Voto pelo pirulito
Péricles Capanema
O obelisco desencadeou um “brainstorm”. O Estadão publicou enorme foto de argentinos
comemorando no Obelisco, ponto central e turístico de Buenos Aires, o
tricampeonato mundial de futebol. Mar de gente festejando a conquista, impressionava,
mas, desconheço o motivo, meu pensamento foi atraído por recordação antiga. Deixou
agradavelmente o presente e deslizou suave para outra ordem de realidade bem
diferente, não ignota embora, já me havia despertado a atenção no começo da juventude.
E que me intriga desde então. Até hoje não resolvi o enigma, ou, por outra, não
encontrei as razões que resolvem de fundo a pergunta. À vera, é raro esgotar
reflexões (voltam sempre) nascidas de fatos que chamam muito a atenção. Convite
ao leitor, tente resolver o enigma, que abaixo exponho.
Fiapos de reflexão. Compartilho aqui reflexões, fiapos, brotam
de constatação inesperada e divertida, quando tinha, sei lá, 14 ou 15 anos. Obelisco,
todos sabem, é monumento comemorativo, origem no Antigo Egito, em geral de
pedra monolítica vertical, base quadrangular, que afunila gradualmente. Em cima
se transforma em pequena pirâmide. Obeliskos, palavra grega, significa
pilar ou espeto. Temos obeliscos famosos, entre eles o do Vaticano, o de
Washington, tratei do obelisco de Buenos Aires, em São Paulo divisamos imponente
o obelisco do Ibirapuera. Denominação: obelisco, sempre, palavra de origem erudita,
utilizada universalmente.
O Pirulito da Praça Sete. Universalmente? Peraí, nem sempre. Em Belo
Horizonte não é assim. Ali obelisco é pirulito. Em nenhum outro lugar obelisco
é chamado de pirulito. Andava pela Avenida Afonso Pena, 14 ou 15 anos, tomei um
susto, quando ouvi a frase: “Vou estar lá, é perto do Pirulito da Praça Sete”.
Pulou logo a pergunta interna, entre intrigado, desconcertado e divertido: “Por
que pirulito? Por que não obelisco? Todos dizem obelisco. O que tem aqui?”. Não
sabia, ainda não sei, agora disponho, porém, de fiapos de resposta, manados deste
entretenimento intelectual que, convicção minha, é sério e proveitoso.
Dados. Raízes importam; históricas, psicológicas, morais, culturais. Ao fato.
O centro de Belo Horizonte é a Praça Sete de Setembro. No centro da Praça Sete
de Setembro se ergue um obelisco. Sete metros de granito semelhante a uma
agulha sobre base de pedra de 6,57 metros, enfeitado com quatro postes fincados
em cada um de seus vértices, dando-lhe assim um ar de monumentalidade. A pedra
fundamental foi colocada solenemente em 7 de setembro de 1922, com inauguração
em 7 de setembro de 1924. Chuva de setes. Contudo, nenhum mineiro, é nenhum
mesmo, referindo-se ao monumento da Praça Sete de Setembro, dirá: “O obelisco
da Praça Sete de Setembro”. Todos, sem exceção, é sem exceção mesmo, dirão: “O
Pirulito da Praça Sete”. Pelo que sei, o único lugar no mundo em que um
obelisco é chamado no cotidiano de pirulito é Belo Horizonte. Obelisco? Soa
normal mundo afora. Em Belo Horizonte, para se referir ao mais conhecido monumento
da capital, soaria artificial, pedante, pretensioso, empolado, petulante, meio
ridículo, rebuscado demais. Por quê? Foi a pergunta de saltou lá atrás de
dentro da minha cachola.
Pergunta antiga. Vou explicar a respeito um pouquinho mais. Por
oito anos, dos 14 aos 22 anos, morei em Belo Horizonte. Vindo do interior, cursei
ali o Científico e a Escola de Engenharia. E logo me deparei com o fato
curioso, a metáfora viva, o uso coloquial generalizado. Percebi, ali havia o
gosto do singelo, o costume de prestar atenção na realidade imediata, levá-la em
consideração, certa recusa do postiço, de concepções cerebrinas, do encadernado
sem naturalidade, que dificulta a objetividade simples e esclarecedora do olhar
despretensioso. A primeira coisa que vem à mente quando olhamos para o
monumento da Praça Sete de Setembro é um pirulito, doce comum, caseiro, gostoso,
barato, guloseima de criança. Mas vem ao espírito de quem? Em especial daqueles
acostumados com a vida singela, com hábitos de vida descomplicada, enraizados
no ambiente rural. Naquela metáfora se sentiam palpitantes o olho e a fala do
mineiro do interior. Raízes importam, repito, merecem cultivo e nutrição. Dali
nascem a boa diversidade e as diferenças saudáveis. Raízes pecas ou até mortas levam
a toda forma de desastres. Por isso, tem meu voto enfático o uso habitual de
pirulito para, em Belo Horizonte, designar obelisco; vejo como manifestação inesperada,
inteligente e simpática da vivacidade das raízes culturais do homem do
interior, que constituía (talvez ainda constitua) a maioria dos
belo-horizontinos. Sei bem, o que veio antes não esgota o assunto, é simples
talisca de pensamento, contudo, com base nele, permito-me a esperança de que
sirva para reflexões distendidas e proveitosas (complementações) de algum
leitor sobre a mesma matéria ou fato parecido. Já me daria por bem pago.
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