segunda-feira, 27 de junho de 2016

Ventos isolacionistas

Ventos isolacionistas

Péricles Capanema

Continua repercutindo fortemente o referendo inglês. Lembro, todos os analistas realçam a influência da imigração no voto Brexit, o que nos leva a problema candente. Quem hoje diz imigração, diz refugiados. Há pouco relatório da ONU informou que existem 65,3 milhões de refugiados no mundo. Desse total, 3,2 milhões se encontram em países industrializados, fugitivos especialmente do conturbado Oriente Médio e do desconjuntado norte da África; 20,1 milhões se encontram dispersos pelo mundo; 40,8 milhões foram forçados a fugir de suas próprias casas, mas continuam dentro das fronteiras de seus próprios países. Em 2015, os 28 países membros da União Europeia (EU) concederam estatuto de refugiado ou de proteção a 333.350 requerentes (ainda não é asilo). Em 2014 a UE concedeu asilo a 185 mil pessoas. A concessão do asilo atende apenas a porcentagem mínima dos refugiados. Eles continuam chegando por barco, trem, a pé, avião. E nenhuma grande potência tem a coragem moral de fazer o óbvio: promover alguma forma de tutela efetiva, ainda que temporária, nas regiões conflagradas para restabelecer a normalidade e esvaziar a crise.

Daí a sensação de situação sem saída, a crescente irritação popular e a tentação do fechamento. Ferrolhem as fronteiras e que se danem os outros. O problema foi criado por eles, eles que o resolvam como puderem. E se não puderem, azar deles. Assim se encontram psicologicamente setores amplos da Europa e até dos Estados Unidos, sobretudo no operariado que teme perder os empregos para esse pessoal, que aceitaria receber menos pelo mesmo trabalho. É o mais ativo caldo de cultura do isolacionismo.

Disso lançam mão os políticos. Um exemplo, Donald Trump, virtual candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, certo do apelo eleitoral da proposta, promete mandar construir, à custa do vizinho, uma muralha na fronteira entre Estados Unidos e México. E sobre o resultado do referendo do Reino Unido, comentou: “Penso que vai ser ótimo. Eles retomaram o controle. É uma grande coisa. As pessoas querem seu país de volta. Elas querem ter independência. Você vê isto em toda a Europa”. Falou ainda sobre o paralelo entre o temor inglês dos imigrantes e sua proposta de expulsar 11 milhões de imigrantes dos Estados Unidos. O tom favorece as relações com a América Latina?

Considerando as propostas e o destempero da linguagem Enrique Peña-Nieto, presidente do México, revidou: “Sou dos que lamentam e condenam esse tipo de expressões, parece-me que denotam desconhecimento do México. Meu país sempre buscou pontes, diálogos e proximidade com os Estados Unidos, busccou soluções comuns de problemas comuns mediante acordos e tarefas compartilhadas”. Em entrevista posterior, foi mais longe: “Houve episódios da história da humanidade em que essas expressões e essa retórica estridente levaram a cenários fatídicos. Assim Mussolini chegou ao poder e foi desse modo que Hitler também o alcançou, talvez com base em crises que naquele momento a humanidade vivia”.

O Brexit tem um componente isolacionista. A campanha de Donald Trump também o tem. Inúmeros partidos e líderes na Europa estão propugnado propostas semelhantes. Os argumentos utilizados em geral têm base saudável: entre outros, defesa da nação, dos costumes próprios, dos empregos e do sistema de vida. E é preciso tratar com descortino cristão o problema dos refugiados; do mesmo modo, privilegiando o interesse nacional, não abandonar os imigrantes. O desbordamento, já visto aqui e ali, é particularmente perigoso. Junto com o isolacionismo, firmar-se-á o protecionismo, com sequelas empobrecedoras.

Nelson Rodrigues dizia, só os profetas enxergam o óbvio. Algo de profético, então: os Estados Unidos têm obrigações mundiais; mutatis mutandis, a Europa. Fugir delas, isolando-se ou adotando postura agressiva, favorecerá ainda mais a proliferação de situações que em boa parte estão na base do problema dos refugiados, como o Estado islâmico, os extremismos muçulmanos e o presente expansionismo grão-russo.


