terça-feira, 19 de dezembro de 2017

A voz que clama no deserto

A voz que clama no deserto

Péricles Capanema

Sempre me chamou a atenção a resposta de são João Batista aos enviados dos fariseus. À pergunta: “Que dizes de ti mesmo? Quem és, pois, para que possamos dar resposta aos que nos enviaram?”, ele evitou começar pelo mais natural: “Sou o filho de Zacarias”. Zacarias, sacerdote conhecido em Jerusalém, pertencia à elite sacerdotal. Era boa abertura. Ele pôs de lado a estrada fácil e começou pelo enunciado da missão: “Eu sou a voz que clama no deserto”.

Sei, é conhecido, o Evangelista quis enfatizar a ligação do homem com profecias bíblicas, em especial Isaias: “Voz que clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai na solidão as veredas do nosso Deus.” João se apresentava tão-somente como o Precursor do Messias, anunciado por Isaias.

Mas eu tenho aqui outro intento, passar ao lado de fatos já bem analisados e, por uma vez, desviar a atenção para aspectos pouco destacados. Quem tem alguma coisa a anunciar vai para praças com multidões, miolos de cidades, encruzilhadas muito percorridas. Não se esconde em um deserto, onde quase ninguém mora, ainda que não distante do rio Jordão, pois são João nele batizava. Clamar ali? À primeira vista, pouca gente iria ouvi-lo, fracasso certo. Não aconteceu.

Ficou conhecido, arrebanhou gente, teve seguidores, virou pregador célebre naquele meio. Pelo menos dois de seus discípulos seguiram a Cristo. Um foi o apóstolo santo André, irmão de são Pedro. Foi atrás do irmão e o levou a Nosso Senhor. E ali mesmo foi proclamado futuro Papa: “Tu és Simão, filho de João, serás chamado Cefas (que quer dizer pedra)”. Por meio de são João, o futuro primeiro Papa foi encontrado. Com tudo o que daí decorreu.

Para muitos de seus contemporâneos teve fracassos, até o último, definitivo: perdeu a cabeça ▬ literalmente e não metaforicamente, manteve-a fria ▬, por causa de uma adúltera. Assim é a história. Alimentando-se de mel silvestre, vestido com pele de carneiro, asceta, voz poderosa, o filho de santa Isabel devia chamar muito a atenção. Até Herodes, tetrarca da Galileia, rei sibarita, gostava de ouvi-lo. E levava séquito. Nele estava, para presenciar o espetáculo, Herodíades, mulher do irmão Felipe, com quem Herodes passara a viver pública e escandalosamente.

João não se calou: “Não te é lícito ter a mulher de teu irmão”. Desvairada pelas contínuas chibatadas morais, a mulher logrou que o amante mandasse prender são João. Mas não conseguia a morte. Era demais. Herodes, fraco e devasso, tinha traços retos. “Herodes temia João, sabendo que era varão justo e santo; e defendia-o, e pelo seu conselho fazia muitas coisas, e ouvia-o de boa vontade”.

Situação de desfecho indeciso, mas raras vezes os fracos de vontade se opõem vitoriosamente aos ruins de vontade forte. Houve a festança do aniversário do déspota, patuscada com bebedeira, música e danças. O número de dança de Salomé, filha de Herodíades, fascinou o tetrarca que, no meio dos vapores etílicos, disse à moça: “Pede-me o que quiseres e eu to darei e juro-lhe: tudo o que me pedires te darei, ainda que seja a metade de meu reino”. A dançarina buscou conselho com a mãe e o obteve imediato: “A cabeça de João Batista”. Herodes entristeceu-se, o pedido estava fora da conta. Mas mesmo assim mandou assassinar João Batista e a cabeça em bandeja foi oferecida a Salomé.

João Batista era primo de Nosso Senhor, que o glorificou: “Que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? Mas, que fostes ver? Um homem vestido de roupas finas? Mas os que vestem roupas finas vivem nos palácios dos reis. Então, que fostes ver? Um profeta? Eu vos afirmo que sim, e ainda mais do que profeta. Na verdade vos digo que, entre os nascidos de mulher, não apareceu nenhum maior do que João, o Batista.”

