terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Desligaram o botão do pânico

Desligaram o botão do pânico

Péricles Capanema

Desde 2013 em Vitória, capital capixaba, as mulheres ameaçadas por ex-maridos, namorados ou companheiros dispõem de eficaz defesa, o botão do pânico, pequeno, cabe na bolsa. Com a aproximação do potencial agressor, elas apertam o botão. Um alarma soa na sala de monitoramento da Guarda Municipal. Ali, o computador indica onde está a vítima e a viatura mais próxima. Os guardas recebem no celular a foto do ofensor. E acodem logo. Mais de vinte homens já foram presos. Numerosas consortes, antes agoniadas, com o novo recurso, experimentam enorme sensação de segurança e tranquilidade. Constatação da juíza Hermínia Azoury: “As mulheres clamam pela medida protetiva. Elas pedem: ‘Doutora, nós precisamos muito do botão do pânico’”. A providência tem o patrocínio do Judiciário e a colaboração da Prefeitura. Em São Paulo, o prefeito João Dória pensa aplicá-la. Tende a se generalizar Brasil afora.

Viro a página. Diante de notícias recentes, tive a estranha sensação de que o Brasil está tentado a desligar o botão do pânico. Eu também acho, precisamos muito do botão do pânico, e não apenas para proteger as mulheres contra a violência. A razão é simples: o botão do pânico ligado indica vitalidade. Em qualquer campo.

O DataFolha publicou a última pesquisa para a eleição de 2018. Segundo turno: Lula 38%, Aécio 34%. Outra possibilidade: Lula 38%, Alckmin 34%. Terceiro cenário: Lula 37%, Serra 35%. Quarta hipótese: Marina 43%, Lula 34%. Marina com os três presidenciáveis tucanos: Marina 47%, Serra, 27%; Marina 48%, Alckmin 25%; Marina 47%, Aécio 25%. Lula continua o mais rejeitado entre os candidatos à Presidência (44% não vota nele de jeito nenhum).

Para o primeiro turno, o ex-presidente ampliou sua vantagem em relação à pesquisa de julho passado. Com Aécio candidato, Lula tem 25%, Marina, 15% e o tucano 11%. Em julho, Lula, 22%, Marina, 17%, Aécio, 14%. A seguir, Bolsonaro, 9%, Ciro, 5%, Caiado, 2%. Lula ganhou pontos em todos os segmentos. Destaco, entre os mais escolarizados, 13% em julho, agora, 17%. Tem 30% de intenção de votos entre os mais pobres; 34% entre os menos escolarizados e 41% no Nordeste.

Surge um novo eleitor: o partidário  de Sérgio Moro. 50% dos que escolheriam o juiz, não votariam nem em tucanos, nem no petista. Sem Moro no páreo, iriam para o voto nulo ou branco.

Sei, eleição distante, fins de 2018. O quadro pode mudar muito. A mais, os institutos de opinião pública estão com a credibilidade lá embaixo. Outro ponto, na pesquisa espontânea, Lula aparece com 9%, Bolsonaro, 3%, Aécio, 2, Marina, 1%, Moro, 1%. A maioria, 62%, não cita ninguém, indicando público desinteressado e desinformado. Há pouco os pleitos municipais evidenciaram enorme desgaste petista. Somando e subtraindo, raízes fracas, um eleitor, como a biruta, sujeito a todo tipo de ventos.

Foi inominável o que o brasileiro sofreu com o desastre petista. Lembro algumas das chicotadas, queda do padrão de vida, desemprego galopante, falta de investimento e de perspectivas. Ao lado, corrupção em quase todos os espaços da administração pública, promovida como meio de enriquecimento pessoal, mas também como método de projeto de poder e de implantação de políticas estatizantes. Com a longa e geral degradação, o Brasil que presta se sentiu enxovalhado.

Num primeiro momento, veio o atordoamento e o choque com a enxurrada suja das revelações. Com a sensação do perigo iminente, muita gente apertou o botão do pânico. Depois presenciamos o esgotamento paulatino se aprofundando, a acomodação se espraiando, a impaciência se transmutando em desagrado. Moral da história, inchou a insensibilidade diante do horror passado.


Já não se ouve em muitos lugares a estridência do alarme. O botão do pânico parece desligado. Por quê? A lógica nos empurra à conclusão: continuaram atuantes traços atávicos do temperamento público como a superficialidade, o imediatismo, a impressionabilidade doentia, a falta do hábito de decidir estaqueado em princípios. Já foram motivos de tragédias; agora formam solo para desastres futuros. É todo mundo? Claro que não. Mas constituem multidões. Faz falta em tantos campos a reatividade das mulheres ameaçadas de Vitória: “Doutora, nós precisamos muito do botão do pânico”. É meu slogan para 2017.

domingo, 4 de dezembro de 2016

Cientificamente viciados

Cientificamente viciados

Péricles Capanema

Isso é para você, sua família, seus amigos. Observe num ônibus, num trem: boa parte das pessoas está desinteressada da paisagem e dos próximos. Examinam seus celulares. Assiste a uma aula e até a uma conferência; parcela expressiva não olha para o professor ou palestrante, tem as retinas fixas nos respectivos celulares. Está num restaurante, presta atenção nos vizinhos. Porcentagem alta não está conversando. Desinteressada dos convivas, entretém-se com os celulares.

