado, 24 de dezembro de 2022

Carismas bons e carismas devastadores

 

Carismas bons e carismas devastadores

 

Péricles Capanema

 

As várias acepções de carisma. Carisma, na linguagem teológica, tem significação precisa, é dom sobrenatural concedido a um fiel ou a um grupo de fiéis para o bem comum da comunidade cristã. Dom dado para benefício de outros. Tal conceito ecoa na linguagem informal. Fala-se continuamente em carisma, vocábulo que emite fulgurações, a miúdo brilhantes, por vezes soturnas, impreciso; enfim, à vera, inefável. Não vou tratar aqui do significado teológico do termo, mas de seu uso corrente na vida civil, temporal, de todos os dias.

 

Figuras carismáticas. Estou começando a ler boa biografia, informativa e elucidativa, do general Charles de Gaulle (1890-1970) ▬ Julian Jackson é o autor. Jackson constata, em torno do biografado apareceu logo uma aura de legenda. A auréola que o envolve vai além do que foi e fez. Quase que a legenda vale mais que a realidade, ou talvez valha mais, sei lá. Um de seus ministros, gaullista conhecido, Alain Peyrefitte, qualificou bem o fato enigmático em “boutade” expressiva: “A verdade do general está em sua legenda”. Charles de Gaulle morreu há mais de 50 anos. Hoje, na França, 3.600 localidades têm um espaço dedicado a ele (2º lugar, Louis Pasteur (1822-1895), 3.001; 3º lugar, Victor Hugo (1802-1885), 2.258). Os franceses, recente pesquisa, perguntados sobre qual o personagem mais importante de sua história, assim responderam: De Gaulle (44%), Napoleão (14%). De Gaulle é caso claro de carisma. Sua influência na vida da França e, até do mundo, está ligada a essa característica importante, rara, um tanto misteriosa, com efeitos maravilhosos, com frequência devastadores. O líder carismático assalta as mentes, vez por outra desnorteia, confunde, dificulta a lucidez, galvaniza energias, entusiasma, extasia, tranquiliza, exaspera, instiga, excita, impulsiona, incendeia, amortece. No rumo da lógica e do bom senso, é uma bênção. Na orientação contrária, demole, acarreta desastres, pode ser transformar em maldição apocalíptica. Existem na História pencas de ditadores e demagogos carismáticos.

 

O Rei. Vou dar um cavalo de pau na narrativa. O carisma é multifacético, manifesta-se em vários campos, até em ambientes familiares. Temos agora diante dos olhos fato triste do cotidiano brasileiro. Pelé encontra-se em situação delicada de saúde, já se teme, e para breve, o pior. É hora de recordações, de voltar o olhar para o passado, de orações e solidariedade. Nos sites e notícias da imprensa escrita, ao tratar do fato, sempre aparece de forma elogiosa e simpática o epiteto “o Rei” ou “o Rei do futebol”. Não conheço ninguém no mundo do esporte a quem, com tal naturalidade, aplica-se o cognome de Rei. Todo mundo acha normal, entende-o como expressão da realidade. Não foi apenas tratar bem a bola, existe ainda um carisma pessoal de atração e simpatia

 

O carisma da realeza. Veio-me a pergunta: quem primeiro sentiu ares de realeza, se quisermos, o carisma dessa peculiar realeza em Pelé? Fui pesquisar, trombei logo com resposta satisfatória. Segundo Ruy Castro, que biografou Nelson Rodrigues (O anjo pornográfico), foi o brilhante cronista esportivo (entre outros títulos, também ostenta o de mais importante cronista esportivo do Brasil) quem em primeiro lugar percebeu em Pelé, digamos, o carisma de rei do futebol. Em crônica de 8 março de 1958, intitulada “A realeza de Pelé”, antes portanto da Copa do Mundo da Suécia, Pelé, jovem atacante do Santos, 17 anos, foi assim descrito por Nelson Rodrigues: “Verdadeiro garoto, o meu personagem anda em campo com uma dessas autoridades irresistíveis e fatais. Dir-se-ia um rei. Racialmente perfeito, do seu peito parecem pender mantos invisíveis. Em suma: — ponham-no em qualquer rancho e a sua majestade dinástica há de ofuscar toda a corte em derredor. O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: — a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Na Suécia, ele não tremerá de ninguém. Não se inferiorizará diante de ninguém. E é dessa atitude viril e, mesmo, insolente, que precisamos. Sim, amigos: — aposto minha cabeça como Pelé vai achar todos os nossos adversários uns pernas de pau. Com Pelé no time, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós”.

