Cientificamente viciados
Péricles
Capanema
Isso é para você, sua
família, seus amigos. Observe num ônibus, num trem: boa parte das pessoas está
desinteressada da paisagem e dos próximos. Examinam seus celulares. Assiste a
uma aula e até a uma conferência; parcela expressiva não olha para o professor
ou palestrante, tem as retinas fixas nos respectivos celulares. Está num
restaurante, presta atenção nos vizinhos. Porcentagem alta não está conversando.
Desinteressada dos convivas, entretém-se com os celulares.
Fenômeno natural? Os
assuntos ventilados nas redes sociais são muito interessantes? Tristan Harris
tem muito a dizer. Quem é ele? Gente do ramo. Grande especialista, morador do
Vale do Silício na Califórnia, fundador de start-up
que vendeu para o Google, antigo funcionário dessa empresa e da Apple. Agora, diante
da gravidade de sintomas que observou alarmado, resolveu alertar o público a
respeito de problemas de utilização útil do tempo causados pela generalização
das redes sociais. Segundo ele, bilhões, com grave prejuízo pessoal, sem se dar
conta, estão perdendo muito tempo nas redes sociais. Fenômeno universal, a
vagabundagem cultivada repercute fundo na psicologia, equilíbrio mental, bem-estar,
comportamento, vida profissional e familiar. Todo mundo sabe, quem perde tempo,
esperdiça a vida.
Para confrontar a
questão, Tristan Harris fundou a Time
Well Spent (Tempo Bem Gasto), organização não-governamental sem fins
lucrativos, hoje já muito atuante nos Estados Unidos (a respeito a revista Veja
traz ampla reportagem na edição de 7 de dezembro; a maioria dos dados do
presente artigo está lá).
Afirma Harris, os
produtos das empresas que operam as redes sociais são concebidos primordialmente
para sequestrar o tempo dos usuários. Garante com conhecimento de causa: “O
sucesso desses produtos é medido pela quantidade de tempo que eles capturam dos
usuários. Milhares de engenheiros e designers desenvolvem tecnologias capazes
de persuadir indivíduos a não largar delas. Nós, os designers e os programadores
que criamos os algoritmos comparamos esse vício à operação de um caça-níqueis”.
Constata o
especialista: “A maioria dos seres humanos crê, ingenuamente, que tem controle
total sobre tudo”. Para ele, é o contrário: “Quase sempre, a tecnologia nos
influencia e nos conduz. Do outro lado da tela, na sede do Google ou da Apple,
há profissionais como designers e engenheiros – eu fui um deles – trabalhando
para que seus clientes não parem de usar seus produtos”. Criam sensações
enganosas: “Essa tropa desenha tudo, de forma a transmitir a falsa sensação aos
usuários de que eles estão no controle. Não estão. Bilhões de dólares são
investidos para que uma pessoa, ao se conectar a uma rede social, não consiga parar
de mover a barra de rolagem para baixo. Não é maldade, nem magia, só parte do
negócio. As empresas têm como objetivo capturar nosso tempo, e por meio dele
ganhar dinheiro”. Coloca atenuantes: “Isso não quer dizer que os fundadores e
os funcionários dos gigantes da tecnologia sejam do mal. Sou um deles e vivo
entre eles, meus amigos”.
Vai adiante na
cruzada contra o que chama de sequestro da atenção: “É possível persuadir a
mente com uma série de técnicas”. Discorre então sobre algumas delas, com base
na curiosidade inata aos homens e nas recompensas, até mesmo psicológicas. “É
um círculo vicioso, criado pelos engenheiros e designers que desenvolveram a
plataforma. Sair dele é tarefa árdua, pois teríamos de batalhar contra
instintos enraizados na mente. Não à toa, em universidades de ponta como
Stanford, onde estudei, pesquisamos como se dá o funcionamento da mente para
fabricar máquinas aptas a controlá-la. Temos conhecimento da biologia humana e,
com essa base, a influenciamos. Não é por acaso que os melhores designers de
empresas como Apple e Google contam com salários milionários”.
Tristan Harris não
chega a comparar o viciado em redes sociais com o dependente de cocaína. Vê
nelas, de fato, e até fundadamente, aspectos positivos relevantes. Mas aceita a
comparação com a indústria dos alimentos de trinta anos atrás, que induzia
patologicamente ao consumo excessivo do açúcar. “Até os anos 90, consumidores,
em sua maioria, não viam problema em se entupir de junk food. Quanto mais comiam, mais queriam, acabavam viciados em
açúcar. Este tipo de dieta destrói o organismo. Tem que ser uma mudança como a
que ocorreu com o mercado alimentício. É urgente que as pessoas compreendam
quanto é prejudicial a dependência de redes sociais e aplicativos. Tomam o
tempo que poderia ser dedicado à produção profissional ou ao convívio
familiar”.
Como conclusão, destaco
os dois pontos da exemplificação. O primeiro, a produção profissional. As redes
sociais prejudicam o estudo sério, necessário para o exercício proficiente de
grande número de profissões. Lembro uma só delas, a medicina. É grave consequência
contrária não só à vítima, mas também ao bem comum. Convívio familiar, o
segundo. As redes sociais, inibindo o contato de familiares, dificultam entre
outros pontos o enraizamento do afeto, indispensável para o aperfeiçoamento
humano na infância e à segurança na velhice. A mais, minguam a conversa, essencial
na socialização familiar. No mais amplo sentido, é todo o futuro em cheque. Conhecer
bem o tema é o primeiro passo da solução.
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