segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Realismo como vacina ao utopismo

 

Realismo como vacina ao utopismo

 

Péricles Capanema

 

Espinhos. Abri o jornal (sou espécie em extinção, ainda abro o jornal pela manhã), e tomei um tapa na cara: o PIB brasileiro no segundo trimestre de 2020 teve contração de 9,7% em comparação com os primeiros três meses do ano. Esperada embora, a retração é a maior da série histórica do IBGE, iniciada em 1996. Segundo pesquisadores da FGV, desde 1980 não há registro de queda pior em trimestre. De passagem, temos outra fonte de informação a mais dos números, sofremos espinhos pontiagudos na própria carne. Tudo dói ao redor nosso.

 

O realismo, vacina contra quimeras. O que me empurra incoercivelmente para mais além da crise, para a região das convicções e mentalidade, de onde procedem as escolhas. E tantas vezes nós brasileiros temos feito opções tóxicas. Encruzilhada inevitável: abraçamos o realismo, enfrentando o que nos agride ▬ sem servilismos a modas estrangeiras (ou nacionais), fincados serenamente em nossas possibilidades ▬ ou vamos preferir escapulir pelo buraco do utopismo, embaídos por miragens enganadoras? A segunda escolha é responsável, em boa parte, pela situação trágica em que agora estamos atirados, com a economia desmoronando por vários lados. O realismo nos teria poupado amazonas de sofrimentos e apreensões.

 

Na tempestade, notícias animadoras. Realismo não é só ver de frente notícias ruins. É também fixar o olhar nas esperançosas. Vamos agora entrar por aqui na economia. Mesmo no ambiente da pandemia, o agronegócio brasileiro continua apresentando resultados positivos. (Destaco, ele foi fruto do realismo). É um alívio, evita a quebra generalizada, o desabastecimento e o desemprego maciço; depois será o motor da recuperação.

 

Vocação natural. Em parte tal pujança se deve à ação lúcida do ministro Alysson Paulinelli nos anos 70, cuja visão de governo (formação ampla de especialistas, pesquisa científica bem orientada, estímulo à inovação) esteve na origem de enorme aumento de produtividade, que vem beneficiando o campo ao longo de décadas Sua ação clarividente, ajudado por muitos outros na mesma direção, sublinhou realidade negada por muitos: cada vez mais o agronegócio se firma como vocação natural do Brasil. É suicídio menosprezar o caminho disposto pela realidade. Aqui toco conceito central do artigo: vocação natural. Natureza e realismo andam juntos. Tal conformação foi agredida pela fixação artificial de políticas estatais por muito tempo em desenvolvimentos induzidos, de base industrial; discussões e planos que marcam há quase um século a vida pública brasileira. Os debates tiveram ponto alto nos anos 40, aos quais vou me referir, pois lançam luz no quadro presente. Continuam vivos, de fato atualíssimos, com potencial para determinar o rumo nosso no futuro.

 

Coletivismo larvado. O embate ao qual me refiro não opôs diretamente, de um lado, propriedade privada e livre iniciativa; de outro, coletivismo deslavado. Foi antes o choque entre intervencionistas (partidários do desenvolvimento induzido e acelerado com utilização maciça de instrumentos estatais), representando, em grau menor ou maior, um coletivismo larvado, e, do outro lado, aqueles que acreditavam que o progresso da economia deveria vir do respeito a suas leis. Escorado na propriedade privada e livre iniciativa, buscar o caminho do que se intitulava o aproveitamento das vantagens comparativas. E aí aparecia logicamente a urgência de fazer progredir a agricultura e, por meio dela, sem prejudicá-la, fazer a indústria contribuir de forma crescente ao progresso nacional. Tal fato se refletiria naturalmente na vida social, educacional e política. Era o fortalecimento da vocação da agricultura; hoje se diria do agronegócio, um pouco simplificadamente. De outro modo, maior presença do agronegócio no PIB brasileiro. Na pauta da discussão estavam o papel do Estado, industrialização, projeto nacional, segurança pátria. No fundo do quadro, por vezes de maneira confusa, noções diferentes e até conflitantes de grandeza nacional.