Homo sum, humani nihil a me alienum puto” (sou homem, nada do que é humano me é estranho), afirmou Terêncio na Antiguidade. A justiça e a caridade cristã tornam essa realidade mais cogente. Alguém nos ensinou: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. As verdadeiras soluções têm por base a análise objetiva, até fria, da realidade, aliada ao discernimento, solicitude e energia. Não simplifiquemos questões complexas. Em quase todos os campos a simplificação faz com que ventos acabem se transformando em ventania, depois em borrasca, finalmente em furacão.

sábado, 25 de junho de 2016

Cabeça fria

Cabeça fria

Péricles Capanema

O Reino Unido está potencialmente fora da União Europeia (UE), 51,9 a 48,1% a favor da saída. No fundo, ninguém acreditava que depois de uma permanência de 43 anos, ele lhe viraria as costas. O mundo amanheceu em estado de choque.

Ou foram apenas a Inglaterra e o País de Gales? De fato, o Reino Unido da Grã Bretanha e Irlanda do Norte, Estado soberano, é composto de quatro nações constituintes, chamadas países ou home nations. A Inglaterra pode sair só? E o País de Gales? Os dois outros países votaram pela permanência. Nicola Sturgeon, primeira-ministra da Escócia anunciou “discussões imediatas” com Bruxelas e países da UE para “proteger o lugar do país no bloco”. Confirmou: “O segundo referendo de independência é claramente uma opção que deve estar sobre a mesa, e está sobre a mesa”. Por sua vez, a Irlanda do Norte também abriga setores importantes que desejam se unir à República da Irlanda, membro da UE. Esta mesma divisão se manifestou candente quanto a regiões, grandes cidades versus interior, faixas de idades, faixas de renda, faixas de escolaridade.

Ou seja, esfacelou-se política e socialmente o Reino Unido e já apareceram iniciativas querendo consertar o estrago. Circula petição ao Parlamento para que novo plebiscito seja convocado, passam de 2,5 milhões as assinaturas (na hora que escrevo). Esperam que o inglês, repensando o voto, anule o antes impensável, por ora aparentemente irreversível.

O terremoto inglês causou tremores na Europa inteira: existem movimentos reclamando plebiscitos em vários países. Putin dispõe de momento de mais liberdade de ação.

O que virá? Ninguém sabe, confusão nos mercados, nas chancelarias e nas cabeças. Pensar é distinguir. Então, vamos pensar, distinguindo, destacando em particular dois pontos.

Afirmam analistas, a razão maior do voto Brexit foi o temor xenófobo da imigração descontrolada no Reino Unido que ameaçaria empregos, serviços sociais e a cultura do país. Em termos. Os jovens, ainda que os maiores ameaçados pela perda de empregos, votaram maciçamente para permanecer. Pesou aqui o cosmopolitismo. E os velhos, boa parte já aposentada, sentiriam então mais a ameaça cultural e votaram em maioria pelo Brexit. As grandes capitais, de maioria cosmopolita, pela permanência; o interior, apegado aos costumes, pela saída. A mais, a muitos irritava a ditadura burocrática de Bruxelas, 40 mil funcionários e, em alguns, a agenda libertária.

Mudo o ponto de vista. Alguns comentaristas destacam, vejo razão neles, pesou em proporção difícil de avaliar a nostalgia da Inglaterra tradicional, poderosa, com seu traço de insularidade e soberania altiva. Com efeito, deixaram marcas profundas na mentalidade inglesa a Guerra dos Cem Anos, o episódio da Invencível Armada, as disputas com Luís XIV, as batalhas contra Napoleão, a oposição à Alemanha na 1ª Grande Guerra, a luta contra Hitler. Exprimem a posição de um país que se sente ameaçado pela potência dominante no Continente. Este tipo de inglês cansou de se sentir dependente de Bruxelas. Em reto, o passado cobrou sua fatura. É antipático? Não, de si é saudável a afirmação da personalidade própria e a defesa de suas liberdades e direitos. Nesse aspecto, merece simpatias o voto Brexit.