 

O carisma na guerra. Do futebol, pulo para a guerra. Em 16 de março de 2019 postei artigo intitulado “Ganhava as batalhas com os olhos”. Analisava realidades parecidas com o que vai acima. E trazia esta afirmação desconcertante (e verdadeira) de Napoleão: “’Raramente tirei a espada, porque ganhava as batalhas com os olhos e não com minhas armas’. Era a presença do Corso, e nela o olhar (os olhos), galvanizando as energias dos batalhões que então se lançavam com frequência irresistivelmente ao ataque. Mudou a história da Europa, até do mundo. Em geral para o mal, infelizmente”. Carisma de efeitos devastadores.

 

Rendição sem batalha. Ainda está no escrito de 2019: “Sun Tzu, quatro séculos antes de Cristo, ensinou em ‘A Arte da Guerra’: ‘Os que conseguem que se rendam impotentes os exércitos inimigos sem lutar, são os melhores mestres da arte da guerra. Um verdadeiro mestre das artes marciais vence forças inimigas sem batalha, conquista cidades sem assediá-las. A vitória completa se produz quando o exército não luta, a cidade não é assediada’”. Muitas vezes só pela força do carisma e fama.

 

Aviso aos navegantes. O artigo de 2019 era ainda um primeiro aviso aos navegantes. Advertência para otimistas, sempre de conduta demolidora, quase sempre de ouvidos moucos. Era isso, não acreditem em calmarias, o mar é cheio de surpresas, muitas delas ruins: “As vitórias e derrotas humanas, mais que o dinheiro, os ótimos silogismos e a organização, devem-se a fatores imponderáveis (ou muito dificilmente ponderáveis e explicitáveis). O que são? Impulsos potentíssimos, não raro bafejados pela graça ou pela tentação. Contra eles, quando aviventam o mal, existe reação possível? É difícil, mas o começo está na temperança, cabeça fria e raciocínios claros. Pretendia falar sobre a situação do Brasil. O que estará nos esperando na esquina, já agora maquinado debaixo de nossos narizes? Daqui a quatro anos, o que supor que enfrentaremos?”. Constato, quatro anos depois, no limiar de 2023, o mar está borrascoso, teremos tempestades pela frente. E renovo o que então afirmei como providência primeira: temperança, cabeça fria, raciocínios claros. São antídotos forte contra derrotismo, decepções, desânimos, demagogismos e intimidações. Contra a ação envolvente, dissolvente, enfeitiçadora, com frequência ameaçadora, de carismas devastadores.

 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Voto pelo pirulito

 

Voto pelo pirulito

 

Péricles Capanema

 

O obelisco desencadeou um “brainstorm”. O Estadão publicou enorme foto de argentinos comemorando no Obelisco, ponto central e turístico de Buenos Aires, o tricampeonato mundial de futebol. Mar de gente festejando a conquista, impressionava, mas, desconheço o motivo, meu pensamento foi atraído por recordação antiga. Deixou agradavelmente o presente e deslizou suave para outra ordem de realidade bem diferente, não ignota embora, já me havia despertado a atenção no começo da juventude. E que me intriga desde então. Até hoje não resolvi o enigma, ou, por outra, não encontrei as razões que resolvem de fundo a pergunta. À vera, é raro esgotar reflexões (voltam sempre) nascidas de fatos que chamam muito a atenção. Convite ao leitor, tente resolver o enigma, que abaixo exponho.

 

Fiapos de reflexão. Compartilho aqui reflexões, fiapos, brotam de constatação inesperada e divertida, quando tinha, sei lá, 14 ou 15 anos. Obelisco, todos sabem, é monumento comemorativo, origem no Antigo Egito, em geral de pedra monolítica vertical, base quadrangular, que afunila gradualmente. Em cima se transforma em pequena pirâmide. Obeliskos, palavra grega, significa pilar ou espeto. Temos obeliscos famosos, entre eles o do Vaticano, o de Washington, tratei do obelisco de Buenos Aires, em São Paulo divisamos imponente o obelisco do Ibirapuera. Denominação: obelisco, sempre, palavra de origem erudita, utilizada universalmente.