Nunca encenou. A vida de são João evidencia o vazio atroz das representações, mesmo as supostamente virtuosas. Ele tinha um grande fato diante de si: o Messias estava entre eles. O povo, para recebê-lo bem, precisava antes de tudo de boas disposições. E são João  Batista ia direto aos pontos fundamentais, cuja falta impediria todo o resto. Pregava a mudança de vida e a penitência. Tenham vida direita, arrependam-se dos pecados, façam penitência.

Clamava no deserto, possivelmente pouco ouvido. Pregava verdades de restauração austera, onde era difícil até a vida animal. Por que procurar os centros das cidades? Não era ali o seu meio. Nada prometia como retorno imediato. E para tal não buscava o apoio dos homens nem das realidades humanas. Por que lembrar que era de família conhecida em Jerusalém? Por que cocorar Herodes, o rei? Tinha um caminho reto e era por ali que andaria. O Natal está cheio de lições assim. Uma delas, nascer o Salvador numa gruta, e ser abrigado numa manjedoura, utilizada pela criação.


Quanto tudo parecer perdido, se o dever indicar, mesmo sem apoios, é preciso continuar a clamar no deserto. Vai dar certo, deu certo com são João. A régua da vida sobrenatural é diferente da que mede as realidades naturais.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

A autenticidade contra a mistificação

A autenticidade contra a mistificação

Péricles Capanema

A última Veja, 20 de dezembro, nas Páginas Amarelas traz entrevista de Fernando Segóvia, novo diretor-geral da Polícia Federal, dos mais delicados e importantes cargos na estrutura do poder brasileiro, especialmente em tempos de Lava Jato e operações assemelhadas.

Relata o dr. Segóvia que, antes da nomeação, foi chamado ao gabinete do Presidente, encontro longo, duas horas e meia. Conversa vai, conversa vem, Michel Temer discretamente ia sondando.

Pergunta da Veja: “O presidente Michel Temer lhe fez alguma recomendação”?

Resposta do dr. Segóvia: “A única coisa que ele falou foi sobre a necessidade de uma política republicana.”

Santo Deus! Uma política republicana também na Polícia Federal. De passagem, este clichê não morre. Já Gilberto Amado relata que em 1913 havia insinuado a Pinheiro Machado um nome para o Supremo e o caudilho recusara sob a alegação de que não era bom republicano. “Vosmecê não conhece este sujeito, mau republicano, seria mau juiz”. Estamos já entrando em 2018 e a cantilena continua viva. Viva, não, vivíssima. Com um porém. Só em meios oficiais e na imprensa. Notei em artigo anterior ▬ Negócios nada republicanos ▬ sobre o mesmo tema: “Fui ao Google e coloquei nada republicano, nada republicanos, nada republicana, nada republicanas. Milhares de entradas. Contudo, nunca ouvi ninguém em meus círculos empregar a expressão. Sintoma de que é muito utilizada na opinião que publica, pouco ou nunca na opinião pública.” Quando você que agora me lê alguma vez ouviu em seus ambientes um outro dizer, tal pessoa tem conduta republicana? Ou que não segue a ética republicana? Nunca, né? De outro jeito, o povo jamais a utiliza e é simples a razão, não tem pé nem cabeça.

Stalin, assassino, psicopata, tirano monstruoso, considerava altamente elogioso dizer que agia como um comunista. Pior que agia, seguia na trilha de Lênin. Está na substância da conduta comunista a intolerância, o assassinato, a ditadura, a perseguição aos ricos e o empobrecimento cruel dos pobres. Bom é o que o Partido faz; mal, o que fazem seus adversários. Aqui no Brasil tivemos reflexos disso nas administrações petistas.

Com o prontuário da República brasileira (já falei sobre isso no tal artigo), dá calafrios essa repetição mistificadora. Republicanismo, ética republicana, conduta republicana, sei lá mais o quê. Slogans vazios. Aliás, no caso, vazio já é exagerado. São slogans despropositados, de conteúdo sujo, basta ver o histórico nosso. E já desde o início. Logo após o golpe de 15 de novembro, os encarapitados no poder inauguraram a prática do mensalão. Ofereceram a dom Pedro II, que fora escorraçado para a Europa e partia pobre, um bom dinheiro. Resposta do monarca, que recusou a oferta: “Com que autoridade estes senhores dispõem do dinheiro público?”.