Viro a página. A Europa sempre teve necessidade de alguma união política para garantir a convivência interna civilizada e ser escudo contra agressões de inimigos. Tal necessidade, ideal perene, esteve entre os fundamentos da multissecular política da República de Roma, depois do Império Romano e foi aspiração carolíngia, bafejando a coroação de Carlos Magno  no Natal do ano 800 pelo Papa Leão III. Inspirou o Sacro Império, fez parte da política secular dos Habsburgos. Napoleão representou concepção desnaturada do mesmo anseio. Hitler também dele se aproveitou criminosamente. Em dito contexto, os Papas em muitas épocas e ocasiões foram ponto de união, harmonização e defesa da Europa. São exemplos o encontro de são Leão Magno com Átila em 452 e a ida de Henrique IV a Canossa em 1077 para pedir perdão a são Gregório VII..

Na recente crise ucraniana, Putin sentiu a força dessa política multissecular. Em Moscou, diante do autocrata russo, maio de 2015, Angela Merkel, de alguma maneira falando pela Europa, advertiu-o com nota intimidadora: “Nos últimos anos procuramos de modo crescente a cooperação [da Rússia e Alemanha]. A anexação criminosa e ilegal da Crimeia e a guerra na Ucrânia oriental representaram séria derrota nessa cooperação”. Aliás, até agora foram dela as mais sensatas e construtivas palavras na presente crise: “A União Europeia não precisa ser dura com os britânicos”.

Não convém subestimar o perigo latente. A saída da Inglaterra pode ser enorme passo no rumo do desconjuntamento e da desagregação europeia, que entre outras sequelas ficaria mais exposta ao poder russo, em especial Polônia, Hungria, países bálticos, países nórdicos. A Europa estaria ainda em condições pioradas para fazer frente ao poder islâmico expansionista e às manobras imperialistas de Beijing.

De outro lado, a advertência do voto inglês pode ter efeito saudável. Como instância suprema, à Europa não ajuda um poder intervencionista, burocrático, libertário em temas morais. Precisa, isso sim, de um poder de harmonização e defesa que respeite o princípio de subsidiariedade, bem como tenha em consideração direitos de povos, regiões e famílias.


Havendo saída de algum país, que sejam preservados os mais decisivos interesses europeus; se houver permanência, que daqui em diante não sejam mais lesionados direitos de povos, regiões e famílias.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

A corrupção tiririca

A corrupção tiririca

Péricles Capanema

De início, trato da tiririca, praga da lavoura. Nada sobre Tiririca, o palhaço-deputado, campeão de votos, 1.353.820 em 2010, 1.016.796 em 2014. Dos deputados, sim, depois.

Presente no mundo todo, particularmente em países tropicais e subtropicais, ideais para seu desenvolvimento, a tiririca tem, escondida na terra, uma rede de bulbos, rizomas e tubérculos, interligados em forma de corrente. Aparecem dela as partes agradáveis de ver, hastes florais e folhas. Os tubérculos produzem novas plantas, disseminam a praga. A maior parte deles (80%) fica na camada superficial da terra, até vinte centímetros; podem permanecer dormentes por muito tempo. A proximidade da luz é letal, quanto mais profundo estiver o tubérculo, mais tempo sobrevive. A tiririca se propaga por aplicação de matéria orgânica contaminada, máquina e utensílios agrícolas com tubérculos aderidos, mudas contaminadas, enxurradas, canais de irrigação. Reduz a produção agrícola, em média, 40%; pode chegar a 90%. País tropical e subtropical, o Brasil tem clima ótimo para espalhar a tiririca.

