Governo do bom
exemplo
Péricles Capanema
Honra, dignidade, decoro. Na 6ª feira, 20 de agosto último, funcionário
do Palácio do Planalto, protocolou no Senado Federal uma representação do
presidente Jair Bolsonaro, baseada no direito de petição, que requeria a abertura
de processo de impeachment contra Alexandre de Moraes, ministro do STF. O
referido texto tinha como fundamento legal o artigo 39 da lei 1079 de 10 de
abril de 1950, recepcionada pela Constituição de 1988, que regulamente, entre
outras assuntos, o rito do processo de impeachment de ministros do Supremo. Reza
o artigo 39:
“São crimes de responsabilidade dos Ministros
do Supremo Tribunal Federal:
1-
alterar, por qualquer forma, exceto por via de recurso, a decisão ou voto já
proferido em sessão do Tribunal;
2 -
proferir julgamento, quando, por lei, seja suspeito na causa;
3 -
exercer atividade político-partidária;
4 - ser
patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo;
5 -
proceder de modo incompatível com a honra dignidade e decoro de suas funções.”
Mais especificamente, a petição do presidente
da República buscava fundamento nos itens 2 e 5. Vou deixar de lado o item 2
(suspeição), fixar-me no 5. A peça presidencial afirma que o ministro Alexandre
de Moraes tem “conduta atentatória ao decoro, o que atrai a incidência do
artigo 39, 5, da lei 1079 de 1950”.
Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, como
providência prévia ao juízo de admissibilidade, encaminhou a peça, para estudo
e opinião ao Núcleo de Assessoramento e Estudos Técnicos – NASSET, que em 24 de
agosto emitiu o parecer nº 659/2021, assinado pelo advogado Octávio Augusto da
Silva Orzari. O documento recomendou arquivamento da peça presidencial por nela
inexistir requisito essencial para o conhecimento: “lastro probatório mínimo e
firme indicação da autoria e da materialidade da matéria imputada”. O parecer,
congruentemente, sustentava que qualquer alta função estatal precisa ser
exercida com “honra, dignidade e decoro”. Nas pegadas da posição do órgão
competente do Senado, o presidente Rodrigo Pacheco afirmou: “Determinei a
rejeição da denúncia por falta de justa causa, por falta de tipicidade".
Arquivou-a.
Exemplaridade. Não entro aqui na análise da peça presidencial;
também não me detenho em considerações sobre o parecer do jurídico do Senado. E
nem emito juízo sobre a decisão de Rodrigo Pacheco. Meu foco é outro: o dever
do bom exemplo. Temos em vigor lei de abril de 1950, 70 anos atrás,
recepcionada pela Constituição de 1988, e que já naquela ocasião representava o
consenso do meio jurídico brasileiro; expressa ainda hoje. Em resumidas contas,
português simples, o que diz a lei? Quem não dá bom exemplo, não pode ocupar
cargo de expressão. No caso, como se manifesta o bom exemplo? Sobretudo pela
conduta honrada, digna e decorosa. Faltando, está prejudicado gravemente o bem
comum e o titular deve perder o cargo.
Conduta decorosa. Sob algum aspecto, o item 5 é o mais
importante do artigo 39; resume-os. Temos escadinha, posta pelo legislador ▬
honra, dignidade, decoro. Não basta que a conduta seja honrada. É preciso subir
um degrau, que seja digna. Outro ainda, decorosa, isto é, cheia de decoro. O
que é a conduta decorosa? Vou ao dicionário. Na linguagem corrente, fonte
primeira e mais pura do significado jurídico, é a conduta recatada, decente,
séria, nas maneiras, no vestir, no agir e no falar. que exale compostura, que
nada apresente de torpe. Que tenha gravidade segundo a condição social, idade e
funções. Apresenta alinho, nada de decomposto. Seja exemplo de inteireza e
lisura. Que adorne, embeleze e decore o convívio social, sob outro ângulo.
Os costumes dominantes das épocas em que era existia
generalizada, mesmo que apenas em esboço e com muitas lacunas, a ordem temporal
cristã, exigiam tal desenho moral em qualquer superior. De todos, do bispo, do
vigário, do pai, da mãe, do avô, do rei, do juiz, do general. Enfim, o que
temos hoje em nossa legislação é eco de convicção enraizada nas épocas de
civilização cristã. Num ambiente de deboche generalizado, mesmo agora, são os
pressupostos que a legislação pátria vigente coloca como condição para o
exercício do cargo público. A experiência e a competência técnica aparecem logicamente
depois.
Fica a pergunta, alguém ainda obedece ou pelo
menos tem em vista tais disposições legais? Fiapos ainda persistem, reconheço. No
geral, contudo, generalizam-se as maneiras grosseiras, a linguagem chula, a
ostentação satisfeita do achavascado, os palavrões, a corrupção praticada
impunemente; mais ainda, costumes debochados e libertários estadeados como
ornamento. Cada vez mais, é o espetáculo de nossa vida pública. Pior,
desenrola-se sob o olhar complacente e divertido de parte do público.
Ensinamentos esbofeteados, mas perenes. Recorro a são Bernardo de Claraval que assim
vergastava os grandes: “Uma alta posição e uma alma abjeta. O primeiro posto e
uma vida indigna, uma língua eloquente e mãos ociosas, muitas palavras e nenhum
fruto, um rosto grave e uma ação ligeira, uma grande autoridade e um espírito
inconstante, um rosto severo e uma língua frívola, são coisas verdadeiramente monstruosas.
Devemos dar bom exemplo ao próximo”. Ecoava santo Isidoro: “Aquele que está
diante dos demais pela autoridade, deve estar à frente deles por suas virtudes;
é necessário que lhe sirva de modelo”.
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