Tranquilidade mentirosa
Péricles Capanema
Aflição
auspiciosa. No Brasil inteiro, setores expressivos
estão agoniados. Manifestam-se, às vezes de forma crescente, temerosos,
irrequietos, angustiados. Temem padecer na frente anos de chumbo. De outro modo,
sentem o ar pesado, tóxico, quem sabe letal, prenunciativo de desastres. Têm
razão, devem ser apreciados, afinal, são sentimentos, via de regra, nutridos por
amor patriótico. no título me refiro à tranquilidade, mas, à vera, trato de
outro fenômeno, da ilusória e artificial tranquilidade que estadeiam
jornalistas, políticos, homens de negócio. “’No pasa nada’, vai melhorar,
pensamento positivo, energias boas”. Enfim, se não é fenômeno de opinião pública,
certamente parte influente da opinião que se publica difunde ▬ artificial e
ilusória. Enganadora.
Crueldade
com os pobres, insensibilidade com a dor dos mais vulneráveis. Contudo,
mesmo na fatia dos que se diziam esperançados, pipocam exceções, cada vez mais loquazes,
gente antes às vezes vítima de mistificações, entorpecida, embalada por
promessas falaciosas, agora rijamente esbofeteada pela realidade ameaçadora. Surpreendida,
deplora o que vê; aqui também há uma pitada auspiciosa. Muitos dos que apoiaram
políticas de apaziguamento e entrega com a Alemanha nazista, reconsiderando a
situação, tornaram-se sinceramente peças ativas e valiosas no esforço de guerra
inglês, sob a batuta de Winston Churchill. Um sintoma entre muitos, para mim
expressivo. Elena Landau, responsável pelo programa econômico de Simone Tebet, havia
declarado: “Meu voto é contra a reeleição de Bolsonaro. É preciso dar um freio
a Bolsonaro”. Escreveu no dia 9 de dezembro, pouco mais de um mês após o 2º
turno: “O PAC está de volta. Uma conta de R$200 bilhões estava fora de qualquer
cenário. ‘Gasto é vida’ está de volta. O orçamento secreto continua. E não se
fala em cortes. Toda essa desorganização das contas públicas vem sendo
defendida em nome da população carente. Frustrante ver que nada se aprendeu com
o passado. Os mais pobres serão os primeiros a sofrer as consequências inevitáveis
da irresponsabilidade fiscal”.
Índole perversa. O programa socialista (está no seu DNA), os
retrocessos históricos em série servem de constatação macabra, é apocalíptica empresa
de atrofia social (e pessoal). Décadas afora, a doutrina, enraizada na
mitomania igualitária, põe a nu a índole perversa, geradora de pobreza,
exclusão e tirania. É o que ameaça agora todo o Brasil, de forma especial os setores
mais vulneráveis; por isso, é tão viva e inconformada a reação. O martírio
popular sucedeu em Cuba, aconteceu na Correia do Norte, o mesmo na Venezuela,
está infelicitando a Argentina, está sujeitando a Nicarágua. Foi o dia a dia medonho
atrás da antiga Cortina de Ferro, que encarcerava os infelizes e ocultava o
horror. Cresceu em todos esses países a mancha social da pobreza, até da mais
extrema, pintalgada por pontos odientos, ocupados pelos privilegiados (aproveitadores
aos montes) do regime ▬ aparatchiks, Nomenklatura,
membros e associados do governo e do partido dominante, que oprimiam (e
oprimem) vastas e desassistidas maiorias. Beneficiaram-se (e se beneficiam) de
clínicas especiais, compram nos bodegones, frequentam lojas onde só se entra
com autorização estatal e vai por aí afora na mesma toada.
Crescente
mancha social da pobreza. Tendo como pano de fundo desilusão de
muita gente, que certamente tenderá a crescer, urge estimular a expansão de correntes
de opinião amplas, orientadas à defesa dos princípios básicos da ordem temporal
cristã, lúcidas, ativas, judiciosamente legalistas e pacientes, agindo em
especial nas camadas letradas de qualquer condição social. Por que enfatizo camadas
letradas? Pareceria deixar de lado o povo mais simples, renda baixa e letras
escassas. De modo algum, apenas constato desconsolado, é difícil, é raro, que
se manifeste com o dinamismo reclamado pela gravidade da situação. É
compreensível, tem bom senso enraizado, mas em vista da situação global, dispõe
de insuficientes instrumentos de análise. Preocupa-se em geral de maneira por
vezes até obsessiva (quanta razão lhe dou) com alimentação, educação dos
filhos, moradia, emprego, necessários auxílios estatais. Sobra pouco ou nenhum
espaço mental para considerações
relativas ao bem comum. Certa vez, enorme talento de escritor multifacético,
Nelson Rodrigues escreveu: “A fome é mansa e casta. Quem não come, não ama, nem
odeia”.
Rumo.
Na verdade, repiso, só há uma esperança tangível, sólida, com a qual se poderia
contar autenticamente: é o crescimento do movimento acima mencionado. Sei, tema
vastíssimo, mas de seu conhecimento e encaminhamento inteligente depende nosso
futuro como pessoas livres (com crescente autonomia) e nação cristã. Aqui
apenas é possível sugerir linhas gerais de ação. Cabe a cada um, em seu
ambiente, aprofundá-lo, refletir, informar-se, tomar posição, agir.
Inclusão paulatina e crescente. Uma consideração final. O regime em que se
respeita a propriedade privada e estimula a livre iniciativa, com todos os
defeitos inerentes às coisas humanas, historicamente tem mostrado resultado de sentido
inverso à exclusão social criada invariavelmente pelos regimes com forte
inspiração socialista. Promove de forma gradual gigantesca inclusão social,
diminui vulnerabilidades, fortalece autonomia, dinamiza e amplia oportunidades.
São avanços civilizatórios. O coletivismo estatal, empurrão decidido em sentido
contrário, por sua vez, também mostra frutos inafastáveis: atrofia
personalidades, sufoca oportunidades, asfixia iniciativas, abafa inovações. Retrocede
no rumo da apatia.
Inconformidade com potencial restaurador. Repito, a tranquilidade é artificial e
ilusória, fruto de miasma apaziguador, inalado na opinião que se publica. Tudo
pode ser salvo se a melhor parte da opinião nacional, recusando diretrizes
desorientadoras, evitando precipitações, fugindo de soluções que arranham o
império da lei, com viço e fortaleza, manter abertos os olhos e claros os
objetivos. Em linhas muito gerais, são os de sempre, sintetizados na expressão
ordem temporal cristã.
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