Ano Novo na
desorientação
Péricles Capanema
2021 está na esquina. Quantas diferenças em
um ano! Sobre um ponto quero abaixo compartilhar reflexões. Continuo. Quase mais
nada existe da generalizada atmosfera de superficial otimismo que perpassava
dezembro de 2019. Em linhas muito gerais, a economia crescia, Trump tinha a
reeleição provável, a via de novas conquistas parecia aberta para grande parte
da população. O que gerava a sensação de segurança, de rumo e de perspectivas
realizáveis, condições favoráveis ao equilíbrio emocional. Dava para caminhar.
De repente se fechou o carreiro ascensional,
o mundo afundou, apareceram abismos antes encobertos pelo otimismo
generalizado. Já em fevereiro a pandemia do COVID-19 veio forte, logo depois as
cidades foram fechadas e as ruas ficaram desertas. Empresas faliram explodiu o desemprego,
milhões e milhões despencaram na pobreza. Os governos abriram as burras para
auxílios emergenciais e o déficit fiscal disparou. De outro lado, a pandemia
provocou intensas disputas entre grupos políticos, o choque das opiniões esgarçou
ainda mais a sociedade. A recuperação, se vier, será difícil. E não deveria ser
apenas econômica. Comentarei abaixo a respeito.
Joe Biden ganhou nos Estados Unidos à frente de
coligação que inclui correntes radicalizadas, socialistas e libertárias. Ele
terá que satisfazê-las (e já as está contemplando na alta administração) ao
cumprir compromissos assumidos na campanha. O que virá dali? É ponto que exige
atenção e preocupa. Observei, a recuperação econômica, se vier, será difícil. Como
todo sabem, suporá a aplicação generalizada das vacinas, fazendo realidade a
imunidade de rebanho. Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, advertiu,
os investimentos em vacinas contra a COVID-19 são muito mais baratos que as
aplicações em auxílios emergenciais. Deseja aplicações maiores e urgentes. É
preocupação do mercado, lembrou ainda: “Há uma disputa por vacinas. Quem terá a
vacina primeiro e como a logística será feita muda todos os dias. Estamos concentrados
nas vacinas e o mercado também”. Na mesma direção, advertiu Marcelo Pacheco,
secretário executivo do ministério da Fazenda: “Com a vacina a população vai se
sentir mais segura e, com isso, a economia vai se recuperar. Temos feito de
tudo para prover os recursos necessários para a vacinação”.
População protegida, disseminação controlada,
é o objetivo. Canadá, Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra já estão vendo luz
na boca do túnel. Outros países vão no mesmo rumo. Nós também, só que com passos
lerdos. Ainda preparamos a caminhada; brigas, desleixo, obsessões, cegueira, incompetência,
impediram-nos de atender populações expostas, como, por exemplo, agora o fazem
Estados Unidos, Inglaterra e tantos outros. Quanto tal fato se dará no Brasil?
Ninguém sabe ao certo; é triste, chapinamos no pântano dos palpites.
Com a vacinação generalizada, teremos o fim
do distanciamento social, de momento obrigatório. Haverá aproximação das
pessoas, conversas sem máscara, abraços, carinhos. (e reaproximação) Caminharemos
para a normalidade, chamada por muitos de nova normalidade, pelo que ainda
contém de misterioso. Duas características que provavelmente permanecerão: o
“home office” e o aumento dos pagamentos e compras pela rede. Não tratarei aqui
de modificações psicológicas, morais, políticas, tema muito vasto.
Falei de equilíbrio emocional, sensação de
segurança, sensação de rumo, perspectivas realizáveis. Acabaram, veio a
desorientação. E há motivos. Será dura a recuperação, tempos difíceis pela
frente, o déficit fiscal vai pesar por anos. Empregos melhores e rendas em
aumento, se vierem, chegarão em conta-gotas. Medidas que poderiam ajudar a
retomada do crescimento, com o consequente alívio em especial para os mais
pobres, comportariam enérgico programa de privatizações, diminuição do tamanho
do Estado, cancelar programas malucos como a reforma agrária. Mas temos tumores
de estimação no corpo social, parece que não podem ser tocados. E aqui se unem gente
de todas as correntes, congregadas pelo objetivo de preservar dentro do corpo
social os tumores de estimação. As advertências melancólicas do dr. Salim
Mattar são apenas um sintoma, significativo embora, de tal realidade
desoladora.
Agora, o ponto que pretendo destacar, tem
relação com o equilíbrio emocional. Seria trágico repetirmos o que aconteceu
nos anos 20, “les années folles”, os anos loucos O povo, cansado da guerra, cansado
da gripe espanhola, jogou pela janela o sofrimento, não fez dele pedestal para
a formação do caráter e raiz de vida temperante; e lançou-se na folia, quis esquecer
tudo o que havia passado. Poucos anos
depois o sofrimento e as privações voltaram multiplicadas, era a 2ª Guerra
Mundial. Não lancemos nós agora o sofrimento pela janela. Não passou ainda, pode
demorar algum tanto a volta à normalidade e 2021 começa com a sensação de falta
de rumos. Desorientação. Um ponto deveria estar sendo cogitado, não desperdiçar
o confinamento, o sofrimento e as privações, fazendo desse depósito pedestal
para a formação do caráter. Nutrimento da temperança. Já será grande coisa. Que
Deus nos ajude. Bom Ano Novo a todos.
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