terça-feira, 14 de setembro de 2021

De ore tuo te judico (3)

 

De ore tuo te judico (3)

 

Péricles Capanema

 

Adiante; aqui vou em mais uma rápida análise do laborioso voto (109 páginas) do relator ministro Edson Fachin no Recurso Extraordinário 1.107.365. conhecido usualmente como ação do marco temporal. O artigo será o último da série, não mais atormentarei o leitor com o tema.

 

Cláusula pétrea abusiva. No voto um ponto desperta especial atenção. As cláusulas pétreas estão no artigo 60 § 4º do texto constitucional: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (i) a forma federativa de Estado; (II) o voto direto, secreto, universal e periódico; (III) III - a separação dos Poderes; (IV) - os direitos e garantias individuais”. Direitos e garantias individuais, texto claro, são cláusula pétrea. A dicção constitucional não inclui direitos coletivos. O douto relator do Recurso Extraordinário tenta esticar o alcance do inciso, vai que cola: “De início, cumpre afirmar que os direitos das comunidades indígenas consistem em direitos fundamentais [...] Essa qualificação dos direitos territoriais indígenas como direitos fundamentais acarreta quatro consequências relevantes para o julgamento do presente feito. Em primeiro lugar, incide sobre o disposto no artigo 231 do texto constitucional a previsão do artigo 60, §4º da Carta Magna, consistindo, pois, cláusula pétrea [...] resta impedido (o legislador) de promover modificações tendentes a abolir ou dificultar o exercício dos direitos {...] coletivos”. Se colar, ele colará o Brasil na agitação rural. As terras indígenas já constituem 12,2% do território nacional. Admitida a interpretação aqui proposta pelo voto do relator ▬ compunge afirma-lo, em relatório que pouco relata e muito desorienta ▬, haverá novo e fortíssimo instrumento legal para legalizar invasões, laudos antropológicos fajutas, e outros recursos dos movimentos revolucionários para coletivizar o campo. Em consequência, o Brasil padecerá inchaço na insegurança jurídica, tensão social e debandada de investimentos, com a inevitável baixa na produtividade, agravamento da pobreza e queda do emprego e renda.

 

Impedir aventuras destruidoras. O recurso extraordinário RE 1.107.365 foi interposto pela FUNAI em face de acórdão prolatado pelo TRF-4, que havia confirmado sentença de 1ª instância. Existiam assim duas decisões garantindo a reintegração de posse à Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente. ▬ FATMA. O RE sustenta, as terras em disputa eram tradicionalmente ocupadas pelos índios Xokleng. Foi dada repercussão geral ao recurso e sua decisão, se favorável, trará consequências importantes para a propriedade rural no Brasil. Teremos, é o previsível, em cascata, repito, laudos antropológicos sem fundamento real, invasões, campanhas na imprensa, pressão de movimentos revolucionários, tudo empurrando para uma só direção: transformar fazendas, boa parte altamente produtiva, em terras indígenas. Serão centenas, se não, milhares, os casos ao longo dos próximos anos. Do voto dos ministros do Supremo, como espada de Dâmocles, pende o destino do campo ▬ se próspero, se atrasado e conflituoso.

 

A vida como ela é. Na concepção cerebrina e arbitrária, compartilhada pelos movimentos indigenistas revolucionários, enquistada em redações, sacristia e academia, e agora ecoando em votos decisivos no STF, os indígenas vivem em união quase idílica com a natureza, da qual decorre modo de vida e cultura favorecedores das comunidades a que pertencem. Preservam a natureza, preservam a vida, fruem e mantêm a felicidade. Na prática, infelizmente, as terras indígenas são foco de doenças, algumas endêmicas, alcoolismo, consumo de drogas, suicídios altos, aluguel de áreas para mineração ilegal. Não são redutos de felicidade. Ficaria muito surpreso se inquérito objetivo, feito com lideranças e indígenas responsáveis Brasil afora, residentes em tais terras, não revelasse como preocupações primordiais das populações indígenas, entre outros itens, a instalação de um posto da saúde na aldeia, a construção de uma escola, o oferecimento de formação que assegurasse o futuro dos filhos, o combate ao alcoolismo, drogas e roubos. A mais de concessão sensata de liberdade econômica progressiva ▬ o que, aliás, favoreceria em muito o bem comum no Brasil. Constaria também, item de relevo, a construção de estradas que ligariam tais populações aos maiores centros de consumo e educação do Brasil. Em resumo, preocupações em larga medida iguais às dos setores mais vulneráveis no Brasil. Querem melhorar de vida, desenvolver dons, ainda largamente potenciais, que sentem palpitar em si. São reivindicações compreensíveis, justas, devem ser atendidas com urgência em toda a medida do possível.

 

Clamor pela plenitude. Concluo reafirmando, as políticas indigenistas idôneas que em verdade ajudariam os indígenas e favoreceriam o Brasil deveriam estimular o aperfeiçoamento de tais populações ▬ não são, nunca deveriam ser, cobaias de experimentações sociais utópicas. Alguns pontos a considerar: crescer na educação, crescer na saúde, aumentar o contato de forma inteligente e mutuamente vantajosa com o resto do Brasil; ainda, caminhar com segurança e paulatinamente na estrada da autonomia crescente rumo à completa independência pessoal. No fundo do horizonte, o desenvolvimento inteiro de suas potencialidades, a procura da plenitude, o único caminho que pode levar à felicidade, sob o olhar de Deus.

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