Embuste
Péricles Capanema
Ambiguidade, tática generalizada. Até agora, com surpreendente êxito,
pelo que se percebe. Políticos e personalidades dos mais variados âmbitos
da vida pública (melhor, da vida que se publica) brasileira estão manifestando apoio
a Lula no 2º turno, alegando como razão principal ou única o compromisso com a democracia
da chapa petista ▬ PT, PCdoB, PV, PSB, PSOL, Rede, Solidariedade, Avante e Agir.
Compromisso que autenticamente não pode existir se o PT não renegar princípios e
atuação política de décadas num mesmo rumo. Conduta e princípios, reitero. Se renegar,
o que sinceramente duvido, ótimo. Estaria aberto o caminho para aceitar o compromisso
de não lesar a democracia e respeitar a Constituição. Se não renegar, o compromisso
(que até agora de forma inequívoca não houve, haja vista a recorrente afirmação
de regulamentar a imprensa), será hipócrita, oco, mero engodo para obter apoios
políticos e votos. Outra razão alegada pelos adesistas (kerenskys de 2022), a expectativa
de condução responsável da economia, mesmo com atropelos na prática democrática.
Haverá tal condução? Análise madura, enraizada na experiência anterior e na história
de partidos semelhantes, apontam para destruição dos fundamentos saudáveis da economia, três dos quais, já se vê, inexistirão certamente: âncora fiscal, segurança
jurídica, atração de investimentos. Daí, menos emprego, menos renda, salários
mais baixos. O que se ouviu até agora da parte de economistas e figuras do setor
financeiro foi decepcionante, para dizer o mínimo, aceitação de um cheque em branco.
Na prática, a coligação lulista recebe os apoios, mas continua nadando no pântano
das ambiguidades. Nenhuma clareza, nenhum compromisso formal.
Retrocesso, atraso, obscurantismo. A ausência de limpidez, a fuga célere
dos esclarecimentos, a obscuridade empregada como arma política, a persistente e
difusa ambiguidade, a manutenção obstinada incerteza quanto aos rumos, a confusão
em que potenciais aliados são mantidos, a opacidade cultivada (não transparência)
geram profunda suspeição quanto à conduta futura, degradam a vida pública e adensam
o ambiente obscurantista, já pesadamente tóxico. São retrocessos na dura caminhada
nacional rumo a uma vida pública decente. Esta ambiguidade, contudo, no caso esconde
clareza solar, facilmente perceptível para observadores atentos. As razões
últimas do procedimento petista são diáfanas: já existem os compromissos e as intenções
e eles não serão abandonados. No máximo, se pressionados, serão aplicados com gradualismo
▬ é programa de asfixia progressiva de direitos, possibilidades e liberdades.
Embuste e exclusão social. Uma vida pública estaqueada despudoradamente
sobre a ambiguidade significará a aceitação permanente do embuste como componente
da política brasileira. Levará para a exclusão, afugentará da benéfica
participação nos assuntos do bem comum milhões e milhões, dispersos em todas as
condições sociais, desgostosos com o ambiente carente de decência, clareza e firmeza.
O que, obviamente, dificultará a inclusão social crescente, sempre urgente, proveitosa
e necessária dos excluídos da sociedade brasileira. Inibirá avanços
civilizatórios.
Democracia fake como recurso eleitoral.
Para legitimamente afirmar
que o PT e Lula representam garantia democrática, já disse e repito por
necessário, é indispensável deles exigir previamente a censura às ditaduras liberticidas
do mundo inteiro. Não quer a democracia e nem a garante quem apoia Cuba, Venezuela,
Nicarágua, Rússia e China. E repetidamente os apresenta como inspiração. Todos viram,
os tiranos no mundo inteiro ficaram eufóricos com a vitória de Lula no 1º turno.