Fenômeno natural? Os assuntos ventilados nas redes sociais são muito interessantes? Tristan Harris tem muito a dizer. Quem é ele? Gente do ramo. Grande especialista, morador do Vale do Silício na Califórnia, fundador de start-up que vendeu para o Google, antigo funcionário dessa empresa e da Apple. Agora, diante da gravidade de sintomas que observou alarmado, resolveu alertar o público a respeito de problemas de utilização útil do tempo causados pela generalização das redes sociais. Segundo ele, bilhões, com grave prejuízo pessoal, sem se dar conta, estão perdendo muito tempo nas redes sociais. Fenômeno universal, a vagabundagem cultivada repercute fundo na psicologia, equilíbrio mental, bem-estar, comportamento, vida profissional e familiar. Todo mundo sabe, quem perde tempo, esperdiça a vida.

Para confrontar a questão, Tristan Harris fundou a Time Well Spent (Tempo Bem Gasto), organização não-governamental sem fins lucrativos, hoje já muito atuante nos Estados Unidos (a respeito a revista Veja traz ampla reportagem na edição de 7 de dezembro; a maioria dos dados do presente artigo está lá).

Afirma Harris, os produtos das empresas que operam as redes sociais são concebidos primordialmente para sequestrar o tempo dos usuários. Garante com conhecimento de causa: “O sucesso desses produtos é medido pela quantidade de tempo que eles capturam dos usuários. Milhares de engenheiros e designers desenvolvem tecnologias capazes de persuadir indivíduos a não largar delas. Nós, os designers e os programadores que criamos os algoritmos comparamos esse vício à operação de um caça-níqueis”.

Constata o especialista: “A maioria dos seres humanos crê, ingenuamente, que tem controle total sobre tudo”. Para ele, é o contrário: “Quase sempre, a tecnologia nos influencia e nos conduz. Do outro lado da tela, na sede do Google ou da Apple, há profissionais como designers e engenheiros – eu fui um deles – trabalhando para que seus clientes não parem de usar seus produtos”. Criam sensações enganosas: “Essa tropa desenha tudo, de forma a transmitir a falsa sensação aos usuários de que eles estão no controle. Não estão. Bilhões de dólares são investidos para que uma pessoa, ao se conectar a uma rede social, não consiga parar de mover a barra de rolagem para baixo. Não é maldade, nem magia, só parte do negócio. As empresas têm como objetivo capturar nosso tempo, e por meio dele ganhar dinheiro”. Coloca atenuantes: “Isso não quer dizer que os fundadores e os funcionários dos gigantes da tecnologia sejam do mal. Sou um deles e vivo entre eles, meus amigos”.

Vai adiante na cruzada contra o que chama de sequestro da atenção: “É possível persuadir a mente com uma série de técnicas”. Discorre então sobre algumas delas, com base na curiosidade inata aos homens e nas recompensas, até mesmo psicológicas. “É um círculo vicioso, criado pelos engenheiros e designers que desenvolveram a plataforma. Sair dele é tarefa árdua, pois teríamos de batalhar contra instintos enraizados na mente. Não à toa, em universidades de ponta como Stanford, onde estudei, pesquisamos como se dá o funcionamento da mente para fabricar máquinas aptas a controlá-la. Temos conhecimento da biologia humana e, com essa base, a influenciamos. Não é por acaso que os melhores designers de empresas como Apple e Google contam com salários milionários”.

Tristan Harris não chega a comparar o viciado em redes sociais com o dependente de cocaína. Vê nelas, de fato, e até fundadamente, aspectos positivos relevantes. Mas aceita a comparação com a indústria dos alimentos de trinta anos atrás, que induzia patologicamente ao consumo excessivo do açúcar. “Até os anos 90, consumidores, em sua maioria, não viam problema em se entupir de junk food. Quanto mais comiam, mais queriam, acabavam viciados em açúcar. Este tipo de dieta destrói o organismo. Tem que ser uma mudança como a que ocorreu com o mercado alimentício. É urgente que as pessoas compreendam quanto é prejudicial a dependência de redes sociais e aplicativos. Tomam o tempo que poderia ser dedicado à produção profissional ou ao convívio familiar”.


Como conclusão, destaco os dois pontos da exemplificação. O primeiro, a produção profissional. As redes sociais prejudicam o estudo sério, necessário para o exercício proficiente de grande número de profissões. Lembro uma só delas, a medicina. É grave consequência contrária não só à vítima, mas também ao bem comum. Convívio familiar, o segundo. As redes sociais, inibindo o contato de familiares, dificultam entre outros pontos o enraizamento do afeto, indispensável para o aperfeiçoamento humano na infância e à segurança na velhice. A mais, minguam a conversa, essencial na socialização familiar. No mais amplo sentido, é todo o futuro em cheque. Conhecer bem o tema é o primeiro passo da solução.