Voto facultativo, o
grande esquecido
Péricles Capanema
Voto facultativo, o injustamente excluído dos
debates. Um dos problemas
lancinantes ▬ e de solução para lá de complicada ▬ da vida pública brasileira é
a degradação paulatina, para alguns inexorável, da qualidade da representação
política. Em verdade, encosta abaixo, piora cada quatro anos. É geral, pouca ou
nenhuma noção de decoro, experiência escassa de vida pública, tosca noção de
bem comum, escrúpulos só de superfície, demagogia, e vai por aí afora.
Governo do bom exemplo. Evaporou-se a convicção, antes bem
difundida, de que, por vários aspectos, a exemplaridade é a mais importante
função do homem público. Dar bom exemplo. Está aí 2022, é grande a chance de outro
tombo rumo ao fundo do poço. A propósito, lembrete útil. Os candidatos podem
abusar do poder econômico, enganar, ludibriar a esperança dos votantes. Mas
quem sempre os escolheu foi o eleitor. Por que não colocar aqui também a razão
das sucessivas decepções?
Costumes benéficos jogados no lixo. Tempo houve, vai longe, sobretudo no
Império e em certo período da República Velha, a carreira política atraiu as
melhores inteligências. Poderíamos citar o barão do Rio Branco (1845-1912) [e o
pai, o visconde do Rio Branco (1819-1880)], Joaquim Nabuco (1849-1910),
Epitácio Pessoa (1865-1942), Ruy Barbosa (1849-1923), tantos outros mais. Ornava,
conferia nomeada, dava respeitabilidade às famílias de onde provinham. De modo
geral, dito costume social, bem difuso, favorecia o bem comum. É compreensível,
as soluções encontradas por gente inteligente têm maior probabilidade de atender
aos reais interesses populares que as caraminholas imaginadas por cacholas lorpas.
Em outros países, mais que aqui, temos restos de tal hábito social. Winston
Churchill foi dele grande exemplo na Inglaterra, alunos e professores (carradas)
de grandes universidades buscam frequentemente a vida pública nos Estados
Unidos.
Pelé no futebol, Usain Bolt no atletismo. Via de regra, os homens públicos devem ter
a bagagem do talento, da educação, do saber e da experiência. Ninguém desejaria
escolher para a seleção jogador bisonho da 4ª divisão do Campeonato Paulista.
Nem para correr numa olimpíada um corredor de fim de semana no Parque
Ibirapuera. É preciso ter nas ocasiões de topo atletas que lembrem Pelé ou
Usain Bolt. Elitismo? Nem de longe,
apenas bom senso. Aliás, com utilização sensata, é uma forma de ajudar os menos
dotados. O pelé das vendas em geral é responsável pela equipe. O pelé na sala
de aula muitas vezes se transforma em professor de destaque ou profissional
renomado. E assim por diante. Não deveria ser do mesmo modo na vida pública,
hoje valhacouto de desonestos, arruaceiros, demagogos e cafajestes? Infelizmente
a palavra elite (e o próprio conceito) adquiriu em certos ambientes
preconceituosos conotação pejorativa, que dela é necessário se afastar. No seu
lugar apropriado na vida social, boas elites favorecem avanços e dificultam retrocessos;
são fatores de progresso, renda e emprego.
Reforma eleitoral no topo da agenda. Vira e mexe a reforma eleitoral toma o
noticiário dos jornais, das tevês e pipoca nas redes. Fica urgente o assunto. Voto
impresso versus voto eletrônico. Parlamentarismo versus presidencialismo.
Distritão versus distritão misto. Financiamento das campanhas eleitorais
privado ou público? Fundão. Propaganda gratuita na televisão (que não é
gratuita, arranca bilhões do contribuinte). Coligações para eleições proporcionais.