Esta utilização abusiva é mais um exemplo de novilíngua (temos hoje milhares deles). Como sabemos, o termo foi cunhado por George Orwell no romance 1984, para designar a atmosfera de hiperautoritarismo que via como ameaça próxima para a humanidade. O significado normal da palavra nada tinha a ver com o que determinava o Partido e acreditavam os cidadãos. Um exemplo, pretobranco. Quando aplicada a um adversário, faz afirmar que negro é branco, apesar da realidade evidente. Quando utilizada para qualificar um membro do Partido, mostra a lealdade ao garantir que preto é branco (caso seja exigência do Partido). Significa ainda estar certo, preto é branco, saber que preto é branco e permanecer convicto que jamais foi o oposto. Com isso, o Partido limitava as possibilidades do raciocínio e eliminava a autonomia. Sempre é grave a manipulação da linguagem, vulnera até o caráter.

Uma das formas de sanear a vida pública brasileira, grande avanço, seria o cultivo do gosto do autêntico, do real, da expressão ‘decidora’ e exata, aliado à fuga do preconceito (o preconceito besta de que, sem exame, a república moderna é forma superior de governo), da discriminação e do unilateralismo. Continuamos aqui e em vários outros pontos, chapinando no brejo do retrocesso e do anacronismo.

Lembro o óbvio ululante. O português está lotado de palavras que dizem o mesmo que se quer significar com o despautério da conduta republicana e expressões de raiz idêntica. Bastaria empregá-las. Algumas delas, administração honesta, decente, proba, íntegra, limpa, obediente às leis.  Seria normal, por exemplo, o Presidente afirmar ao delegado federal que na conduta do importante órgão fazia questão da isenção, do respeito às leis. E também era ponto destacado, fugir como o diabo da Cruz dos nossos hábitos republicanos. Aí seria tranquilizador.

Continua a resposta do dr. Segóvia ao questionário da Veja: “Eu respondi: Lógico, Presidente. A PF tem de seguir a Constituição, as leis do País. Pode estar certo de que, se eu for escolhido, vou fazer da Polícia Federal uma polícia republicana”.

A Veja então atacou: “A PF, então não é republicana?” Acalmaria uma resposta assim: “Ainda é um tanto republicana, mas vou trabalhar duro para fugirmos desse pântano. Terra seca e firme, nosso objetivo”.

O dr. Segóvia caminhou atoleiro adentro: “A Polícia Federal é republicana, mas tem alguns problemas. A gente vê, de vez em quando, desvios de conduta e ações com certo viés político”.

Por essas e outras, continua atual a observação de Ulisses Guimarães. Nos anos 80, quando alguém chiava a respeito do baixo nível do Congresso, o experiente político costumava responder: “Espere o próximo”. Seria uma quasi lex, praticamente uma lei da representação popular no Brasil para valer nos tempos da República: o próximo Congresso é sempre pior ao atual. Temerosos, esperemos o que nos reservam as urnas de outubro de 2018.


O início da sabedoria é o temor de Deus, ensina o Livro dos Provérbios. Na ordem temporal, no início da sabedoria está o temor da manipulação da linguagem. E seu combate. Receio e luta aplainam caminhos. Logo depois o texto bíblico ajunta, a ciência dos santos é a prudência. Ciência dos santos e de quem teme mistificações. Programa útil, ser ambientalista do espírito, reclamar oxigênio na vida pública. Santo Natal e bom Ano Novo para todos.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Feliz Natal, votos de festas sérias


Feliz Natal, votos de festas sérias

Péricles Capanema

Anima ouvir feliz Natal. Soa agradável Natal de muita saúde e paz.  Santo Natal, expressão afável, cada vez menos comum. Escutei sem-número de vezes votos de alegre Natal. Óbvio, jamais me deram votos de tristes festividades natalinas.

