Ventos
de restauração, presente de Natal
Péricles Capanema
Em artigo recente, intitulado Cristandade, festejei, embora admitindo
eventuais senões, a consagração do Peru ao Sagrado Coração de Jesus e ao
Imaculado Coração de Maria. Na ocasião, notei: “Cristandade,
realidade esquecida, enterrada, até vilipendiada. O progressismo a abomina,
tantos católicos, mesmo de boa orientação, substituem o termo por outros,
temerosos de empregar anacronismo não mais aceito, nem sequer tolerado em
certos círculos. Na Grécia antiga pela pena do ostracismo o cidadão era expulso
do convívio de seus pares. Cristandade parece tê-la sofrido. Fale dela em seus
círculos, qualquer deles, vão torcer o nariz. Deveria ser o contrário”.
O presidente peruano
Pedro Pablo Kuczynski tem antepassados na Polônia. E é de consagração e
Cristandade na Polônia, que vou tratar agora. É preciso repetir o que afirmei no
outro artigo, tudo o que lembra Cristandade merece registro. E na Polônia teve
outra importância que no Peru.
Cracóvia. Em 19 de
novembro, ecoando prática tradicional na Igreja, infelizmente de há pelo menos
algumas décadas virtualmente abandonada, os bispos da Polônia, o presidente da
República, o primeiro-ministro, os presidentes da Dieta (espécie da Câmara dos
Deputados), do Senado, ministros, deputados, diante de aproximadamente cem mil
fiéis consagraram a Polônia a Cristo Rei.
De passagem, estou
certo e constato com tristeza: mesmo longinquamente, nada do que aconteceu na
Polônia será promovido entre nós pela CNBB e por titulares do Poder Público. A
última da CNBB: condenar a PEC 241, a do teto nos gastos públicos, como de
hábito somando sua voz à gritaria estridente do PT, PC do B, MST e agitadores
congêneres. Ao mesmo tempo, manter silêncio, pelo menos até agora, também com
muito de habitual, a respeito da ampliação dos casos de aborto, autorizada pela
1ª turma do STF (até o terceiro mês da gestação já não é mais crime).
Volto à Polônia. O
ato solene, precedido de novena de preparação, realização no sábado em Cracóvia,
foi repetido no domingo em todas as igrejas do País. Abaixo, trechos da
consagração. Começa assim: “Ó Rei imortal de todas as épocas, Senhor Jesus Cristo,
nosso Deus e Salvador. Neste ano jubileu do 1050º aniversário do batismo da
Polônia, neste jubileu extraordinário da misericórdia, nós, os poloneses,
colocamo-nos diante de vós, com nossas autoridades, o Clero e o laicato, para
reconhecer vosso reino, submeter-nos à vossa lei, consagrar-vos nossa pátria e
todo o nosso povo. Diante do Céu e da Terra confessamos que temos necessidade
de vossa lei. Reconhecemos que só vós tendes uma lei santa e perene para nós.
Por isso, humildemente, inclinando a cabeça diante de vós, Rei do Universo,
reconhecemos vossa soberania sobre a Polônia e todo nosso povo vivendo na
pátria e disperso pelo mundo”. O texto especifica em que condições pede a Nosso
Senhor Jesus Cristo que reine; destaco: “Em nossos corações; em nossas
famílias; em nossas paróquias; em nossas escolas e universidades; em nossos
escritórios, lugares de trabalho, serviço, repouso; em nossas cidades e vilas;
em toda a nação e no Estado polonês”. Faz agradecimentos por graças recebidas:
“Pela graça do batismo e aliança com nosso povo ao longo dos séculos; pela
presença maternal e real de Maria em nossa história; pela vossa fidelidade, apesar
de nossas traições e fraquezas”. Ecoando o ensinamento tradicional de que a
consagração é uma renovação das promessas do batismo, afiança: “Renunciamos ao
demônio e a todas suas obras”. A seguir enuncia compromissos (nós nos
comprometemos), de onde retiro: “a ordenar toda nossa vida pessoal, familiar e
nacional segundo vossa lei; a cuidar da santidade de nossas famílias e da
educação cristã de nossos filhos; a construir vosso reino e a defende-lo em
nossa nação”. Termina assim: “Aqui, a Polônia, por ocasião do 1050º de seu
batismo, aceitou oficialmente a realeza de Jesus Cristo. Glória ao Pai, ao
Filho, ao Espírito Santo, assim como era no princípio, agora e para sempre.
Amém”.
O valor de uma
consagração depende da pureza de intenção, da seriedade em conformar a vida
privada e pública ao que as palavras significam. No caso polonês, só o futuro
nos informará, rezemos para que a nação corresponda a este favor celeste. A cerimônia,
a solenidade, a representatividade, o texto, a união do poder temporal e da
Hierarquia num só movimento de religião mostram, lá permanecem vivas não apenas
a convicção de que atitudes dessa magnitude dão especial glória a Deus, mas
ainda a noção da enorme importância da ordem temporal cristã na salvação das
almas. Ademais, evidencia adesão a seu passado cristão.
Sucedeu aqui uma
santa insistência dos fiéis, merece ser posta em relevo. Em 2008, o Episcopado
desestimulou como inadequada e desnecessária consagrar o País a Cristo-Rei,
resistindo a justificados e reiterados pedidos. Com pano de fundo os
ensinamentos tradicionais dos Papas, expostos em especial na Quas Primas de Pio XI, continuaram a
campanha setores do Clero, do laicato, deputados católicos. Acabaram dobrando o
Episcopado aderiu.
Em suma, os fatos
autorizam esperanças de que no interior do Catolicismo polonês sopram ventos de
restauração cristã, prenúncio de chuva criadeira. Rorate coeli desúper et nubes pluant Justum (derramai, ó céus, o
vosso orvalho e as nuvens chovam o Justo). Nesse século carente de bons exemplos,
temos aqui luminoso bom exemplo, belo presente de Natal.
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