domingo, 11 de dezembro de 2022

Tranquilidade mentirosa

 

Tranquilidade mentirosa

 

Péricles Capanema

 

Aflição auspiciosa. No Brasil inteiro, setores expressivos estão agoniados. Manifestam-se, às vezes de forma crescente, temerosos, irrequietos, angustiados. Temem padecer na frente anos de chumbo. De outro modo, sentem o ar pesado, tóxico, quem sabe letal, prenunciativo de desastres. Têm razão, devem ser apreciados, afinal, são sentimentos, via de regra, nutridos por amor patriótico. no título me refiro à tranquilidade, mas, à vera, trato de outro fenômeno, da ilusória e artificial tranquilidade que estadeiam jornalistas, políticos, homens de negócio. “’No pasa nada’, vai melhorar, pensamento positivo, energias boas”. Enfim, se não é fenômeno de opinião pública, certamente parte influente da opinião que se publica difunde ▬ artificial e ilusória. Enganadora.

 

Crueldade com os pobres, insensibilidade com a dor dos mais vulneráveis. Contudo, mesmo na fatia dos que se diziam esperançados, pipocam exceções, cada vez mais loquazes, gente antes às vezes vítima de mistificações, entorpecida, embalada por promessas falaciosas, agora rijamente esbofeteada pela realidade ameaçadora. Surpreendida, deplora o que vê; aqui também há uma pitada auspiciosa. Muitos dos que apoiaram políticas de apaziguamento e entrega com a Alemanha nazista, reconsiderando a situação, tornaram-se sinceramente peças ativas e valiosas no esforço de guerra inglês, sob a batuta de Winston Churchill. Um sintoma entre muitos, para mim expressivo. Elena Landau, responsável pelo programa econômico de Simone Tebet, havia declarado: “Meu voto é contra a reeleição de Bolsonaro. É preciso dar um freio a Bolsonaro”. Escreveu no dia 9 de dezembro, pouco mais de um mês após o 2º turno: “O PAC está de volta. Uma conta de R$200 bilhões estava fora de qualquer cenário. ‘Gasto é vida’ está de volta. O orçamento secreto continua. E não se fala em cortes. Toda essa desorganização das contas públicas vem sendo defendida em nome da população carente. Frustrante ver que nada se aprendeu com o passado. Os mais pobres serão os primeiros a sofrer as consequências inevitáveis da irresponsabilidade fiscal”.

 

Índole perversa. O programa socialista (está no seu DNA), os retrocessos históricos em série servem de constatação macabra, é apocalíptica empresa de atrofia social (e pessoal). Décadas afora, a doutrina, enraizada na mitomania igualitária, põe a nu a índole perversa, geradora de pobreza, exclusão e tirania. É o que ameaça agora todo o Brasil, de forma especial os setores mais vulneráveis; por isso, é tão viva e inconformada a reação. O martírio popular sucedeu em Cuba, aconteceu na Correia do Norte, o mesmo na Venezuela, está infelicitando a Argentina, está sujeitando a Nicarágua. Foi o dia a dia medonho atrás da antiga Cortina de Ferro, que encarcerava os infelizes e ocultava o horror. Cresceu em todos esses países a mancha social da pobreza, até da mais extrema, pintalgada por pontos odientos, ocupados pelos privilegiados (aproveitadores aos montes) do regime ▬ aparatchiks, Nomenklatura, membros e associados do governo e do partido dominante, que oprimiam (e oprimem) vastas e desassistidas maiorias. Beneficiaram-se (e se beneficiam) de clínicas especiais, compram nos bodegones, frequentam lojas onde só se entra com autorização estatal e vai por aí afora na mesma toada.

 

Crescente mancha social da pobreza. Tendo como pano de fundo desilusão de muita gente, que certamente tenderá a crescer, urge estimular a expansão de correntes de opinião amplas, orientadas à defesa dos princípios básicos da ordem temporal cristã, lúcidas, ativas, judiciosamente legalistas e pacientes, agindo em especial nas camadas letradas de qualquer condição social. Por que enfatizo camadas letradas? Pareceria deixar de lado o povo mais simples, renda baixa e letras escassas. De modo algum, apenas constato desconsolado, é difícil, é raro, que se manifeste com o dinamismo reclamado pela gravidade da situação. É compreensível, tem bom senso enraizado, mas em vista da situação global, dispõe de insuficientes instrumentos de análise. Preocupa-se em geral de maneira por vezes até obsessiva (quanta razão lhe dou) com alimentação, educação dos filhos, moradia, emprego, necessários auxílios estatais. Sobra pouco ou nenhum espaço mental para considerações relativas ao bem comum. Certa vez, enorme talento de escritor multifacético, Nelson Rodrigues escreveu: “A fome é mansa e casta. Quem não come, não ama, nem odeia”.

 

Rumo. Na verdade, repiso, só há uma esperança tangível, sólida, com a qual se poderia contar autenticamente: é o crescimento do movimento acima mencionado. Sei, tema vastíssimo, mas de seu conhecimento e encaminhamento inteligente depende nosso futuro como pessoas livres (com crescente autonomia) e nação cristã. Aqui apenas é possível sugerir linhas gerais de ação. Cabe a cada um, em seu ambiente, aprofundá-lo, refletir, informar-se, tomar posição, agir.

 

Inclusão paulatina e crescente. Uma consideração final. O regime em que se respeita a propriedade privada e estimula a livre iniciativa, com todos os defeitos inerentes às coisas humanas, historicamente tem mostrado resultado de sentido inverso à exclusão social criada invariavelmente pelos regimes com forte inspiração socialista. Promove de forma gradual gigantesca inclusão social, diminui vulnerabilidades, fortalece autonomia, dinamiza e amplia oportunidades. São avanços civilizatórios. O coletivismo estatal, empurrão decidido em sentido contrário, por sua vez, também mostra frutos inafastáveis: atrofia personalidades, sufoca oportunidades, asfixia iniciativas, abafa inovações. Retrocede no rumo da apatia.

 

Inconformidade com potencial restaurador. Repito, a tranquilidade é artificial e ilusória, fruto de miasma apaziguador, inalado na opinião que se publica. Tudo pode ser salvo se a melhor parte da opinião nacional, recusando diretrizes desorientadoras, evitando precipitações, fugindo de soluções que arranham o império da lei, com viço e fortaleza, manter abertos os olhos e claros os objetivos. Em linhas muito gerais, são os de sempre, sintetizados na expressão ordem temporal cristã.

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