E nem de sério Natal. Cairia estranho, poderia parecer censura a um brincalhão. Pensando bem, nem tão estranho assim. Pelo menos uma vez, gostaria que alguém me tivesse dito: “um sério Natal”.

Desejar feliz Natal é querer as festas em ambiente leve. Sério Natal, que continuem presentes as graves questões que povoam a vida de cada um de nós. Gravidade e leveza não se excluem, nunca se excluíram, complementam-se. Leveza sem gravidade despenca para a leviandade. Gravidade sem leveza descamba para caturrice. Sábia é a pessoa que alia leveza e gravidade. Minha ambição hoje é alcandorar a seriedade, raiz da sabedoria, caminho para a felicidade. Se conseguir bem, será brilhante bola vermelha na árvore da sala, meu presente de Natal para os leitores.

Já no começo, faz falta acabar com a confusão entre alegria e felicidade. Em geral, as pessoas querem ser vistas alegres para assim parecer felizes. E é comum um abismo entre as duas realidades. Le bonheur n’est pas gai (a felicidade não é alegre), frase que retumbou mundo afora, resumia o filme Le Plaisir, baseado em três contos de Guy de Maupassant. Continuando no tema, mudo o cenário. Li, faz pouco, o mesmo por aqui: “Sou alegre, mas não feliz”, lamento de Dadá Maravilha, o futebolista folgazão. O mais alegre dos jogadores se vê como um infeliz.

Uma mãe que trabalha de sol a sol para pagar os estudos da filha aplicada pode não estar alegre, mas será intensamente feliz, animada com o cumprimento do dever e por abrir boas perspectivas para a moça. Todos percebem, o esforço e o dever estão mais ligados à felicidade que à alegria. Enfim, são várias as formas de alegria. A felicidade pode ser alegre, pode estar triste, pode brilhar num rosto esgotado. Um menino brincando sozinho com um carrinho em geral tem semblante sério e feliz. Nietzsche afirmava, o homem se torna maduro quando reencontra a seriedade que tinha quando brincava em criança. Temos aqui, não a procura, mas o reencontro de um tempo às vezes perdido durante a adolescência e a juventude. O Natal autêntico tem isso, festa familiar com nota infantil séria. A alegria natalina ▬ calma, temperante, esperançosa, entendendo o sofrimento ▬ é átrio para entrar no palácio da felicidade.

Sem seriedade, não alcançamos ser felizes. A alegria contemporânea desembesta para o rumo oposto. Para esconder a infelicidade, procura saída artificial, aparece vestida com roupagem extravagante. Basta examinar os role models atuais, celebridades do entretenimento em primeiro lugar, a mais de outras nos mais multifários espaços da vida humana. Inautênticos, estadeiam estilos de vida estapafúrdios, sorrisos exagerados, risadas desatinadas. Ali pululam as drogas, o suicídio, as separações matrimoniais contínuas, tanta coisa mais. O que são em suas representações enganadoras? Embusteiros, alguns geniais, juntos na promoção de uma fraude.

O bem não faz barulho e o barulho não faz bem, escreveu são Francisco de Sales, o suave doutor da Igreja. Discreta, a verdadeira felicidade pode conviver com a tristeza, a dor, o fracasso; também com a alegria, os êxitos, as grandes conquistas. Mas sempre se manifestará veraz. Assoma agora à porta uma irmã da seriedade, a autenticidade, saudemo-la.

Verazes, autênticos e sérios caminhemos até a manjedoura onde dorme placidamente o Menino-Deus. Súplices, peçamos a Ele que nos sustente em todos os passos da peregrinação ao encontro da Felicidade infinita.


terça-feira, 5 de dezembro de 2017

O Brasil carcará

O Brasil carcará

Péricles Capanema

Procurava subsídios para artigo e encontrei aos montes o que não esperava. Foi assim. Em vez de fixar a atenção apenas nas colaborações para os sites políticos das mais variadas orientações, voltei-a para a seção de comentários. Deparei-me com o horror. Mares de opiniões pavorosas pela irreflexão, superficialidade, insciência, despropósito, primarismo e boçalidade; aqui e ali, pérolas nos brejos, observações inteligentes. Aproveitei o embalo e, para verificar se o fenômeno era generalizado, fui espiar por alto repercussões em sites de futebol, mundo do espetáculo e alguma coisa mais. Mesma coisa. Propositalmente deixo de lado o enorme monturo da linguagem chula e dos palavrões. Não recomendo a peregrinação deprimente.