Combate difícil e longo. A melhor defesa contra a praga é impedir a disseminação, sobretudo protegendo as áreas ainda não infestadas. Para tanto, rígido controle das sementes certificadas, diagnóstico do problema, seleção dos métodos. Entre eles, o mecânico, o químico e a erradicação. Paro por aqui.

Estamos no limiar da campanha eleitoral oficial de 2016, na prática já começou. Vou para a nossa corrupção que também em geral fica debaixo da terra e ali pode permanecer ativa ou latente por muito tempo. Quando aparece, para os incautos, mostra até aparência agradável. A Lava Jato arrancou algumas tiriricas. Deltan Dallagnol, procurador coordenador da Lava Jato, em declarações na Câmara de Deputados, afirmou que só 3% dos casos de corrupção são punidos no Brasil.

No diagnóstico da roubalheira, em ano de eleições, grita o custo altíssimo das campanhas eleitorais. Em 2014, o gasto oficial das campanhas foi de R$5 bilhões, sem contar a renúncia fiscal (tempo de televisão, a cargo do Poder Público) e o por fora. A despesa real ninguém nunca vai saber.

Luís Roberto Barroso, ministro do STF, disse há pouco: “Está em curso no Brasil uma nova mudança de paradigma: não é mais aceitável desviar recurso público. É o fim de uma era de aceitação do inaceitável”. Serão mero flatus vocis as palavras otimistas do ministro, caso os políticos mais responsáveis, mediante proposição de leis adequadas, não diminuírem logo a dinheirama torrada em campanhas eleitorais. Uma simples medida já a baixaria fortemente: introdução do voto facultativo. Outra: voto distrital, total ou parcial. Terceira: fim dos programas editados na TV, caríssima sucessão de propaganda enganosa. Quarto: quase impossível, não passa no Congresso, menos representantes nas câmaras de vereadores, assembleias e Câmara Federal. Alguém acha que São Paulo precisa de 55 vereadores? E cada um pode indicar até 17 assessores. Fora o resto. A democracia no Brasil, todos sabem, é caríssima, muito mais caro que o regime monárquico parlamentar inglês (lá, país rico, ainda por cima atrai milhões de turistas por ano para ver as pompas, jardins e palácios reais; aqui, país pobre, a horrenda gestão pública afugenta os raros visitantes).

Perguntem a qualquer entendido de custos eleitorais a quanto monta uma campanha para deputado federal em São Paulo. Responderá, campanha pobre, em torno de R$5 milhões. Em 2014, os principais partidos apresentaram em São Paulo à Justiça Eleitoral quanto custaria eleger um deputado federal: a estimativa média foi de R$6,437 milhões. De momento, facilmente, R$8 milhões.

A primeira preocupação do recém-eleito já é sua reeleição. Vamos a uns cálculos. A remuneração mensal bruta do deputado federal é de R$ 33.763,00. Existem ainda subsídios. Se, por absurdo, excluo do panorama o IR, despesas com família, tanta coisa mais, apenas para raciocinar, julgarmos que poderia economizar R$30 mil por mês para gastos da próxima campanha ele teria no fim de 48 meses, digamos, R$1,5 milhão. Precisaria retirar do patrimônio próprio outros R$6,5 milhões para pagar sua campanha. De outro modo, em cada campanha, R$6,5 milhões mais pobre. É absurdo, a maioria nem tem um patrimônio desse. Agora, o custo de campanha para vereador em São Paulo em 2012. Os 1.185 candidatos que registraram suas candidaturas informaram oficialmente à Justiça Eleitoral que pretendiam gastar, em média, R$ 2,7 milhões. Quanto, de fato? E olhe, 2012 e apenas vereador em São Paulo. Hoje, quanto seria? Em abril de 2016, um vereador em São Paulo ganhou líquido, em média, R$11,6 mil. Se desse dinheiro por absurdo guardasse R$10 mil para campanha teria em torno de R$500 mil no fim de quatro anos. Sei, os dispêndios em outros Estados são menores, mas guardam proporção com os valores de São Paulo. Desse quadro escapam em parte os candidatos de denominações religiosas, sindicatos, representantes de classes, celebridades da televisão.