A euforia das tiranias evidencia rumo incontroverso em possível vitória
petista. Exemplo disso constitui a carta jubilosa de Daniel Ortega, o cruel ditador
da Nicarágua, que anda encarcerando os bispos católicos que cometem a ousadia
suprema de discordar de sua repressão dos anseios populares: “Querido companheiro
e irmão Lula: a luta continua e a vitória é certa, estamos com vocês, com Rosângela,
Dilma, Gleisi, percorrendo novos caminhos”.
Princípios liberticidas. Não basta exigir que reneguem o
comportamento. Por obrigação de coerência, imposição da incoercível força da
lógica, é preciso ir além e mais fundo. A persistente e reveladora conduta liberticida
do PT, que vem desde sua fundação há mais de 40 anos, apoiando por todos os modos,
até financeiramente, tiranias mundo afora (antidemocráticas, em outras palavras)
está em consonância com seus princípios fundacionais; melhor, decorre deles. Uma
coisa é pendor autoritário, outra, pior, é doutrina totalitária. E é totalitária
a doutrina fundacional do PT, alma propulsora da organização e de seu modo de
agir, nunca renegada, exposta, aliás, de modo aberto, em sua “Carta de Princípios”,
datada de 1º de maio de 1979, postada há anos com destaque no site do partido. Proclama
ali basear sua concepção de governo na democracia direta ▬ nenhuma palavra de compreensão
para a democracia representativa ▬ dirigida pelos trabalhadores [uma das maneiras
de afirmar que visa o governo dos sovietes]: “[o PT] afirma, outrossim, que buscará
apoderar-se do poder político e implantar o governo dos trabalhadores, baseado nos
órgãos de representação criados pelas próprias massas trabalhadoras com vista a
uma primordial democracia direta”. Conselho de trabalhadores; soviet em russo é
conselho. Não só o PT desperta preocupação. O mais importante aliado do PT na
chapa, o PSB, tem programa descarado (meta ambicionada, a ser perseguida
paulatinamente) que nega a propriedade privada no campo ▬ estatização total. No
futuro, segundo os delírios programáticos do PSB, o agro nacional será composto
de grandes fazendas estatais, “kolkhozes”, modelo já aplicado por décadas, para ser claro. O PSB em seu programa reconhece
disfarçadamente realidade em geral ocultada: o desastre pavoroso do atual
modelo de reforma agrária que empilha fracassos, vai abandoná-lo. O texto traz
pequena concessão ao estatismo delirante: para pequenas propriedades, será
facultado usufruto para particulares, quando necessário, mantido o domínio estatal.
Aqui vai o programa do PSB, postado no site do partido: “Da terra: a socialização
progressiva será realizada [...] organizando-se em fazendas nacionais e fazendas
cooperativas assistidas. [...] O programa de latifúndio será resolvido por este
sistema de grandes explorações, pois sua fragmentação trará obstáculos ao progresso
social. [...] Será facultado o parcelamento das terras da nação em pequenas porções
de usufruto individual, onde não for viável a exploração coletiva”. Não
esclarece se o domínio das fazendas coleitvas será do Estado; é o que seria coerente
com a inspiração geral do programa de funda raiz socialista, ódio à propriedade
particular. De outro modo, dezenas de milhões de empregados do Estado ou dele
dependentes, sujeitos a gigantescas estruturas burocráticas. Receita certa para
atraso, retrocesso, tirania, pobreza, roubalheira. E o modelo conselhista de
governo (sovietes), ambicionado pelo PT, também, na prática, trouxe, não o mítico
governo dos trabalhadores, mas a tirânica direção burocrática partidária do
Partido Comunista, que tudo esmagou. Tirania e pobreza para o povo, no meio do desperdício
generalizado, roubalheira correndo solta, atrofia e asfixia sociais. É o
resultado, já comprovado pelas experiências históricas, da aplicação na prática
dos delírios ideológicos do PT e do PSB. De momento, realidade macabra que nos
ameaça, de momento pelo emprego amplíssimo do embuste, ainda que com aplicação compassada.
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