De ore tuo te judico (3)
Péricles Capanema
Adiante; aqui vou em mais uma rápida análise
do laborioso voto (109 páginas) do relator ministro Edson Fachin no Recurso
Extraordinário 1.107.365. conhecido usualmente como ação do marco temporal. O
artigo será o último da série, não mais atormentarei o leitor com o tema.
Cláusula pétrea abusiva. No voto um ponto desperta especial
atenção. As cláusulas pétreas estão no artigo 60 § 4º do texto constitucional: “Não
será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (i) a forma
federativa de Estado; (II) o voto direto, secreto, universal e periódico; (III)
III - a separação dos Poderes; (IV) - os direitos e garantias individuais”. Direitos
e garantias individuais, texto claro, são cláusula pétrea. A dicção
constitucional não inclui direitos coletivos. O douto relator do Recurso
Extraordinário tenta esticar o alcance do inciso, vai que cola: “De início,
cumpre afirmar que os direitos das comunidades indígenas consistem em direitos
fundamentais [...] Essa qualificação dos direitos territoriais indígenas como direitos
fundamentais acarreta quatro consequências relevantes para o julgamento do
presente feito. Em primeiro lugar, incide sobre o disposto no artigo 231 do
texto constitucional a previsão do artigo 60, §4º da Carta Magna, consistindo,
pois, cláusula pétrea [...] resta impedido (o legislador) de promover
modificações tendentes a abolir ou dificultar o exercício dos direitos {...]
coletivos”. Se colar, ele colará o Brasil na agitação rural. As terras
indígenas já constituem 12,2% do território nacional. Admitida a interpretação
aqui proposta pelo voto do relator ▬ compunge afirma-lo, em relatório que pouco
relata e muito desorienta ▬, haverá novo e fortíssimo instrumento legal para
legalizar invasões, laudos antropológicos fajutas, e outros recursos dos movimentos
revolucionários para coletivizar o campo. Em consequência, o Brasil padecerá
inchaço na insegurança jurídica, tensão social e debandada de investimentos,
com a inevitável baixa na produtividade, agravamento da pobreza e queda do
emprego e renda.
Impedir aventuras destruidoras. O recurso extraordinário RE 1.107.365
foi interposto pela FUNAI em face de acórdão prolatado pelo TRF-4, que havia
confirmado sentença de 1ª instância. Existiam assim duas decisões garantindo a reintegração
de posse à Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente. ▬ FATMA. O RE sustenta,
as terras em disputa eram tradicionalmente ocupadas pelos índios Xokleng. Foi
dada repercussão geral ao recurso e sua decisão, se favorável, trará consequências
importantes para a propriedade rural no Brasil. Teremos, é o previsível, em
cascata, repito, laudos antropológicos sem fundamento real, invasões, campanhas na
imprensa, pressão de movimentos revolucionários, tudo empurrando para uma só
direção: transformar fazendas, boa parte altamente produtiva, em terras
indígenas. Serão centenas, se não, milhares, os casos ao longo dos próximos
anos. Do voto dos ministros do Supremo, como espada de Dâmocles, pende o
destino do campo ▬ se próspero, se atrasado e conflituoso.
A vida como ela é. Na concepção cerebrina e arbitrária,
compartilhada pelos movimentos indigenistas revolucionários, enquistada em redações,
sacristia e academia, e agora ecoando em votos decisivos no STF, os indígenas
vivem em união quase idílica com a natureza, da qual decorre modo de vida e
cultura favorecedores das comunidades a que pertencem. Preservam a natureza,
preservam a vida, fruem e mantêm a felicidade. Na prática, infelizmente, as
terras indígenas são foco de doenças, algumas endêmicas, alcoolismo, consumo de
drogas, suicídios altos, aluguel de áreas para mineração ilegal. Não são
redutos de felicidade. Ficaria muito surpreso se inquérito objetivo, feito com
lideranças e indígenas responsáveis Brasil afora, residentes em tais terras,
não revelasse como preocupações primordiais das populações indígenas, entre
outros itens, a instalação de um posto da saúde na aldeia, a construção de uma
escola, o oferecimento de formação que assegurasse o futuro dos filhos, o
combate ao alcoolismo, drogas e roubos. A mais de concessão sensata de
liberdade econômica progressiva ▬ o que, aliás, favoreceria em muito o bem
comum no Brasil. Constaria também, item de relevo, a construção de estradas que
ligariam tais populações aos maiores centros de consumo e educação do Brasil. Em
resumo, preocupações em larga medida iguais às dos setores mais vulneráveis no
Brasil. Querem melhorar de vida, desenvolver dons, ainda largamente potenciais,
que sentem palpitar em si. São reivindicações compreensíveis, justas, devem ser
atendidas com urgência em toda a medida do possível.
Clamor pela plenitude. Concluo reafirmando, as
políticas indigenistas idôneas que em verdade ajudariam os indígenas e
favoreceriam o Brasil deveriam estimular o aperfeiçoamento de tais populações ▬
não são, nunca deveriam ser, cobaias de experimentações sociais utópicas.
Alguns pontos a considerar: crescer na educação, crescer na saúde, aumentar o
contato de forma inteligente e mutuamente vantajosa com o resto do Brasil;
ainda, caminhar com segurança e paulatinamente na estrada da autonomia crescente
rumo à completa independência pessoal. No fundo do horizonte, o desenvolvimento
inteiro de suas potencialidades, a procura da plenitude, o único caminho que
pode levar à felicidade, sob o olhar de Deus.
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