A corrupção tiririca
Péricles Capanema
De início, trato da tiririca, praga da lavoura. Nada
sobre Tiririca, o palhaço-deputado, campeão de votos, 1.353.820 em 2010, 1.016.796
em 2014. Dos deputados, sim, depois.
Presente no mundo todo, particularmente em países
tropicais e subtropicais, ideais para seu desenvolvimento, a tiririca tem,
escondida na terra, uma rede de bulbos, rizomas e tubérculos, interligados em
forma de corrente. Aparecem dela as partes agradáveis de ver, hastes florais e
folhas. Os tubérculos produzem novas plantas, disseminam a praga. A maior parte
deles (80%) fica na camada superficial da terra, até vinte centímetros; podem permanecer
dormentes por muito tempo. A proximidade da luz é letal, quanto mais profundo
estiver o tubérculo, mais tempo sobrevive. A tiririca se propaga por aplicação
de matéria orgânica contaminada, máquina e utensílios agrícolas com tubérculos
aderidos, mudas contaminadas, enxurradas, canais de irrigação. Reduz a produção
agrícola, em média, 40%; pode chegar a 90%. País tropical e subtropical, o
Brasil tem clima ótimo para espalhar a tiririca.
Combate difícil e longo. A melhor defesa contra a
praga é impedir a disseminação, sobretudo protegendo as áreas ainda não
infestadas. Para tanto, rígido controle das sementes certificadas, diagnóstico
do problema, seleção dos métodos. Entre eles, o mecânico, o químico e a
erradicação. Paro por aqui.
Estamos no limiar da campanha eleitoral oficial de
2016, na prática já começou. Vou para a nossa corrupção que também em geral fica
debaixo da terra e ali pode permanecer ativa ou latente por muito tempo. Quando
aparece, para os incautos, mostra até aparência agradável. A Lava Jato arrancou
algumas tiriricas. Deltan Dallagnol, procurador
coordenador da Lava Jato, em declarações na Câmara de Deputados, afirmou que só
3% dos casos de corrupção são punidos no Brasil.
No diagnóstico da roubalheira, em ano de eleições, grita
o custo altíssimo das campanhas eleitorais. Em 2014, o gasto oficial das
campanhas foi de R$5 bilhões, sem contar a renúncia fiscal (tempo de televisão,
a cargo do Poder Público) e o por fora. A despesa real ninguém nunca vai saber.
Luís Roberto Barroso, ministro do STF, disse há pouco:
“Está em curso no Brasil uma nova mudança de paradigma: não é mais
aceitável desviar recurso público. É o fim de uma era de aceitação do
inaceitável”. Serão mero flatus vocis
as palavras otimistas do ministro, caso os políticos mais responsáveis,
mediante proposição de leis adequadas, não diminuírem logo a dinheirama torrada
em campanhas eleitorais. Uma simples medida já a baixaria fortemente: introdução
do voto facultativo. Outra: voto distrital, total ou parcial. Terceira: fim dos
programas editados na TV, caríssima sucessão de propaganda enganosa. Quarto: quase
impossível, não passa no Congresso, menos representantes nas câmaras de
vereadores, assembleias e Câmara Federal. Alguém acha que São Paulo precisa de 55
vereadores? E cada um pode indicar até 17 assessores. Fora o resto. A democracia no
Brasil, todos sabem, é caríssima, muito mais caro que o regime monárquico
parlamentar inglês (lá, país rico, ainda por cima atrai milhões de turistas por
ano para ver as pompas, jardins e palácios reais; aqui, país pobre, a horrenda gestão
pública afugenta os raros visitantes).
Perguntem a qualquer entendido de custos eleitorais a quanto
monta uma campanha para deputado federal em São Paulo. Responderá, campanha
pobre, em torno de R$5 milhões. Em 2014, os principais partidos apresentaram em
São Paulo à Justiça Eleitoral quanto custaria eleger um deputado federal: a
estimativa média foi de R$6,437 milhões. De momento, facilmente, R$8 milhões.