Na imensa maioria dos casos o gasto a bem dizer total precisa ser coberto por doações, parte delas provenientes do partido. Nos custos das campanhas para senador, governador, presidente, deputados federais, estaduais, vereadores, é melhor desconsiderar as doações oficiais de particulares. Não funcionam no Brasil. Marina Silva em 2014, prestigiada pela aura de candidata imaculada, conseguiu menos de R$1 milhão. Não cobriria nem a metade das despesas de uma campanha para vereador em São Paulo. De onde vai sair a bolada? Tem de sair de algum lugar, do contrário o político não se elege. Ou não se reelege. O mais factível? Ordenhar fornecedores de órgãos públicos e estatais. À frente, as empreiteiras. Aqui a raiz da corrupção tiririca, presente de alto a baixo em Pindorama.

Pelo conhecido, em todo o Brasil já estão sendo montados esquemas de financiamento legal e ilegal de campanha para prefeitos e vereadores. Nessa montagem, papel crescente terão o Facebook, Twitter e WhatsApp, instrumentos mais aptos para demonizar adversários que para apresentar propostas, além de bom esconderijo para Caixa 2.

Toda a corrupção vem das campanhas eleitorais? Claro que não. Boa parte, sim. Barateá-las diminuiria em muito a roubalheira de dinheiro público.

Preto no branco, se não foram baixados drasticamente os custos das campanhas, pouca coisa do que se fizer contra a corrupção com recursos públicos terá efeitos significativos. Mesmo se forem aprovadas na íntegra as tais Dez Medidas contra a Corrupção (difícil), a realidade cobrará seu preço, os candidatos arranjarão maneiras à margem da lei para cobrir suas despesas. As mais temidas são o dinheiro do narcotráfico ou de origem estrangeira. E o simples financiamento público de nada adianta, já existe gigantesco, claro ou disfarçado, não estanca a corrupção. E esse dinheiro seria tirado da saúde, da educação, da moradia.


Para 2016, nada poderá ser feito. 2018? Sei lá, tenho minhas dúvidas. A continuarmos nesse atoleiro, o resultado será desilusão e ressaca crescentes no eleitorado, ceva para todo tipo de aventuras, mesmo as mais demolidoras.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Temor reverencial por tumores de estimação

Temor reverencial por tumores de estimação

Péricles Capanema

Um doente mentalmente saudável tem horror de seus tumores. Quanto maior a repulsa, mais saudável na cabeça.

Corta. Todos os escândalos nos últimos anos no Brasil tiveram estatais como pivô. Podem escrever, também o próximo. O último deles, o petrolão, sai da Petrobrás e da Transpetro, subsidiária daquela. Bastaria investigar outras estatais, por exemplo, a Eletrobrás e teríamos o eletrolão; se fosse o BNDES não sei qual nome fantasia poderia ser o escolhido. Revelados pelo senador Ronaldo Caiado, vejam os empréstimos feitos pelo governo Dilma via BNDES no meio da crise aguda de falta de dinheiro e meçam o disparate: R$ 14 bilhões para Angola; R$ 11 bilhões para Venezuela; R$ 8 bilhões para República Dominicana; R$ 7,8 bilhões para Argentina; R$ 3 bilhões para Cuba; R$ 2 bilhões para o Peru; R$ 1,5 bilhão para Moçambique; R$ 980 milhões para Guatemala; R$ 795 milhões para o Equador; R$ 755 para Gana; R$ 507 milhões para Honduras e R$ 155 milhões para Costa Rica. Imaginem o que existe aí de favorecimentos.