 

Duas posições em choque. Na já recuada década de 40 duas foram suas principais figuras. De um lado, Roberto Cochrane Simonsen (1889-1948); de outro Eugênio Gudin (1886-1986). A discussão teve início e escancarou posições quando Alexandre Marcondes Filho (1892-1974), ministro do Trabalho, Indústria e Comércio solicitou um relatório ao Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial que trouxesse subsídios para uma política industrial e comercial. Dele foi encarregado o dr. Simonsen, membro da mencionada comissão. Em 16 de agosto de 1944 apresentou o estudo “A planificação da economia brasileira”. Conceitos centrais: planejamento, presença do Estado ▬ indutor, financiador, direcionador de recursos ▬, industrialização acelerada. Seria a fórmula para desenvolvimento rápido, melhoria da renda e geração de empregos. Era um eco de tendência em ascensão mundo afora, o planejamento econômico estava na moda no mundo desenvolvido, e aqui se poderia incluir setores importantes dos Estados Unidos. Seu prestígio provinha até mesmo da União Soviética, com os então famosos e prestigiados planos quinquenais, promovidos por Stalin.

 

Reação fundamentada. Também participava da mencionada comissão o engenheiro e economista Eugênio Gudin. Defendia a industrialização, mas paulatina e com base no fortalecimento da agricultura, onde via enormes vantagens comparativas do Brasil, clima e terras férteis. Refratário a ficções, fincado seguramente no que de fato tínhamos, temia atalhos artificiais. Em sua resposta, datada de 23 de março de 1945, o economista carioca observava com visão de longo prazo: “O conselheiro Roberto Simonsen filia-se [...] à corrente dos que veem no ‘plano’ a salvação de todos os problemas econômicos, espécie de palavra mágica que a tudo resolve, mística de planificação que nos legaram o fracassado New Deal americano, as economias corporativas da Itália e de Portugal e os planos quinquenais da Rússia. [...] A verdade é que temos caminhado assustadoramente no Brasil para o capitalismo de Estado”. Sobre sua posição, comentou Roberto Campos: “Gudin insistia que o processo industrializante deveria observar as linhas de vantagens comparativas e deveria caber principalmente ao setor privado, sem relegar a agricultura à posição de vaca leiteira para financiar a industrialização”. A polêmica entre os dois líderes brasileiros está registrada, é fácil compulsar os argumentos de ambos. Não é o caso de aqui os evocar, pois meu objetivo, abaixo exposto, é outro. Só lembro que na década de 40 as convicções já estavam cristalizadas e sistematizadas em dois corpos de doutrinas.

 

Segregação e exclusão. Eugênio Gudin representou o pé no chão; sem o citar explicitamente, defendia o princípio de subsidiariedade, o papel supletivo do Estado em relação à sociedade. Suas posições estavam distantes da purpurina dos “cinquenta anos em cinco”, “Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)” e tantas mirabolâncias parecidas, fruto de ufanismos vazios, quando não de velhacaria política. Não foram vitoriosas, mas ajudaram, apesar de dificuldades, para, em longa decantação, amadurecer argumentos e formar correntes de opinião. E foi só muito depois dos anos 40 que se desvelou aos olhos do mundo a ilusão demolidora da mania dos planos econômicos; em especial evidenciada pelo desastre econômico dos países da antiga União Soviética. Mas quando a impostura se patenteou o mundo já havia padecido os retrocessos civilizatórios, que excluíram de padrões mínimos de dignidade humana durante décadas a bilhões de pessoas. Em última análise, pela recusa consciente e culposa do princípio de subsidiariedade. Aqui está um objetivo do artigo: realçar a importância do princípio de subsidiariedade, vacina contra ficções destruidoras, motor de avanços..

 

O vento fresco do princípio de subsidiariedade. Falei em maturação. Em 1931, já se vão quase cem anos, Pio XI publicou a “Quadragesimo Anno”, encíclica de doutrina social católica. Ali colocou como pilar da doutrina social católica o princípio de subsidiariedade: “Assim como é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetuar com a própria iniciativa e trabalho, para o confiar à comunidade, do mesmo modo passar para uma comunidade maior e mais elevada o que comunidades menores podem realizar é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa ordem social. O fim natural da sociedade e da sua ação é coadjuvar os seus membros, e não os destruir nem os absorver.” Representa golpe duro contra o intervencionismo estatal e contra toda forma de coletivismo; afirma o caráter supletivo do Estado em relação à sociedade. Tivéssemos dado ouvidos a tal ensinamento e muito melhor estaria a situação no Brasil. Contudo, pouco a pouco em algumas áreas vai deitando raízes. Um exemplo, na PEC da reforma administrativa, encaminhada recentemente pelo governo ao Legislativo, consta modificação do artigo 37 da Constituição. Passam a figurar como princípios da administração pública, entre outros, a proporcionalidade e a subsidiariedade. É fato promissor; que a brisa se transforme logo em vendaval de restauração e sanidade.

