Cães mudos
Péricles Capanema
O brado por liberdade e pão. Poucas semanas atrás o povo cubano exprimiu
sua indignação pela tirania de décadas que o oprime. Falta de alimentos (fome,
em português simples) e de vacinas foram o estopim próximo para a explosão da revolta
popular. Manifestantes que lutavam por liberdade e pão acabaram presos,
ameaçados, surrados. No mundo inteiro, para vergonha da gente que presta,
governos e personalidades se manifestaram não a favor do povo, mas na defesa do
governo opressor.
Favorecimento dos torcionários. Destaco quatro reações muito significativas.
Lula aprovou o regime e escreveu: "O que está acontecendo em Cuba de tão
especial pra falarem tanto? Houve uma passeata. Inclusive vi o presidente de
Cuba na passeata, conversando com as pessoas. Cuba já sofre 60 anos de bloqueio
econômico dos EUA, ainda mais com a pandemia, é desumano". O PT secundou as
manifestações do seu morubixaba. Cuba continua inspiração, tumor de estimação, para
o PT.
Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, elogiou
também o governo cubano: “Se os Estados Unidos e a oposição extremista querem
realmente ajudar o povo cubano, levantem imediatamente todas as sanções e o
bloqueio contra o povo cubano. Ofereço todo o apoio da República Bolivariana da
Venezuela ao povo de Cuba, ao governo revolucionário de Cuba.”
Por seu lado, a China se apressou em sustentar
a tirania em Cuba. Entre outras manifestações, em Brasília a embaixada chinesa
divulgou comunicado: “A China se opõe à interferência estrangeira nos
assuntos internos de Cuba e apoia o que Cuba tem feito na luta contra a
Covid-19″.
Finalmente, declarou o ministro das Relações
Exteriores da Rússia: “Vamos continuar apoiando Cuba em tudo, não apenas moral,
ou politicamente, não apenas por meio do desenvolvimento da cooperação
técnico-militar, mas também promovendo ativamente o comércio, projetos
econômicos que permitam à economia deste país ser mais firme diante de ataques
externos. Acredito que vamos conseguir".
Uma poderosa voz de consolo. Em sentido contrário, o governo dos Estados
Unidos colocou-se ao lado do povo cubano: “Estamos com o povo cubano e seu
apelo alto e claro por liberdade e alívio. Condenou as “décadas de repressão e sofrimento econômico a que foi submetido pelo regime
autoritário cubano”. E aduziu: “O povo cubano está reivindicando com bravura
seus direitos fundamentais e universais”.
A mão que apaga e a voz que adormece. Nesse ambiente, o Papa Francisco
decepcionou os católicos cubanos com declaração ambígua: “Estou muito próximo
do povo cubano nesses momentos difíceis, em particular das famílias que
sobretudo sofrem. Rezo ao Senhor para que ajude a construir na paz, diálogo e
solidariedade uma sociedade cada vez mais justa e fraterna”
Angústia corajosa e lúcida. Ninguém expressou melhor a decepção que
dona Maria Victoria Olavarrieta, cubana exilada em Miam, em carta amplamente
divulgada (está na rede), da qual coloco aqui alguns trechos: “Os católicos
cubanos, desde que começaram os protestos em Cuba, estamos esperando que o
senhor levante sua voz. Dói muito que, enquanto reprimem o povo que saiu às
ruas pedindo liberdade, o senhor tenha palavras para felicitar o triunfo da
Argentina na Copa América. Nossa Igreja foi perseguida, ameaçada, vigiada,
invadida pelos agentes de segurança do Estado. O senhor disse aos jovens: ‘Lutem
por seus sonhos, mas sonhem em grande, não deixem de sonhar’. Os jovens cubanos
que nasceram na ditadura e foram doutrinados, educados em escolas ateias, em
uma sociedade de partido único, que cresceram — alguns comendo e se vestindo
com as ajudas de seus familiares no exílio, e outros na miséria mais absoluta —,
estão sonhando em ver seu país livre. O senhor os convidou a sonhar, e agora
que os estão matando por gritarem seus sonhos, o senhor guarda silêncio! Tive
diversos alunos venezuelanos e vi o sofrimento de seus pais, porque o senhor
guardou silêncio quando assassinavam os estudantes nas ruas de Caracas. As
pessoas morrem de fome na Venezuela, e o senhor não condena publicamente os
responsáveis. O sangue correu na Nicarágua. O Papa fala de tudo, mas dos crimes
dos ditadores e dessas três tiranias irmãs o senhor não opina. O Vigário de
Cristo na Terra não deve discriminar suas ovelhas. As ovelhas vítimas dos
regimes comunistas, sentimo-nos como se fôssemos suas ovelhas negras. Hoje
quero ser a voz das mães cubanas que estão vendo seus filhos passar fome, que
não têm remédio; quero lhe apresentar a dor das avós cujos netos foram
fuzilados gritando ‘Viva Cristo Rei!’, a vergonha dos pais que não conseguem
sustentar os filhos com o fruto de seu trabalho, e vivem mal, esperando as
remessas enviadas por seus familiares do exterior. Apresento-lhe a tortura dos
presos políticos; o ódio de irmão contra irmão que os Castros semearam; os
idosos que viram partir a família que criaram, e morreram sem nunca mais verem
seus filhos e netos! Nós, cubanos, nos sentimos abandonado, órfãos do Papa”.
Cães mudos. Nem há o que comentar, o texto fala mais que
qualquer glosa. Enquanto
lia a carta da angustiada e abandonada católica cubana, vinham-me à mente
trechos bíblicos, sua elevação e ensino fortalecerão os católicos cubanos em
seu desamparo. “As suas sentinelas estão todas cegas, todas se mostraram
ignorantes; são cães mudos, que não podem ladrar, que veem coisas vãs, que
dormem, e que amam os sonhos” (Is, 56, 9-10). “E, se algum do vós pedir pão a
seu pai, porventura dar-lhe-á ele uma pedra? Ou, se lhe pedir um peixe,
porventura, dar-lhe-á ele, em vez de peixe, uma serpente? Ou se lhe pedir um
ovo porventura dar-lhe-á um escorpião?” (Lc, 11, 11-12). “Eu vi a aflição do
meu povo no Egito, e ouvi o seu clamor causado pela crueza daqueles que têm a
superintendência das obras. E, conhecendo a sua dor, desci para o livrar das
mãos dos egípcios” (Ex, 3, 7-8).
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