A primeira preocupação do recém-eleito já é sua
reeleição. Vamos a uns cálculos. A remuneração
mensal bruta do deputado federal é de R$ 33.763,00. Existem ainda subsídios.
Se, por absurdo, excluo do panorama o IR, despesas com família, tanta coisa
mais, apenas para raciocinar, julgarmos que poderia economizar R$30 mil por mês
para gastos da próxima campanha ele teria no fim de 48 meses, digamos, R$1,5
milhão. Precisaria retirar do patrimônio próprio outros R$6,5 milhões para
pagar sua campanha. De outro modo, em cada campanha, R$6,5 milhões mais pobre.
É absurdo, a maioria nem tem um patrimônio desse. Agora, o custo de campanha
para vereador em São Paulo em 2012. Os 1.185 candidatos que registraram
suas candidaturas informaram oficialmente à Justiça Eleitoral que pretendiam
gastar, em média, R$ 2,7 milhões. Quanto, de fato? E olhe, 2012 e apenas
vereador em São Paulo. Hoje, quanto seria? Em abril de 2016, um vereador em São
Paulo ganhou líquido, em média, R$11,6 mil. Se desse dinheiro por absurdo
guardasse R$10 mil para campanha teria em torno de R$500 mil no fim de quatro
anos. Sei, os dispêndios em outros Estados são menores, mas guardam proporção
com os valores de São Paulo. Desse quadro escapam em parte os candidatos de
denominações religiosas, sindicatos, representantes de classes, celebridades da
televisão.
Na imensa maioria dos casos o gasto a
bem dizer total precisa ser coberto por doações, parte delas provenientes do
partido. Nos custos das campanhas para senador, governador, presidente, deputados
federais, estaduais, vereadores, é melhor desconsiderar as doações oficiais de
particulares. Não funcionam no Brasil. Marina Silva em 2014, prestigiada pela
aura de candidata imaculada, conseguiu menos de R$1 milhão. Não cobriria nem a
metade das despesas de uma campanha para vereador em São Paulo. De onde vai
sair a bolada? Tem de sair de algum lugar, do contrário o político não se
elege. Ou não se reelege. O mais factível? Ordenhar fornecedores de órgãos públicos
e estatais. À frente, as empreiteiras. Aqui a raiz da corrupção tiririca,
presente de alto a baixo em Pindorama.
Pelo conhecido, em todo o Brasil já estão
sendo montados esquemas de financiamento legal e ilegal de campanha para
prefeitos e vereadores. Nessa montagem, papel crescente terão o Facebook, Twitter
e WhatsApp, instrumentos mais aptos para demonizar adversários que para
apresentar propostas, além de bom esconderijo para Caixa 2.
Toda a corrupção vem das campanhas
eleitorais? Claro que não. Boa parte, sim. Barateá-las diminuiria em muito a
roubalheira de dinheiro público.
Preto no branco, se não foram baixados drasticamente os
custos das campanhas, pouca coisa do que se fizer contra a corrupção com recursos
públicos terá efeitos significativos. Mesmo se forem aprovadas na íntegra as
tais Dez Medidas contra a Corrupção (difícil), a realidade cobrará seu preço,
os candidatos arranjarão maneiras à margem da lei para cobrir suas despesas. As
mais temidas são o dinheiro do narcotráfico ou de origem estrangeira. E o
simples financiamento público de nada adianta, já existe gigantesco, claro ou
disfarçado, não estanca a corrupção. E esse dinheiro seria tirado da saúde, da
educação, da moradia.
Para 2016, nada poderá ser feito. 2018? Sei lá, tenho
minhas dúvidas. A continuarmos nesse atoleiro, o resultado será desilusão e
ressaca crescentes no eleitorado, ceva para todo tipo de aventuras, mesmo as
mais demolidoras.
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