Recomeço dentro do mar
conservador
Péricles Capanema
Um amigo que leu o artigo “Orfandade” comentou
comigo, precisa continuar no tema, vai ajudar muita gente. Muitas vezes o
auxílio vem pela recordação. Não foi a primeira vez que tratei da orfandade,
nem me parece que no último artigo tenha posto todos os dados importantes.
Meses atrás, 5 de julho, postei “Mar conservador”, depois reproduzido em alguns
órgãos, em que discorro sobre a orfandade da opinião pública. Vou lembrar aqui
alguns temas lá desenvolvidos.
Comentei no mencionado artigo a observação feliz
do jornalista Alexandre Garcia que negava existir no Brasil uma onda
conservadora; o que existia e sempre existiu, sustenta ele, é um mar
conservador. Até matizou o pensamento, existem ondas encrespadas, contudo o
mais importante é o mar conservador.
Aí aproveitei o gancho do jornalista e examinei, entre
outras matérias, a orfandade dos conservadores no Brasil: “Existe no Brasil e
vem de longe um oceano conservador pacato; de momento temos ainda ondas
conservadoras encrespadas. Visto mais de perto, o oceano conservador é imenso,
retorna logo à calmaria, depois das borrascas e tormentas; mais, gosta dela e
para ela retorna, logo que possível. Público de hábitos simples, com escassas
possibilidades de se fazer representar na vida pública, tem o olhar posto na
família, bem como está desabituado a considerar longamente interesses além do
círculo doméstico. Preza a honestidade, a discrição, a palavra dada. Seu maior
entretenimento é o convívio, em especial no interior da família. Temperante por
atavismos, desagradam-no incontinências, desmandos, linguagem chula, palavrões,
insolências, agressões destemperadas. Desconfia de perspectivas e planos
mirabolantes. Tem, a bem dizer, nenhuma presença na vida pública, não é visto
nos meios de divulgação, não chama atenção na economia. Quanto representa do
total da população? Não sei, bem pode ser mais que a metade. Entre o mar
tranquilo e as vagas crispadas, o mais importante é o oceano sereno, ainda que,
as segundas apareçam mais, o primeiro seja quase nunca visto.
O Brasil mar tranquilo se vê representado no Brasil
ondas encrespadas? O tom agrada? O conteúdo convida à adesão? A postura
tranquiliza? Não, o Brasil divisado acima ainda se sente órfão ▬ pelo menos em
larga medida. Ou, quase sempre, a sensação do público é, estamos em presença de
contrafações”.
Volto aos conservadores entocados, os que chamei órfãos.
Vivem no ostracismo na esfera pública, estão banidos dos meios de divulgação, são
inscientes de sua real importância. São os exilados internos, sombra melancólica
no meio de fulgurações fátuas ▬ intensas, por vezes. Uma tarefa de restauração
nacional seria colocá-los à luz do dia, nos espaços que seu número e talento
naturalmente reivindicariam. A vida pública brasileira então, mais arejada,
seria aperfeiçoada pela polidez e cultura, bem como ganharia em elevação,
lógica e preocupação com o bem comum.
Reconheço, é objetivo dificílimo. Mas o começo de
uma solução é apresentar bem o problema. Outros poderão apontar para soluções. Aqui
estão apenas esboços de grave problema brasileiro. Recorro a exemplos. Dois
homens marcaram as respectivas épocas, ainda que em graus e motivos diversos. Peter
Drucker (1909-2005), luminar da administração, foi requisitado teórico,
professor e consultor de empresas. Para o êxito, dizia ele ““o trabalho mais importante
e mais difícil não é encontrar a resposta correta, mas fazer a pergunta certa”.
Em comentário parecido, Voltaire (1694-1778) observou “um homem deve ser
julgado mais pelas suas perguntas do que por suas respostas”. Vamos então, no
presente esforço, com olhos no público órfão, procurar formular bem os
problemas e encontrar as perguntas a serem feitas, é tarefa primordial. As
respostas aflorarão depois. Teríamos recomeço sadio com barco singrando com instrumentos
seguros de orientação. A mais, tal esforço ajudará a manter limpo o mar
conservador.
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