 

O Pirulito da Praça Sete. Universalmente? Peraí, nem sempre. Em Belo Horizonte não é assim. Ali obelisco é pirulito. Em nenhum outro lugar obelisco é chamado de pirulito. Andava pela Avenida Afonso Pena, 14 ou 15 anos, tomei um susto, quando ouvi a frase: “Vou estar lá, é perto do Pirulito da Praça Sete”. Pulou logo a pergunta interna, entre intrigado, desconcertado e divertido: “Por que pirulito? Por que não obelisco? Todos dizem obelisco. O que tem aqui?”. Não sabia, ainda não sei, agora disponho, porém, de fiapos de resposta, manados deste entretenimento intelectual que, convicção minha, é sério e proveitoso.

 

Dados. Raízes importam; históricas, psicológicas, morais, culturais. Ao fato. O centro de Belo Horizonte é a Praça Sete de Setembro. No centro da Praça Sete de Setembro se ergue um obelisco. Sete metros de granito semelhante a uma agulha sobre base de pedra de 6,57 metros, enfeitado com quatro postes fincados em cada um de seus vértices, dando-lhe assim um ar de monumentalidade. A pedra fundamental foi colocada solenemente em 7 de setembro de 1922, com inauguração em 7 de setembro de 1924. Chuva de setes. Contudo, nenhum mineiro, é nenhum mesmo, referindo-se ao monumento da Praça Sete de Setembro, dirá: “O obelisco da Praça Sete de Setembro”. Todos, sem exceção, é sem exceção mesmo, dirão: “O Pirulito da Praça Sete”. Pelo que sei, o único lugar no mundo em que um obelisco é chamado no cotidiano de pirulito é Belo Horizonte. Obelisco? Soa normal mundo afora. Em Belo Horizonte, para se referir ao mais conhecido monumento da capital, soaria artificial, pedante, pretensioso, empolado, petulante, meio ridículo, rebuscado demais. Por quê? Foi a pergunta de saltou lá atrás de dentro da minha cachola.

 

Pergunta antiga. Vou explicar a respeito um pouquinho mais. Por oito anos, dos 14 aos 22 anos, morei em Belo Horizonte. Vindo do interior, cursei ali o Científico e a Escola de Engenharia. E logo me deparei com o fato curioso, a metáfora viva, o uso coloquial generalizado. Percebi, ali havia o gosto do singelo, o costume de prestar atenção na realidade imediata, levá-la em consideração, certa recusa do postiço, de concepções cerebrinas, do encadernado sem naturalidade, que dificulta a objetividade simples e esclarecedora do olhar despretensioso. A primeira coisa que vem à mente quando olhamos para o monumento da Praça Sete de Setembro é um pirulito, doce comum, caseiro, gostoso, barato, guloseima de criança. Mas vem ao espírito de quem? Em especial daqueles acostumados com a vida singela, com hábitos de vida descomplicada, enraizados no ambiente rural. Naquela metáfora se sentiam palpitantes o olho e a fala do mineiro do interior. Raízes importam, repito, merecem cultivo e nutrição. Dali nascem a boa diversidade e as diferenças saudáveis. Raízes pecas ou até mortas levam a toda forma de desastres. Por isso, tem meu voto enfático o uso habitual de pirulito para, em Belo Horizonte, designar obelisco; vejo como manifestação inesperada, inteligente e simpática da vivacidade das raízes culturais do homem do interior, que constituía (talvez ainda constitua) a maioria dos belo-horizontinos. Sei bem, o que veio antes não esgota o assunto, é simples talisca de pensamento, contudo, com base nele, permito-me a esperança de que sirva para reflexões distendidas e proveitosas (complementações) de algum leitor sobre a mesma matéria ou fato parecido. Já me daria por bem pago.

domingo, 11 de dezembro de 2022

Tranquilidade mentirosa

 

Tranquilidade mentirosa

 

Péricles Capanema

 

Aflição auspiciosa. No Brasil inteiro, setores expressivos estão agoniados. Manifestam-se, às vezes de forma crescente, temerosos, irrequietos, angustiados. Temem padecer na frente anos de chumbo. De outro modo, sentem o ar pesado, tóxico, quem sabe letal, prenunciativo de desastres. Têm razão, devem ser apreciados, afinal, são sentimentos, via de regra, nutridos por amor patriótico. no título me refiro à tranquilidade, mas, à vera, trato de outro fenômeno, da ilusória e artificial tranquilidade que estadeiam jornalistas, políticos, homens de negócio. “’No pasa nada’, vai melhorar, pensamento positivo, energias boas”. Enfim, se não é fenômeno de opinião pública, certamente parte influente da opinião que se publica difunde ▬ artificial e ilusória. Enganadora.