 

Família, a segunda estaca. Falei da subsidiariedade como fundamento da vida econômica. Era uma grande esquecida ▬ hoje não mais. O que é promissor e a pandemia pôs em evidência tal aspecto. Meu segundo propósito, realçar a importância do fortalecimento da família, também fundamental para o progresso econômico. Tal realidade foi recordada com talento e realismo por Ettore Gotti Tedeschi, antigo presidente do Banco do Vaticano: “Numa família se originam projetos que exigem maiores compromissos na geração de riqueza, poupança, investimento. No seio da família surgem estímulos competidores saudáveis, sobretudo graças à educação e treinamento de cada membro, que em perspectiva se torna motor da produção de riqueza que beneficia toda a sociedade. Além disso ela absorve os problemas sociais e econômicos de seus membros, sem transferi-los ao Estado; tende a ajudar e proteger seus membros mais fracos e vulneráveis, que de outra forma sempre pesariam para a sociedade. A família assume três áreas de valor social, criando as condições para o crescimento do PIB, formando e educando, limitando os custos do Estado assistencial. Portanto a família é fonte de investimento em capital humano, fonte de maior comprometimento produtivo, de autoprodução e redistribuição de renda dentro dela. Por isso ela é o primeiro posto de criação de riqueza da sociedade. Ignorar ou mesmo degradar este papel, ao invés de incentivá-lo, é uma das primeiras causas do declínio socioeconômico e cultural da sociedade. Se um país não acreditar na família, verá ruir o crescimento da riqueza produzida e do seu bem-estar econômico e social”. Em resumo, sem família saudável, no longo prazo não haverá economia saudável.

 

Pandemia, hora de padecimento; em especial, de reflexão e oração. Ocasião para analisar o passado (acima pequena e expressiva parte dele), esclarecer situações; e, com isso, preparar futuro de autêntica grandeza cristã. O presente artigo procurou ser modesta contribuição para tal, chamando a atenção para a vocação natural do Brasil, a agricultura, posta em evidência pela gravidade da crise. E salientando dois pontos para caminharmos no rumo certo: princípio de subsidiariedade e família, vacinas contra recaídas.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

Comparações esclarecedoras

 

Comparações esclarecedoras

 

Péricles Capanema

 

Outro título para o artigo: cruzado no queixo ▬ do brasileiro. Podia ser: divagações melancólicas. Um a mais, angústias perenes. Ainda: opção preferencial pelo desmoronamento. Luzes depois da tormenta indicaria resistência ao infortúnio. Tantos mais haverá; depois de respigar algumas ideias do texto, os escassos leitores verão qual escolheriam. Certamente, espero, teriam boas ideias, distantes das apagadas atrás enfileiradas.

 

Entro no assunto. Amigo antigo, observador agudo, enviou-me lista de políticos hoje praticamente desconhecidos, engolidos pelo turbilhão dos acontecimentos. Acompanhava-a apenas a frase: ▬ “Compare, ainda tem jeito? Divulgue.” Compare, ainda tem jeito? Entendi o desafio, era para comparar os nomes constantes da lista com a (tive a tentação de escrever) fauna política. que nos rodeia, em que campeiam a desorientação, a boçalidade, primarismos, grosserias, ladroeiras. Na lista, em sentido contrário, havia figuras de reconhecida cultura, inteligência refinada, educação cuidada, capacidade testada de gestão e governo, figuras de destaque provenientes do mundo da ciência e da experiência. E eram políticos correntes na época, o arroz com feijão.

 

E o “ainda tem jeito”? A que vinha? Entendi também, referia-se à situação em Pindorama. Com os dirigentes que temos, exceções de praxe, ainda haveria esperanças de aperfeiçoamento e progresso no Brasil? Ou não haveria mais jeito, a vaca já foi para o brejo? De passagem, acho que ainda tem esperança, só que o começo da solução não está em eleições, em políticos e em poder político.

 

Adiante. Li a lista, reli. E me veio ao espírito a conhecida observação de Ulisses Guimarães, provavelmente de 1991, tantas vezes repetida, com versões ligeiramente diferentes, resposta a pessoa que lamentava a baixa competência dos membros do Congresso Nacional: “Está achando ruim essa composição do Congresso? Então espera a próxima. Será pior. E pior e pior. Temos algumas poucas cabeças boas aqui. É necessário juntá-las, onde quer que estejam, e fazê-las trabalhar num rumo só: para a frente. Sempre.”