Lembrei-me quase automaticamente de desabusadas e já antigas ponderações de Nelson Rodrigues: “Antes, o silêncio era dos imbecis, hoje são os melhores que emudecem. Até o século 19 o idiota era apenas o idiota e como tal se comportava. E o primeiro a saber-se idiota era o próprio idiota. Não tinha ilusões. Aquele sujeito que antes limitava-se a babar na gravata passou a existir socialmente, economicamente, politicamente, culturalmente. Houve, em toda parte, a explosão triunfal dos idiotas. Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas, hoje, os idiotas pensam pelos melhores”.

A lógica empurra o jornalista para a conclusão: “O grande acontecimento do século [20] foi a ascensão espantosa e fulminante do idiota”.

Existiriam aos milhares, mas não vou memorar casos engraçados, nem piadas sobre a idiotice. Bastaria empilhar trechos dos improvisos, qualquer deles, da ex-presidente Dilma Rousseff para provar pela evidência como andava certo Nelson Rodrigues. Um só, em Nova York. Ali, logo depois do discurso inaugural da assembleia da ONU, feito pelo Brasil, achando que dava o grande, disparando conselhos, procurando impressionar públicos de outros países, assim se saiu a nossa então Presidente: “Até agora, até agora, a energia hidroelétrica é a mais barata. Em termos que ela dura, da sua manutenção e também pelo fato da água ser gratuita. E da gente podê estocá. O vento podia ser isso tamém, mais ocê num conseguiu ainda tecnologia pa estocá vento. Então, se a contribuição dos outros países, vamos supor que seja desenvolver uma tecnologia que seja capaz de na eólica estocá, ter uma forma docê estocá, porque o vento, ele é diferente em horas do dia. Então vamos supor que vente mais à noite, cumé que eu faria para estocá isso? Hoje, nós usamos as linhas de transmissão, cê joga de lá pra cá, de lá pra lá pra podê capturá isso”. A nossa Presidente, em golpe de genialidade, na exposição solicitava aos outros países que desenvolvessem tecnologia para estocar vento.

Repito, não é exceção, é apenas exemplo delirante (nada no trecho tem pé nem cabeça) de fenômeno generalizado. Disparates desse nível intelectual se encontram aos milhões em comentários na rede sobre os mais diversos temas. De fato, lá tem coisa pior. De irmãos nossos, brasileiros, enfim, e até de boa orientação. E, como a ex-presidente, arrogantes, pretensiosos e autoconfiantes.

Assim, não convido para rir, o riso seria ▬ de novo Nelson ▬ o disfarce de mágoa incurável, são retratos de nossa decadência. “Assim é o brasileiro, tem sempre uma piada fulminante, não temos dinheiro, mas temos a anedota”, outra observação do escritor recifense.

Tudo isso está muito entranhado no Brasil, arrancar tais raízes demanda décadas (com otimismo). E será nesse ambiente que se darão as eleições de 2018. Então, com realismo, temos de nos preparar para o pior, fazendo tudo ao nosso alcance para que tal não ocorra.

Só outros hábitos nos tirariam do buraco. Lembro alguns. Observação minuciosa, paciente e aplicada da realidade. E depois, com base no material trabalhado e nas leituras, refletir com humildade, despretensão, serenidade. Opinar? Sim e muito. Mas tão-somente quando tiver alguma coisa de realmente útil para o enriquecimento do debate, mesmo os domésticos. Já seria um começo.

A generalizada atmosfera de excitação, caldo de cultura para opiniões definitivas e bestas, traz logo após o abatimento e a desorientação. Daí escorrega para o irrealismo, a subserviência a clichês ocos e o desastre. Fracasso não só pessoal, já seria lamentável, mas do Brasil. Em especial vale para os jovens, e lá vou eu atrás de outro dito do grande dramaturgo: “Se o homem de uma maneira geral tem vocação para a escravidão, o jovem tem uma vocação ainda maior. O jovem, justamente por ser mais agressivo e ter uma potencialidade mais generosa é muito suscetível ao totalitarismo. A vocação do jovem para o totalitarismo, para a intolerância, é enorme. Eu recomendo aos jovens, envelheçam depressa.”

