Junípero Serra, o santo execrado pelos intolerantes
Péricles
Capanema
São Junípero
Serra, venerado em especial no México e na Califórnia, faleceu em 28 de agosto
de 1784 na Missão São Carlos Borromeu (Monterey), minado pela tuberculose. Em
campanha crescente, anos e anos o santo missionário vem sendo insultado de,
entre outros doestos, “o santo genocida”, agente de “conquista imperial que
oprimia e escravizava indígenas”. Tem estátuas derrubadas, chutadas e cuspidas
nos Estados Unidos, em particular na Califórnia. Setores extremados, com a conivência
de correntes de mesma orientação, ainda que de comportamento moderado, não toleram no Estado a presença moral do
frade franciscano intitulado desde há décadas por opinião generalizada “o
Apóstolo da Califórnia”. As mesmas gargantas que vituperam genocida,
escravagista, imperialista, é corrente, berram elogios ao mundo LGBT, à vida
selvagem, descrita idilicamente. E em geral querem a eleição de Joe Biden e até
fazem campanha por ele. De passagem, não custa notar, nenhuma mesquita é
atacada, nenhum líder muçulmano sofre impropérios, embora Maomé tenha tido
escravos e o islamismo tenha promovido a escravidão na África.
Um lado,
a narrativa dos que veneram Junípero Serra (nome em catalão Miquel Josep Seera
i Ferrer). O frade nasceu em 24 de novembro 1713 em Petra (Maiorca, Ilhas
Baleares), filho de honrados, analfabetos e católicos pais camponeses. Teve brilhantes
estudos eclesiásticos. Em 15 de setembro de 1731 emitiu os votos religiosos, quando
adotou o nome de José Miguel Junípero, homenagem ao discípulo de são Francisco
de Assis. Foi ordenado sacerdote em 1727, alcançou o grau de doutor em
Teologia, tornou-se rapidamente professor respeitado na Universidade de Palma
de Maiorca, além de notável orador sacro. Tinha nome em Palma de Maiorca.
Tudo
deixou para seguir o chamado de Deus para a vida missionária. Recebeu apoio dos
superiores e com a idade madura de 35 anos embarcou em 1749 para o México (na
época, vice-reino da Nova Espanha), juntamente com 20 outros missionários. Desembarcou
em Santa Cruz em 7 de dezembro do mesmo ano. De lá, juntamente com seu
companheiro, frei Francisco Palóu, mendigando, foi a pé até a Cidade do México
estabelecendo-se no Colégio San Fernando. Ali permaneceu cerca de um ano, sendo
enviado depois para missionar Sierra Gorda, próxima a Querétaro, uns duzentos
quilômetros da Cidade do México. Permaneceu na região por cerca de 10 anos.
Além da catequese, os frades ensinavam rudimentos de agricultura e pecuária aos
índios, bem como fiação, tecelagem e cozinha para as mulheres. Em 1758, voltou
para o Colégio San Fernando. Os próximos nove anos foram tomados com trabalhos
administrativos, formação de noviços, missões nas dioceses de México, Puebla,
Oaxaca, Valladolid e Guadalajara.
Aconteceu
o inesperado. O rei Carlos III em 1767 expulsou da Nova Espanha todos os
missionários jesuítas. Os franciscanos foram chamados para preencher a lacuna
na Califórnia, região ainda selvagem. Deles era a missão evangelizadora, mas
havia também colonização e conquista. Sacerdotes, militares, administradores,
sob o impulso de Madri, marcharam em direção ao norte. À testa de 15
franciscanos, frei Junípero, em 14 de julho de 1767, deixou a Cidade do México
para tomar no porto de San Blás o navio que o levaria à Baixa Califórnia. A
expedição zarpou apenas em fevereiro de 1768. O frade estava próximo dos seus
55 anos, idade avançada na época, com dificuldades de saúde, quando chegou à
Califórnia.
Trabalhou incansavelmente para estabelecer missões. O
sistema era simples. Chegando a um lugar adequado, construíam capela, pequenas
moradias para os frades, além de uma fortificação incipiente, proteção contra
ataques. Muitos índios, curiosos, aproximavam-se. Vinham os contatos, as
amizades, a catequese. A mais, os missionários ensinavam agricultura, criação
de animais, noções de construção, serralharia, carpintaria. Havia também para
as mulheres ensino de cozinha, costura e tecelagem.
Já idoso, em pouco mais de dez anos, frei Junípero
fundou nove missões, percorreu cerca de
9 mil quilômetros a pé, 5.400 quilômetros embarcado. Muitas das grandes cidades
da Califórnia têm origem nas povoações iniciadas por ele, entre as quais, San
Francisco, Los Angeles, San Diego. É o único religioso a ter estátua no
Congresso dos Estados Unidos, ao lado dos “Founding Fathers”, ou seja, é
considerado, até por pessoas sem formação religiosa, uma espécie de “Founding
Father” da nação norte-americana. Convém ainda notar, lutou pelos direitos dos
índios, muitas vezes desrespeitados por administradores e militares. Houve
abusos? Toda atividade humana é passível de abusos. Contudo, temos o fato
histórico, gigantesca obra evangelizadora e civilizatória.
O outro lado, os detratores. Respigo palavras de um
deles, exemplo sintomático de até a que extremos estão dispostos a chegar. São
afirmações delirantes de um scholar e ativista conceituado, o dr. Dean Chavers,
publicadas em 2 de março de 2015, pouco dias antes de Junípero Serra ser
canonizado em artigo intitulado “Turning a killer into a saint?”(“Vão canonizar
um assassino?”, em tradução livre). Claro, o assassino é o frei Junípero. “ Só
Deus sabe quantos índios Serra matou pessoalmente, mas foram centenas, se não
milhares. Garroteou, enforcou, fuzilou, encarcerou, chicoteou. As mulheres
indígenas foram tratadas com crueldade quase igual ▬ estupradas, escravizadas e
abusadas”.
É a opção preferencial pela selvageria, bem como pelo
ocultamento da vida de miséria, crimes e sofrimentos em que infelizmente estavam
afundadas as comunidades indígenas por séculos. Romantizam fraudulentemente a
realidade para tornar debilmente crível os ataques à evangelização e ao esforço
civilizatório. A morte de George Floyd potencializou o movimento “Black lives
matter”, que trouxe em seu bojo o vandalismo contra as estátuas. Nem santos são
poupados. É só esperar, os padres Anchieta e Manuel da Nóbrega sofrerão a mesma
sorte. São Junípero, são José de Anchieta, rogai por nós, rogai pelas Américas.
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