Número excessivo de partido. Cláusula de barreira. Paro por aqui com uma
constatação. Um tema parece proibido, está excluído, quase ninguém a ele se
refere: o voto facultativo. Os políticos da direita calam a respeito. Os
políticos do centro calam a respeito. Os políticos da esquerda calam a
respeito. Com louváveis exceções em todos os quadrantes, claro. Então é meu
dever gritar: faltou o voto facultativo, falem dele. Reivindico a inclusão. Já.
Razão do silêncio contrafeito? À primeira vista, nenhuma. As eleições ficariam mais
baratas, votaria só quem quisesse, nenhuma amolação para quem não quisesse ir
até as seções eleitorais. Imagino, como regra geral votariam entre 20% e 30%; por
vezes, bem menos.
Amadurecimento ilusório. A razão do voto obrigatório, podem
pesquisar, vão se afunilar para uma só: exercício da democracia, treino obrigatório
para aprender a votar, trará amadurecimento. Quá-quá-quá, lero-lero do mais
ordinário, como se vê. O motivo real é outro, em geral disfarçado ou encoberto:
o voto facultativo colocaria a nu, sem disfarce, o amazônico desinteresse do
povo pelo processo democrático, como ele existe entre nós. O ministro Luís Roberto
Barroso, presidente do TSE, mais claro, foi além e foi claro: “Temos preocupação que a
facultatividade [do voto] possa produzir a deslegitimação dos eleitos na
possibilidade de um elevadíssimo índice de abstenção”. As eleições deixariam de ser levadas a sério, é
o temor confessado do ministro. Então, cabresto no povo. E assim, a
maioria dos políticos teme que o voto facultativo possa trazer a desmoralização\o
do processo eleitoral, ao tempo que evidenciaria o vazio das instituições
republicanas, como foram impostas ao Brasil. Por isso, é preciso fingir, inventar
artificialismos para manter a ficção de o povo está interessado na parafernália
eleitoral, mesmo que isto custe uma nota preta para o contribuinte e prejudique
o futuro do Brasil.
A realidade é a base sólida, não tem outra. O correto seria a verdade inteira,
objetiva, colocada sem disfarces diante da opinião pública. “Veritas liberabit
vos” (Jo, 8, 32). Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará. Precisamos
ter clara a verdade a respeito, fugir dos subterfúgios, apenas sobre ela se
poderá construir edifício promotor do bem comum. Com fundamentos na fraude,
teremos sempre edificações lesivas ao interesse popular. Ficaria mais autenticamente
democrático. Sabem que países têm voto facultativo? A maioria. Entre eles, Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália,
Japão, Alemanha, Espanha, Portugal. Ninguém lá teme deslegitimar eleições nem
desvalorizar eleitos por causa da abstenção. Na minoria contrafeita, os repressores,
pois punem a abstenção, tida como direito na maioria civilizada, além da
presença obstinada do Brasil, Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai e Egito.
Autenticidade e transparência. Para possibilitar avanços, no caso a
melhoria do nível da representação e o barateamento das campanhas eleitorais,
seria bom instituir logo o voto facultativo. É panaceia? Nem de longe. Mas tem potencial
para impulsionar um pequeno avanço o que, no caso, já será muito. De passagem,
poderíamos desmentir por vez primeira, o conhecido prognóstico de Ulysses
Guimarães, desabusado e realista. Como se sabe, certa vez alguém se lamentou com
o veterano político sobre a péssima qualidade dos representantes com mandatos
em Brasília. Redarguiu ele mais ou menos assim, premonição de raposa sabida: “Está
achando ruim essa composição do Congresso? Então espera a próxima: será pior. E
pior, e pior. Temos algumas poucas cabeças boas aqui. É necessário juntá-las,
onde quer que estejam, e fazê-las trabalhar num rumo só: para a frente. Sempre”.
Alguém dirá: você já escreveu sobre o tema. Corretíssimo, faz parte de minha
campanha por autenticidade e transparência no Brasil. Daqui a algum tempo, vou
escrever de novo; é necessário relembrar.
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