A estrutura dos repetidos escândalos é a mesma. Os fornecedores, para continuar trabalhando para a empresa contratante, a estatal, precisam contribuir por dentro (propinas registradas como doações legais) e por fora para os partidos que indicam os diretores. Se não contribuírem (os repasses, em linguagem eufêmica; hoje conhecidos por pixulecos e acarajés), encontrarão dificuldades, podem até deixar de ser fornecedoras. Para muitas empreiteiras seria a falência, pois seu único cliente (ou o maior deles) é o Poder Público. No caso do BNDES muda apenas um ponto, o tomador do empréstimo; perderia facilidades para o crédito subsidiado se recusasse encaminhar os repasses para os devidos destinatários. Não custa lembrar, a principal função dos diretores nomeados por indicação política é fazer caixa para os partidos. E no caminho da grana, boa parte fica no bolso dos diretores, de líderes partidários e de intermediários.

No ponto de partida dos escândalos temos sempre o gigantismo estatal. Atividades econômicas naturalmente da alçada de particulares são exercidas de forma desastrosa pelo Poder Público.

 Seria normal protesto generalizado pela extinção desse mal. Não o escuto. Ouço, pelo contrário, Pedro Parente, o novo presidente da Petrobrás, em declaração dispensável: “Não vim para cuidar de privatização da Petrobras. Não vou perder tempo com essa questão”. Sou chocado ainda por afirmações, como a de Rodrigo Janot, de que “roubaram o orgulho dos brasileiros pela sua Companhia”. Não o meu, nem de muita gente. Tinha razão Roberto Campos em lhe trocar o nome de Petrobrás para Petrossauro, para ele, anacronismo pré-histórico dos tempos do estatismo delirante.

É que o uso do cachimbo faz a boca torta. Desde 1930 a maioria dos governos entre nós tem chamado para si a principal responsabilidade pela busca de melhores condições de vida para os brasileiros, em especial os de baixa renda. É certo, precisam mais do apoio estatal e este, na medida do razoável, deve existir. Mas vão muito além, chafurdam com delícias nos pântanos do intervencionismo e do estatismo.

Lá atrás, um exemplo, o governo Geisel impediu a entrada da iniciativa privada no setor do petróleo. A produção estagnada tornava necessárias as compras de óleo no Exterior. Com o andar do tempo, a dívida externa chegou a patamares explosivos. Comentou Delfim Netto, conhece bem o assunto: “Quem quebrou o Brasil foi o Geisel. O Geisel era o presidente da Petrobras. Quando houve a crise do petróleo, as reservas eram praticamente iguais a um ano de exportação, não tinha dívida. A dívida foi feita no governo Geisel. O Geisel, na verdade, era o portador da verdade. O Geisel sempre tinha a verdade pronta”. Algo parecido aconteceu com a antipatia dos governos petistas à presença do capital privado na exploração do pré-sal. Jogamos fora a oportunidade, o Brasil não andou para frente, o governo não pôs na burra bilhões de dólares em impostos. Mais uma vez, mistura mortal de nacionalismo, esquerdismo e estatismo. O acima mencionado Roberto Campos, irônico, acertou que no futuro “campanhas econômico-ideológicas, como a do "petróleo é nosso", deixarão de ser descritas como uma marcha de patriotas esclarecidos para serem vistas como uma procissão de fetichistas anti-higiênicos, capazes de transformar um líquido fedorento num unguento sagrado. Foi uma "passeata da anti-razão" que criou sérias deformações culturais, inclusive a propensão funesta às "reservas de mercado". É sempre assim, fundadas como solução, as estatais logo se transformam em focos de inoperância, favoritismo e corrupção.

Lembrei acima, o uso do cachimbo faz a boca torta. É verdade, cria o costume, daí nasce a mentalidade, que inibe a busca da solução pelo esforço pessoal. Faz enorme falta entre nós o gosto da autonomia. E só crescem as sociedades embebidas de autonomia.


Em setores amplos do Brasil, e não apenas na esquerda, fazem coro também nacionalistas bocós, medra enraizado xodó pelo estatismo e seu xifópago, o intervencionismo. A maneira como se referem à Petrobrás, elidindo a crítica à concepção errada já no começo, evidencia silêncio obsequioso e até temor reverencial. E, raras as exceções, elas são focos infecciosos, deitam metástases na sociedade e na política. Anda ainda muito insuficiente a aversão.