 

Crueldade com os pobres, insensibilidade com a dor dos mais vulneráveis. Contudo, mesmo na fatia dos que se diziam esperançados, pipocam exceções, cada vez mais loquazes, gente antes às vezes vítima de mistificações, entorpecida, embalada por promessas falaciosas, agora rijamente esbofeteada pela realidade ameaçadora. Surpreendida, deplora o que vê; aqui também há uma pitada auspiciosa. Muitos dos que apoiaram políticas de apaziguamento e entrega com a Alemanha nazista, reconsiderando a situação, tornaram-se sinceramente peças ativas e valiosas no esforço de guerra inglês, sob a batuta de Winston Churchill. Um sintoma entre muitos, para mim expressivo. Elena Landau, responsável pelo programa econômico de Simone Tebet, havia declarado: “Meu voto é contra a reeleição de Bolsonaro. É preciso dar um freio a Bolsonaro”. Escreveu no dia 9 de dezembro, pouco mais de um mês após o 2º turno: “O PAC está de volta. Uma conta de R$200 bilhões estava fora de qualquer cenário. ‘Gasto é vida’ está de volta. O orçamento secreto continua. E não se fala em cortes. Toda essa desorganização das contas públicas vem sendo defendida em nome da população carente. Frustrante ver que nada se aprendeu com o passado. Os mais pobres serão os primeiros a sofrer as consequências inevitáveis da irresponsabilidade fiscal”.

 

Índole perversa. O programa socialista (está no seu DNA), os retrocessos históricos em série servem de constatação macabra, é apocalíptica empresa de atrofia social (e pessoal). Décadas afora, a doutrina, enraizada na mitomania igualitária, põe a nu a índole perversa, geradora de pobreza, exclusão e tirania. É o que ameaça agora todo o Brasil, de forma especial os setores mais vulneráveis; por isso, é tão viva e inconformada a reação. O martírio popular sucedeu em Cuba, aconteceu na Correia do Norte, o mesmo na Venezuela, está infelicitando a Argentina, está sujeitando a Nicarágua. Foi o dia a dia medonho atrás da antiga Cortina de Ferro, que encarcerava os infelizes e ocultava o horror. Cresceu em todos esses países a mancha social da pobreza, até da mais extrema, pintalgada por pontos odientos, ocupados pelos privilegiados (aproveitadores aos montes) do regime ▬ aparatchiks, Nomenklatura, membros e associados do governo e do partido dominante, que oprimiam (e oprimem) vastas e desassistidas maiorias. Beneficiaram-se (e se beneficiam) de clínicas especiais, compram nos bodegones, frequentam lojas onde só se entra com autorização estatal e vai por aí afora na mesma toada.

 

Crescente mancha social da pobreza. Tendo como pano de fundo desilusão de muita gente, que certamente tenderá a crescer, urge estimular a expansão de correntes de opinião amplas, orientadas à defesa dos princípios básicos da ordem temporal cristã, lúcidas, ativas, judiciosamente legalistas e pacientes, agindo em especial nas camadas letradas de qualquer condição social. Por que enfatizo camadas letradas? Pareceria deixar de lado o povo mais simples, renda baixa e letras escassas. De modo algum, apenas constato desconsolado, é difícil, é raro, que se manifeste com o dinamismo reclamado pela gravidade da situação. É compreensível, tem bom senso enraizado, mas em vista da situação global, dispõe de insuficientes instrumentos de análise. Preocupa-se em geral de maneira por vezes até obsessiva (quanta razão lhe dou) com alimentação, educação dos filhos, moradia, emprego, necessários auxílios estatais. Sobra pouco ou nenhum espaço mental para considerações relativas ao bem comum. Certa vez, enorme talento de escritor multifacético, Nelson Rodrigues escreveu: “A fome é mansa e casta. Quem não come, não ama, nem odeia”.

 

Rumo. Na verdade, repiso, só há uma esperança tangível, sólida, com a qual se poderia contar autenticamente: é o crescimento do movimento acima mencionado. Sei, tema vastíssimo, mas de seu conhecimento e encaminhamento inteligente depende nosso futuro como pessoas livres (com crescente autonomia) e nação cristã. Aqui apenas é possível sugerir linhas gerais de ação. Cabe a cada um, em seu ambiente, aprofundá-lo, refletir, informar-se, tomar posição, agir.