Enquanto lia a seção dos leitores de vários sites, irritantemente me voltava à memória o refrão de conhecida música “Carcará, pega, mata e come”. Magro, feioso e voraz, um solidéu de penas pretas na cabeça, o pássaro carniceiro só sabe pegar, matar e devorar. Na paisagem sáfara, lá fica ele no alto, indiferente a tudo, menos às presas. Desce rápido e as estraçalha. Pousa então em galhos das árvores, cabeça alta, bicão tosco levantado. Logo depois volta a fazer o mesmo. É sua existência, bom símbolo de cegueira para a realidade, pensamento mínimo e arrogância.


Termino com bonito, quase tocante, trecho de Nelson Rodrigues: “O ser humano é um caso perdido. E falo isto com a mágoa de quem queria ser um santo. O único ideal que eu teria na vida, se fosse possível realizá-lo, era ser um santo. Eu queria ser um sujeito bom. A única coisa que eu admiro é o bom, fora disto não admiro mais nada”. Programa para cada um, para o Brasil, apropriado especialmente para dias do Natal.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Raízes de mandioca-brava

Raízes de mandioca-brava

Péricles Capanema

Em 2013, para muitos, o PT personificava a desordem, a corrupção, o retrocesso. Setores de brasileiros esperançados tinham certeza de que Aécio venceria a eleição e afastaria muitos males. Deu o contrário: Dilma (51,64%) derrotou Aécio (48,36%) na contagem geral. Baque feio. Vieram os tempos do pré-impeachment. E aconteceu o impeachment. Houve expectativa de que haveria, com a nova situação, um tempo longo e melhor para o Brasil. Outra vez, por superficialidade, a esperança venceu a experiência. Não demorou e a desilusão penetrou quase todo o país. Na última pesquisa DataFolha 73% consideravam o presidente Temer ruim ou péssimo, o mesmo índice era de 31% ao assumir. E nem falo aqui da continuação dos escândalos de corrupção. À maneira de pot-pourri, tratarei de outros aspectos, fatores de desesperança, por vários lados mais fundamentais.

É generalizada a presença da esquerda, impune, agressiva e em expansão. De um lado, o MST continua a invadir terras. Na mesma trilha, age impune a CPT. E, de forma crescente, ocupa espaços nas cidades o MTST. As estatais chinesas (o governo chinês) continuam a comprar ativos no Brasil, com aplausos dos mais inesperados.

E, nos últimos dias, senadores e líderes da base governista sinalizaram possível apoio a Lula e ao PT em 2018. Declarou Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente do Senado: “Se não houver um entendimento nacional, se não houver uma aliança local que me obrigue diferente, eu sou eleitor do Lula”. Ao lado de Lula e de Renan Filho, governador de Alagoas, discursou Renan Calheiros (PMDB-AL): “"O governo do senhor é do povo, para o povo, diferentemente do governo de agora”. Na mesma linha, Edison Lobão (PMDB-MA): “[Lula] foi e é um bem gigantesco” para o País. Ecoando tais declarações, Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do partido: “Lula foi o melhor presidente para este País, principalmente para o Piauí e para o Nordeste”. E o líder do PR na Câmara Federal, José Rocha (BA): “O PR não descarta o apoio a Lula”.

Saio do mundo político e vou a outro espaço. No próprio ministério da Educação, supostamente hoje dirigido por partido conservador, o DEM (o ministro Mendonça Filho é prócer do DEM), dois fatos recentes, entre muitos, indicam a força ciclópica do aparelhamento esquerdista (se quisermos, pró-comunista).

Desde 2013, com material redigido em 2012, portanto em pleno governo do lulopetismo, com o MEC aparelhado de alto a baixo, existiam cinco competências para avaliar a redação na prova do ENEM. Entre elas, “desrespeito aos direitos humanos” anularia a redação, zero para o candidato.

