Ventos isolacionistas
Péricles Capanema
Continua repercutindo fortemente o referendo inglês. Lembro,
todos os analistas realçam a influência da imigração no voto Brexit, o que nos
leva a problema candente. Quem hoje diz imigração, diz refugiados. Há pouco
relatório da ONU informou que existem 65,3 milhões de refugiados no mundo. Desse
total, 3,2 milhões se encontram em países industrializados, fugitivos especialmente
do conturbado Oriente Médio e do desconjuntado norte da África; 20,1 milhões se
encontram dispersos pelo mundo; 40,8 milhões foram forçados a fugir de suas
próprias casas, mas continuam dentro das fronteiras de seus próprios países. Em
2015, os 28 países membros da União Europeia (EU) concederam estatuto de refugiado
ou de proteção a 333.350 requerentes (ainda não é asilo). Em 2014 a UE concedeu
asilo a 185 mil pessoas. A concessão do asilo atende apenas a porcentagem
mínima dos refugiados. Eles continuam chegando por barco, trem, a pé, avião. E
nenhuma grande potência tem a coragem moral de fazer o óbvio: promover alguma
forma de tutela efetiva, ainda que temporária, nas regiões conflagradas para
restabelecer a normalidade e esvaziar a crise.
Daí a sensação de situação sem saída, a crescente irritação
popular e a tentação do fechamento. Ferrolhem as fronteiras e que se danem os
outros. O problema foi criado por eles, eles que o resolvam como puderem. E se
não puderem, azar deles. Assim se encontram psicologicamente setores amplos da
Europa e até dos Estados Unidos, sobretudo no operariado que teme perder os
empregos para esse pessoal, que aceitaria receber menos pelo mesmo trabalho. É
o mais ativo caldo de cultura do isolacionismo.
Disso lançam mão os políticos. Um exemplo, Donald
Trump, virtual candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos, certo do
apelo eleitoral da proposta, promete mandar construir, à custa do vizinho, uma
muralha na fronteira entre Estados Unidos e México. E sobre o resultado do
referendo do Reino Unido, comentou: “Penso que vai ser ótimo. Eles retomaram o
controle. É uma grande coisa. As pessoas querem seu país de volta. Elas querem
ter independência. Você vê isto em toda a Europa”. Falou ainda sobre o paralelo
entre o temor inglês dos imigrantes e sua proposta de expulsar 11 milhões de
imigrantes dos Estados Unidos. O tom favorece as relações com a América Latina?
Considerando as propostas e o destempero da linguagem
Enrique Peña-Nieto, presidente do México, revidou: “Sou dos que lamentam e
condenam esse tipo de expressões, parece-me que denotam desconhecimento do México.
Meu país sempre buscou pontes, diálogos e proximidade com os Estados Unidos,
busccou soluções comuns de problemas comuns mediante acordos e tarefas
compartilhadas”. Em entrevista posterior, foi mais longe: “Houve episódios da
história da humanidade em que essas expressões e essa retórica estridente
levaram a cenários fatídicos. Assim Mussolini chegou ao poder e foi desse modo
que Hitler também o alcançou, talvez com base em crises que naquele momento a
humanidade vivia”.
O Brexit tem um componente isolacionista. A campanha
de Donald Trump também o tem. Inúmeros partidos e líderes na Europa estão propugnado
propostas semelhantes. Os argumentos utilizados em geral têm base saudável:
entre outros, defesa da nação, dos costumes próprios, dos empregos e do sistema
de vida. E é preciso tratar com descortino cristão o problema dos refugiados;
do mesmo modo, privilegiando o interesse nacional, não abandonar os imigrantes.
O desbordamento, já visto aqui e ali, é particularmente perigoso. Junto com o
isolacionismo, firmar-se-á o protecionismo, com sequelas empobrecedoras.
Nelson Rodrigues dizia, só os profetas enxergam o
óbvio. Algo de profético, então: os Estados Unidos têm obrigações mundiais; mutatis mutandis, a Europa. Fugir delas,
isolando-se ou adotando postura agressiva, favorecerá ainda mais a proliferação
de situações que em boa parte estão na base do problema dos refugiados, como o
Estado islâmico, os extremismos muçulmanos e o presente expansionismo
grão-russo.
“Homo sum,
humani nihil a me alienum puto” (sou homem, nada do que é
humano me é estranho), afirmou Terêncio na Antiguidade. A justiça e a caridade
cristã tornam essa realidade mais cogente. Alguém nos ensinou: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos
outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros”. As
verdadeiras soluções têm por base a análise objetiva, até fria, da realidade,
aliada ao discernimento, solicitude e energia. Não simplifiquemos questões
complexas. Em quase todos os campos a simplificação faz com que ventos acabem se
transformando em ventania, depois em borrasca, finalmente em furacão.