 

Para o vivido político, a péssima representação política brasileira, cada vez pior, seria como que abracadabra macabro nosso, cujos eflúvios mefíticos fatalmente nos empurrariam ladeira abaixo. Rumo ao quê? Óbvio, rumo ao desastre, provocado em especial pela degringolada moral e escasso valor humano dos dirigentes que vencem as eleições com promessas ocas e engodos indecentes, constituindo na prática (outra vez, eliminando as honrosas exceções) triste amontoado incapaz das mais comezinhas noções de bem comum e senso de governo; a mais, foco de roubalheiras, indiferença à sorte popular e desconhecimento do que seja aperfeiçoamento da sociedade e do Estado. Para muitos dos brasileiros, a qualificação correta vai mais fundo, seriam menos que amontoados, constituiriam, à vera, monturos, lupanares autênticos, onde se traficam honra, propinas e favores torpes.

 

A trágica situação evidencia opção preferencial pelo atraso. E, aqui, em especial exclusão sobretudo dos mais gabaritados e melhores, que teriam condições de contribuir mais para a ascensão popular. Significa, de outro lado, adiar, sabe Deus para quando, a inclusão social de milhões, impedindo-lhes vida digna. Crueldade de insensíveis.

 

Depois de recordar o que hoje se encarapita no mundo oficial, obedeço de novo a meu amigo e revelo o que dele recebi. A lista é a representação federal mineira nas eleições de 1954, 39 deputados federais. Entre eles, Ovídio de Abreu, Bilac Pinto, José Maria Alkmin, Israel Pinheiro, Magalhães Pinto, Último de Carvalho, Milton Campos, Carlos Luz, Nogueira da Gama, Oscar Dias Corrêa, José Bonifácio, Gustavo Capanema, Afonso Arinos, Otacílio Negrão de Lima, Artur Bernardes, Rondon Pacheco, Pinheiro Chagas, Mário Palmério, Tristão da Cunha, Gabriel Passos. Dos 39, escolhi 20, um tanto aleatoriamente. Os não constantes, regra geral, fazem também boa figura. Não analiso aqui posições políticas, nem sua contribuição positiva ou negativa ao Brasil. Todo político é controvertido. Meu foco é outro: tipos humanos, padrão, personalidade, gente moldada para a vida pública, apta a trabalhar com eficiência pelo bem comum. Via de regra, os referidos representantes viviam imersos em ambientes embebidos de hábitos de sobriedade, morigeração, decência, cortesia ▬ ali moldavam a personalidade, instrução, exemplos, até por osmose. E, sem restauração de tais cadinhos de norte a sul, o Brasil não tem jeito. Se a eles dermos as costas, serão inúteis, por vezes contraproducentes, esforços por um mundo mais justo e solidário; mais cristão, enfim. Nenhuma árvore é viçosa sem raízes saudáveis.

 

Recuo 20 anos, foco num aspecto da Constituinte de 1933. Plinio Corrêa de Oliveira, seu deputado mais jovem e mais votado, assim descreve o clima ali reinante  em artigo para “O Legionário” (10-12-1933): “À medida que vão passando os dias, os diversos tipos de deputados se vão definindo perfeitamente e os hábitos, usos e costumes da nova Constituinte são consolidados pela prática. A primeira impressão que me deu a Constituinte foi a de um enorme e suave aquário de água morna, banhado por uma luz brandamente pálida, em que evoluíam, com a discrição silenciosa com que só os peixes sabem evoluir, os tubarões ou as sardinhas da política nacional. Só quem conhece o Palácio Tiradentes pode apreciar a justeza da comparação. Tudo nele é rico, discreto e acolchoado, desde a poltrona em que pontifica o Sr. Antônio Carlos, até a cadeira de engraxate instalada na barbearia. Neste ambiente [...] circulam os representantes da nação brasileira, com uma gentileza recíproca sem igual. Realmente, a cortesia é a nota característica de nossa Constituinte. [...] Outro aspecto curioso é a diferenciação das atividades. Há os deputados de tribuna, e há os de corredor. Os primeiros são os líderes dos grandes torneios oratórios. Sua ação é essencialmente explosiva e detonante. São a artilharia pesada. Ao lado destes, há os de corredor. São os líderes do cochicho e da confabulação. Afetam um desdém condescendente para com os grandes debates oratórios, de que não sabem participar. O tipo intermediário mais característico é o do líder da maioria, Sr. Oswaldo Aranha. Ora S. Exa. conversa discretamente com algum colega, alheio ao discurso, mesmo quando está em causa na verrina do orador, ora intervém nas menores questões, aparteando com frases proferidas no tom em que Júpiter tonante desfechava seus raios. Dado o aparte, volta-se para os circunstantes, a procurar com os olhos um contendor, para continuar mais baixo a discussão entabulada. Retira-se depois do recinto, com a fisionomia satisfeita de si mesmo, distribuindo para a esquerda e para a direita sorrisos mágicos, que eletrizam e enchem de sol o semblante dos beneficiados. Com o olhar admirado e solícito, certos deputados ainda o acompanham de longe, com a vista. E, no seu porte dobradiço e na sua atitude reverente, há alguma coisa que diz aos profanos: Voilà le soleil (Eis o sol)”.

