Exclusão e
empobrecimento
Péricles Capanema
Dias atrás, 21 de dezembro, o Papa Francisco em
mensagem de Natal para a Cúria Romana repentinamente desfechou: “E recordo o que
dizia aquele santo bispo brasileiro: ‘Quando me ocupo dos pobres, dizem de mim
que sou um santo; mas, quando me pergunto e lhes pergunto: ‘Por que tanta
pobreza?”, chamam-me ‘comunista’”.
Também vou
recordar, apontando evidências. O “santo bispo brasileiro” a quem ele se refere
é dom Hélder Câmara (1909–1999). E a frase lembrada não passa de uma “boutade” de dom Hélder, frasista conhecido,
foi pirueta para escapar de censura pertinente de que sua ação favorecia o
comunismo.
A alusão inesperada do Papa Francisco ▬ é penoso
constatar, contudo inevitável, incoercível a lógica, foi propaganda mundial para
dom Hélder, reflexo caloroso também recebeu o comunismo, nomeado sem reservas como
movimento que luta pelos pobres ▬ suscitou esperada alegria na esquerda. Apenas
como exemplo, festejou-a Fernando Haddad, candidato derrotado do PT nas últimas
eleições presidenciais: “Dom Hélder foi citado pelo papa Francisco na sua
mensagem de Natal. Não poderia ser mais inspirador”. Inspirador aqui significa
animador. Em sentido contrário, tais palavras contristaram os setores que temem
a ascensão do petismo. Desconcertaram, jogaram muitos no desânimo.
De passagem, em
perspectiva ampla, a alusão do Pontífice é de molde a agravar a exclusão social,
racha a sociedade ainda mais, piora as perspectivas para os menos favorecidos. Na
prática, agride a causa dos pobres e bafeja estruturas de opressão. Falarei
sobre isso abaixo.
Agora, recordações
esclarecedoras, pingo sobre alguns dos principais iis. Dom Hélder teve carreira
“tous azimuts”. Integralista desenvolto nos primeiros anos de sacerdócio
(ordenado em 1931), acabou aclamado por correntes de esquerda no mundo inteiro
por sua ação contínua a favor da pauta dela, em especial nos anos de episcopado
(sagrado em 1952). Aliás, não saiu do integralismo batendo a porta: “Nunca
rompi com o integralismo”, observou em 1983.
Assim, depois de
alguns anos como ativista saliente do integralismo, migrou resolutamente para se
transformar no Brasil no mais decisivo promotor da agenda do progressismo e do
esquerdismo nas fileiras do Clero e do Episcopado.
Ainda na década de
30 dom Hélder se aproximou do ideário e das propostas de Jacques Maritain
(1882-1973), pensador de grande influência na Ação Católica. O filósofo francês,
corifeu do liberalismo católico, promovia a junção das doutrinas da Revolução
Francesa com o ensinamento da Igreja, expressa de forma concisa em sua
formulação “sociedade laica, vitalmente cristã”. Já não se procuraria a ordem
temporal cristã, ideal de restauração, mas se aceitaria (ou pelo menos se toleraria)
a sociedade nascida da Revolução Francesa, objetivo de acomodação. Nela, na
sociedade laica, moldada pelo racionalismo, buscar-se-ia insuflar uma vida
evangélica.
A Ação Católica no
Brasil, profundamente maritainista, da qual dom Hélder foi assistente geral e
grande impulsionador, está nas nascentes da esquerdização do Clero e do
laicato. Neste quadro, dom Hélder foi ainda o motor da criação da CNBB, da qual
foi secretário-geral por muitos anos entre 1952 e 1964. A entidade, todos
sabem, tornou-se correia de transmissão das palavras de ordem da esquerda
brasileira, do PT tem sido fiel e disciplinada companheira de viagem nos
últimos lustros. Da Ação Católica nasceu a JUC; no caldo de cultura da
mencionada organização universitária surgiu a AP, marxista e guerrilheira ▬ e
aqui lembro o fato apenas como ilustração de realidade generalizada nos
ambientes da Ação Católica. Ali também medraram a JEC, JOC, JAC, todas
favorecedoras de programas de esquerda radicalizados. O mais simbólico rebento
da JEC é frei Betto. Do mesmo modo, daí vieram as comunidades eclesiais de base
(CEBs), ali teve seu começo a Teologia da Libertação. Para a gestação e
nutrição de todas essas entidades e correntes doutrinárias que pululavam no
seio da Igreja Católica colaborou dom Hélder. E por isso, era natural, tornou-se
a figura símbolo do esquerdismo católico no Brasil. O PT fincou um de seus
esteios em dito universo agitado ▬ as CEBS e a esquerda católica em geral. As
outras duas estacas foram o movimento sindical e a esquerda universitária.
“Pelos frutos os conhecereis”, não pelas
palavras. Os frutos pestilenciais estão à vista, corrupção, roubalheira e
empobrecimento causados pelos anos do PT no poder. E apoio às tiranias na
América Latina, Cuba, Venezuela, Nicarágua, onde, em situação totalitária, perpetuam
a miséria.
Se a mencionada corrente
voltar ao poder entre nós, trabalhará para fazer de país, logo que possível,
uma cópia da Venezuela ou de Cuba. Para tanto, temos visto já atuando agora a
CNBB, a CPT e o MST, todos ligados umbilicalmente à esquerda católica. Nas
raízes estão Jacques Maritain, a Ação Católica e o ativismo de dom Hélder.
O que tal
movimento trouxe para os pobres em todos os lugares em que venceu? Atraso, destruição
dos horizontes de crescimento, agravamento da pobreza. O que mais? Estruturas
de opressão na sociedade e no Estado. E exclusão social. Onde se instalou se pavoneia arrogante a casta dirigente e padece
manietado décadas afora o povo oprimido, os excluídos. E não nos iludamos, é cenário
trágico de retrocesso obscurantista, mas possível, de alto a baixo, toda a América
Latina está agora ameaçada por tais programas de destruição. A atuação de dom
Hélder os beneficiou de forma relevante e por isso multidões de católicos estão
perplexos com seu pregão pelo Papa Francisco.
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