O que seria desrespeito aos direitos humanos? Impreciso, tudo é direito humano, mas sem dúvida a expressão vem hoje com conotação de esquerda, em geral ligada ao politicamente correto. Criticar o movimento LGBTI seria ir contra os direitos humanos. Para quem não sabe LGTBI significa Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Intersexuais (ou pessoas intersex). Em artigo da Sociedade Intersexual Norte-Americana consta a seguinte afirmação: “A natureza não decide onde a categoria ‘masculina’ termina e a categoria ‘intersexo’ começa ou onde a categoria ‘intersexo’ termina e a categoria ‘feminina’ começa”. De outro modo, são categorias culturais.

Retorno à estrada. Por seu caráter genérico e vago, tantas vezes tingido de esquerdismo, qualificar um candidato de ser contra os direitos humanos pode ser arma de exclusão e atitude discriminadora. Alunos de orientação conservadora ou direitista poderiam ser facilmente prejudicados em seu futuro. Por causa disso, o movimento Escola sem Partido pediu judicialmente a exclusão da cláusula. Setores do governo de forma reveladora atacaram encarniçadamente a pretensão do Escola sem Partido. Posta a posição atribuída pela esquerda ao governo, o normal seria que manifestassem gratidão por ter sido chamada a atenção sobre tal ponto.

Em boa hora, a ministra Carmen Lúcia manteve a liminar do desembargador federal Carlos Moreira Alves, da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A presidente do STF argumentou que a nota zero para quem censurasse direitos humanos poderia propiciar o “aniquilamento de direitos fundamentais”. No caso, liberdade de pensamento e liberdade de expressão. Disse mais: “Não se combate a intolerância com maior intolerância estatal”. Não se sensibiliza para os direitos humanos com “mordaça”, “não se garantem direitos fundamentais, eliminando-se alguns deles”. Continuou sentenciando que não se pode desejar “o silêncio de direitos emudecidos”. Lembrou, a cultura do politicamente correto “vem sendo levada ao paroxismo. passando a constituir forma de censura de expressão”.

Em outros termos, a mordaça e a censura contra adversários conservadores potenciais que sub-repticiamente tinham sido enfiadas no exame do ENEM, para alegria das esquerdas de todos os matizes, foram defendidas com os dentes pela estrutura do ministério da Educação e de outros órgãos do Estado.

Outro ponto, redatores da Base Nacional Curricular Comum do MEC introduziram no texto expressões que podem facilmente, como obediência a diretrizes estatais, levar ao ensino da ideologia do gênero nas escolas brasileiras. Muita gente reagiu e em ótima hora o IPCO tem divulgado manifesto endereçado ao Presidente da República do qual destaco as seguintes partes: “Recorremos a V. Exa. estarrecidos com introdução da chamada ‘ideologia do gênero’ na Base Nacional Comum Curricular que deverá entrar em vigor em 2018. O governo anterior já havia tentado introduzir essa ‘ideologia do gênero’. Felizmente, o Congresso Nacional a reprovou e, em mais de 90% das audiências públicas realizadas em todo o País, ela foi rechaçada. Países irmãos, como o Peru e o Paraguai, também a rejeitaram. Seria m passo vital para a implantação de uma ditadura cultural comunista em nossa Pátria. Sr. Presidente, não permita que seu ministro da Educação e Cultura imponha, contra os sentimentos cristãos da imensa maioria dos brasileiros, a ‘ideologia do gênero’ no ensino básico de nosso país”.


No caso, é mais uma sequela venenosa do enorme o aparelhamento dos órgãos públicos e universidades pelas esquerdas. À primeira vista, às vezes é difícil perceber as raízes fundas e tóxicas da mandioca-brava, pois seus galhos e folhas se parecem às da mandioca de mesa ▬ e o Brasil em muitos aspectos recorda a mandioca-brava. Só depois de tratadas, processo lento e trabalhoso, as raízes perdem a toxicidade. Tarefa nossa, mostrá-las e tratá-las, precisamos realizá-la se quisermos um Brasil com grandeza cristã Aí evitaremos, logo ali na frente, que o Brasil despenque na situação em que hoje está a Venezuela. A Brazuela.