 

Inclusão paulatina e crescente. Uma consideração final. O regime em que se respeita a propriedade privada e estimula a livre iniciativa, com todos os defeitos inerentes às coisas humanas, historicamente tem mostrado resultado de sentido inverso à exclusão social criada invariavelmente pelos regimes com forte inspiração socialista. Promove de forma gradual gigantesca inclusão social, diminui vulnerabilidades, fortalece autonomia, dinamiza e amplia oportunidades. São avanços civilizatórios. O coletivismo estatal, empurrão decidido em sentido contrário, por sua vez, também mostra frutos inafastáveis: atrofia personalidades, sufoca oportunidades, asfixia iniciativas, abafa inovações. Retrocede no rumo da apatia.

 

Inconformidade com potencial restaurador. Repito, a tranquilidade é artificial e ilusória, fruto de miasma apaziguador, inalado na opinião que se publica. Tudo pode ser salvo se a melhor parte da opinião nacional, recusando diretrizes desorientadoras, evitando precipitações, fugindo de soluções que arranham o império da lei, com viço e fortaleza, manter abertos os olhos e claros os objetivos. Em linhas muito gerais, são os de sempre, sintetizados na expressão ordem temporal cristã.

sábado, 3 de dezembro de 2022

Lembranças revigorantes

 

Lembranças revigorantes

 

Péricles Capanema

 

Regulamentação da imprensa. Em janeiro de 1967, patrocinado pelo governo, debatia-se no Congresso Nacional projeto de nova Lei de Imprensa. Nada novo, hoje a todo momento o PT fala em regulamentar a imprensa ▬ sem rebuços, a mordaça na liberdade de expressão, asfixia que é o ambiente habitual Cuba, Nicarágua e Venezuela, objeto de admiração das hostes petistas.

 

Cinquenta e cinco anos atrás. O professor Plinio Corrêa de Oliveira, presidente do Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), encaminhou em 13 de janeiro de 1967 ao chefe de Estado, marechal Castelo Branco, carta em que exprimia reservas graves sobre o mencionado projeto (lesava a liberdade de expressão, atrofiava liberdades legítimas, representava retrocesso civilizatório em alguns de seus dispositivos). Solicitava assim, “substanciosas modificações” para que, depois de aprovado, “proporcionasse aos órgãos de difusão escrita e falada a liberdade necessária para sua atuação”.

 

Cortesia que evaporou (substituída pela grosseria). Tendo pela carta tomado ciência da posição ad TFP, em 25 de janeiro do mesmo mês, o Chefe de Estado, em visita a São Paulo por ocasião do aniversário da cidade, 25 de janeiro, solicitou a presença do Conselho Nacional da Sociedade no Palácio dos Campos Elísios. Ali manifestou a satisfação de a ter recebido, “fidalga e amável”, acrescentando que a entregara pessoalmente ao ministro da Justiça, recomendando que atendesse as ponderações da missiva. Acrescentou, com isso esperava que a nova lei de imprensa não melindraria “suscetibilidades de tão prestigiosa entidade como a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade e dos bons brasileiros em geral".

 

Esclarecendo conceitos e situações diferentes. Na ocasião, esclareceu o professor Plínio Corrêa de Oliveira a posição da TFP, distinguindo-a do vozerio esquerdista contra o projeto da nova lei de imprensa: “Que os progressistas, socialistas ou comunistas peçam a mitigação do projeto de Lei de Imprensa nada tira à notória veracidade do que acabamos de asseverar, e deve ser explicado pelo afã dessa solerte e astuta minoria de capitalizar em benefício próprio o descontentamento que a propositura vem ocasionando.

 

2023. O próximo ano assistirá, tudo o indica, por parte do bloco governante, a tentativas crescentes de amordaçar a liberdade de expressão [e ainda vários outros tipos de naturais e legítimas liberdades], com esteio em nova legislação, ou com base nos diplomas em vigor, o que a coligação da “Unidad Popular” que governou o Chile no começo dos anos 70 gostava de intitular como “resquícios legales”. Salvador Allende perseguiu a imprensa com base neles, desapropriou com base neles, expropriou com base neles, é o que farão, nada autoriza imaginar o contrário, seus epígonos brasileiros. Que Deus nos proteja de seus intentos.