sexta-feira, 24 de junho de 2016

A corrupção tiririca

A corrupção tiririca

Péricles Capanema

De início, trato da tiririca, praga da lavoura. Nada sobre Tiririca, o palhaço-deputado, campeão de votos, 1.353.820 em 2010, 1.016.796 em 2014. Dos deputados, sim, depois.

Presente no mundo todo, particularmente em países tropicais e subtropicais, ideais para seu desenvolvimento, a tiririca tem, escondida na terra, uma rede de bulbos, rizomas e tubérculos, interligados em forma de corrente. Aparecem dela as partes agradáveis de ver, hastes florais e folhas. Os tubérculos produzem novas plantas, disseminam a praga. A maior parte deles (80%) fica na camada superficial da terra, até vinte centímetros; podem permanecer dormentes por muito tempo. A proximidade da luz é letal, quanto mais profundo estiver o tubérculo, mais tempo sobrevive. A tiririca se propaga por aplicação de matéria orgânica contaminada, máquina e utensílios agrícolas com tubérculos aderidos, mudas contaminadas, enxurradas, canais de irrigação. Reduz a produção agrícola, em média, 40%; pode chegar a 90%. País tropical e subtropical, o Brasil tem clima ótimo para espalhar a tiririca.

Combate difícil e longo. A melhor defesa contra a praga é impedir a disseminação, sobretudo protegendo as áreas ainda não infestadas. Para tanto, rígido controle das sementes certificadas, diagnóstico do problema, seleção dos métodos. Entre eles, o mecânico, o químico e a erradicação. Paro por aqui.

Estamos no limiar da campanha eleitoral oficial de 2016, na prática já começou. Vou para a nossa corrupção que também em geral fica debaixo da terra e ali pode permanecer ativa ou latente por muito tempo. Quando aparece, para os incautos, mostra até aparência agradável. A Lava Jato arrancou algumas tiriricas. Deltan Dallagnol, procurador coordenador da Lava Jato, em declarações na Câmara de Deputados, afirmou que só 3% dos casos de corrupção são punidos no Brasil.

No diagnóstico da roubalheira, em ano de eleições, grita o custo altíssimo das campanhas eleitorais. Em 2014, o gasto oficial das campanhas foi de R$5 bilhões, sem contar a renúncia fiscal (tempo de televisão, a cargo do Poder Público) e o por fora. A despesa real ninguém nunca vai saber.

Luís Roberto Barroso, ministro do STF, disse há pouco: “Está em curso no Brasil uma nova mudança de paradigma: não é mais aceitável desviar recurso público. É o fim de uma era de aceitação do inaceitável”. Serão mero flatus vocis as palavras otimistas do ministro, caso os políticos mais responsáveis, mediante proposição de leis adequadas, não diminuírem logo a dinheirama torrada em campanhas eleitorais. Uma simples medida já a baixaria fortemente: introdução do voto facultativo. Outra: voto distrital, total ou parcial. Terceira: fim dos programas editados na TV, caríssima sucessão de propaganda enganosa. Quarto: quase impossível, não passa no Congresso, menos representantes nas câmaras de vereadores, assembleias e Câmara Federal. Alguém acha que São Paulo precisa de 55 vereadores? E cada um pode indicar até 17 assessores. Fora o resto. A democracia no Brasil, todos sabem, é caríssima, muito mais caro que o regime monárquico parlamentar inglês (lá, país rico, ainda por cima atrai milhões de turistas por ano para ver as pompas, jardins e palácios reais; aqui, país pobre, a horrenda gestão pública afugenta os raros visitantes).

Perguntem a qualquer entendido de custos eleitorais a quanto monta uma campanha para deputado federal em São Paulo. Responderá, campanha pobre, em torno de R$5 milhões. Em 2014, os principais partidos apresentaram em São Paulo à Justiça Eleitoral quanto custaria eleger um deputado federal: a estimativa média foi de R$6,437 milhões. De momento, facilmente, R$8 milhões.

A primeira preocupação do recém-eleito já é sua reeleição. Vamos a uns cálculos. A remuneração mensal bruta do deputado federal é de R$ 33.763,00. Existem ainda subsídios. Se, por absurdo, excluo do panorama o IR, despesas com família, tanta coisa mais, apenas para raciocinar, julgarmos que poderia economizar R$30 mil por mês para gastos da próxima campanha ele teria no fim de 48 meses, digamos, R$1,5 milhão. Precisaria retirar do patrimônio próprio outros R$6,5 milhões para pagar sua campanha. De outro modo, em cada campanha, R$6,5 milhões mais pobre. É absurdo, a maioria nem tem um patrimônio desse. Agora, o custo de campanha para vereador em São Paulo em 2012. Os 1.185 candidatos que registraram suas candidaturas informaram oficialmente à Justiça Eleitoral que pretendiam gastar, em média, R$ 2,7 milhões. Quanto, de fato? E olhe, 2012 e apenas vereador em São Paulo. Hoje, quanto seria? Em abril de 2016, um vereador em São Paulo ganhou líquido, em média, R$11,6 mil. Se desse dinheiro por absurdo guardasse R$10 mil para campanha teria em torno de R$500 mil no fim de quatro anos. Sei, os dispêndios em outros Estados são menores, mas guardam proporção com os valores de São Paulo. Desse quadro escapam em parte os candidatos de denominações religiosas, sindicatos, representantes de classes, celebridades da televisão.

Na imensa maioria dos casos o gasto a bem dizer total precisa ser coberto por doações, parte delas provenientes do partido. Nos custos das campanhas para senador, governador, presidente, deputados federais, estaduais, vereadores, é melhor desconsiderar as doações oficiais de particulares. Não funcionam no Brasil. Marina Silva em 2014, prestigiada pela aura de candidata imaculada, conseguiu menos de R$1 milhão. Não cobriria nem a metade das despesas de uma campanha para vereador em São Paulo. De onde vai sair a bolada? Tem de sair de algum lugar, do contrário o político não se elege. Ou não se reelege. O mais factível? Ordenhar fornecedores de órgãos públicos e estatais. À frente, as empreiteiras. Aqui a raiz da corrupção tiririca, presente de alto a baixo em Pindorama.

Pelo conhecido, em todo o Brasil já estão sendo montados esquemas de financiamento legal e ilegal de campanha para prefeitos e vereadores. Nessa montagem, papel crescente terão o Facebook, Twitter e WhatsApp, instrumentos mais aptos para demonizar adversários que para apresentar propostas, além de bom esconderijo para Caixa 2.

Toda a corrupção vem das campanhas eleitorais? Claro que não. Boa parte, sim. Barateá-las diminuiria em muito a roubalheira de dinheiro público.

Preto no branco, se não foram baixados drasticamente os custos das campanhas, pouca coisa do que se fizer contra a corrupção com recursos públicos terá efeitos significativos. Mesmo se forem aprovadas na íntegra as tais Dez Medidas contra a Corrupção (difícil), a realidade cobrará seu preço, os candidatos arranjarão maneiras à margem da lei para cobrir suas despesas. As mais temidas são o dinheiro do narcotráfico ou de origem estrangeira. E o simples financiamento público de nada adianta, já existe gigantesco, claro ou disfarçado, não estanca a corrupção. E esse dinheiro seria tirado da saúde, da educação, da moradia.


Para 2016, nada poderá ser feito. 2018? Sei lá, tenho minhas dúvidas. A continuarmos nesse atoleiro, o resultado será desilusão e ressaca crescentes no eleitorado, ceva para todo tipo de aventuras, mesmo as mais demolidoras.

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