 

Do texto, destaco informação especialmente reveladora, o ambiente afável ▬ discrição, cortesia e gentileza realçou o prof. Plinio Corrêa de Oliveira. O que sobrou de tais tesouros no Brasil contemporâneo? Repito, o ar ali existente era reverberação de costumes generalizados em círculos familiares. Saber valorizá-los seria começo enérgico no rumo certo. O Brasil progrediria, com grande vantagem em especial para seus setores mais vulneráveis.

 

Solução? Antes de qualquer esboço a respeito, transcrevo opinião de Gilberto Amado, contém partes da solução: “É um axioma da ciência política verdadeiro em todos os regimes — no regime democrático como nos demais — que a sociedade deve ser dirigida pelos mais avisados (sages), pelos mais inteligentes, pelos mais capazes, pelos melhores, em uma palavra pela elite. [...] O nosso papel aqui, ao estudarmos a marcha do sistema representativo, é procurar os meios normais, fixar as etapas sucessivas, desse esforço da grei humana na sua ascensão para o governo livre. É um axioma, como dissemos no começo, que todo sistema de governo [...] só se pode realizar pela escolha dos mais capazes, dos mais inteligentes, dos mais instruídos. Essa escolha no sistema democrático está nas mãos do sufrágio universal.” Sem tal caminho, flui das palavras de Gilberto Amado, não caminhamos (ascendemos) para um governo livre. De outro modo, a degradação da representação política é marcha para a tirania e o retrocesso.

 

Enfim, a classe política de que dispõe o país quase só traz decepções amargas. Bastaria recordar uma das manifestações disparatadas e até meio delirantes da presidente Dilma Rousseff, um dos mais luzentes exemplares dela, esta em Nova York, diante de jornalistas pasmos: “Até agora, até agora, a energia hidroelétrica é a mais barata. Em termos do que ela dura, da sua manutenção e também pelo fato da água ser gratuita. I da genti podê istocá. Cê, o vento podia sê isso também, mas ocê num conseguiu ainda tecnologia pra istocá vento. Então se a contribuição dos outros países, vamos supô que seja, desenvolver uma tecnologia que seja capaz de na eólica istocá, ter uma forma docê istocá, porque o vento ele é diferente em horas do dia, então vamos supô que vente mais à noite, cumé queu faria pra istocá isso. Hoje nós usamos as linhas de transmissão, cê joga de lá pra cá, de lá pra lá, pra podê capturá isso, mais si tivé uma tecnologia desenvolvida nessa área, todos nós nos beneficiaremos, o mundo inteiro”.

 

De fato, poderíamos beneficiar a nós e ao mundo inteiro se pudéssemos ter um conjunto de homens públicos à altura da nobre missão de governar. O primeiro passo na direção correta, obrigação de cidadania ativa, é ter o problema claro. Outro ponto, recuperar a noção da importância dos ambientes domésticos (ou seja, da família). Só ali em geral se engendram fundamentos reais para a posterior formação de lideranças benfazejas ao bem comum ▬ políticas, é certo, mas necessárias em todos os âmbitos da vida social. Sei que não é exposição da solução, não resolve a gravidade do quadro, mas, creio, traz à baila aspecto por vezes esquecido, que da solução está no eixo principal.

 

As boas comparações esclarecem; em particular se delas brotar a clareza, nutriente para esperanças fundadas na realidade e não em utopismos desviantes ou romantismos paralisantes.