Desassombro
Péricles
Capanema
De há
muito noto entristecido (e inconformado), a palavra Cristandade de tantas
fulgurações vem sendo empurrada de lado. No amplo palacete das ideias, está
jogada para desvão pouco iluminado, quase nunca visto e visitado. Palavra, sim,
isto é, o conceito; de outro modo, a realidade que expressa.
Trágico, Cristandade
não pode ser escorraçada do debate público. Nada apresenta ou fez de infamante;
a mais, tem frescor, fulgura de luz dourada. Subo, tem justificação doutrinária
sólida e enormes realizações históricas. Contudo, essa é a verdade, hoje causa
constrangimentos e assim, parece, seria melhor que não frequentasse a sala, permanecesse
discreta na cozinha, meio escondida, junto com vassouras e rodos. Sua presença brilhante
em locais de destaque atrapalharia a fluidez normal das conversas, dificultaria
aproximações entre os convivas habituais.
Ali na
sala e nas partes principais da residência conversam entre si palavras
[conceitos] como conservadorismo, valores cristãos, raízes cristãs, valores
nacionais, integridade, bons costumes, herança judaico-cristã, filosofia
perene, preservação da família. Gente do bem, como se vê. Cristandade, não. O
máximo que vi a de regra naquele olimpo se admitiria seria a sociedade
laica, vitalmente cristã, para lembrar a famosa formulação maritainista.
Platonicamente,
Cristandade ainda pode se considerar amiga de todos os convivas mencionados, tem
com eles relações antigas, parentesco. Por isso, por enquanto, fica na área de
serviço, esperando a hora de sair sem ruído pela porta da cozinha. Se resistir,
é congruente, seria expulsa, a coligação dos incomodados já não mais a
toleraria.
Cristandade
antes era recusada em particular pelos bad boys. Mas agora vem sendo
empurrada de lado por pessoas respeitáveis, com serviços prestados, que têm um
ponto em comum: não querem ouvir falar de Cristandade, nem estar em sua
companhia, o silêncio a circunda. Quem já padeceu o ostracismo, sabe que é impiedoso,
minucioso e feroz.
Corta. Folheava
o mensário “Catolicismo” (nº 831), quando dei de cara com: “Cristandade –
solução para o vazio da nossa sociedade niilista”. Li de novo. Era aquilo
mesmo, a Cristandade apresentada como solução social para nossos dias. Li de
novo. Não havia dúvida. Fui para o autor, John Horvat II. Lembrei-me, já havia
lido livro dele “Return to Order” e publicado comentário a respeito sob o
cabeçalho: “A coragem das definições” (está desde 26.8.2017 em meu blog periclescapanema.blogspot.com).
“Return
to Order” provocou-me de imediato uma exclamação: “Meu Deus, que coragem!”. Daí
o título do comentário: “A coragem das definições”, de onde recolho: “Existe
também a fortaleza do intelectual, dela se trata aqui — o amor à objetividade o
obriga por vezes a gravar no papel, conscientemente, palavras que destruirão o
êxito profissional e até a nomeada social. Acontece então, a escravidão à
verdade o atira sem volta no ostracismo. O pior dos erros é acertar sozinho contra
muita gente, constatava amargo e risonho Agripino Grieco. Desbravador arrojado,
chegou ao topo do morro, de lá descreveu panoramas novos. Horvat correu riscos
— o primeiro, a incompreensão; o segundo, o isolamento. Quis assim. Assoma
nítido o desassombro, em especial quando demole barreiras fincadas pelas
batidas tiranias das modas do pensamento”.
John
Horvat veio ao encontro de minhas angústias. Repetindo em “Cristandade –
solução para o vazio da nossa sociedade niilista” a coragem intelectual já evidenciada
em “Return to Order”, tratou com desassombro a situação que descrevi acima de
forma sobretudo metafórica. Criou até um ferrete, um slogan para indicar a
exclusão de Cristandade do debate público: o Anything But Christendom Syndrome,
a síndrome do ABC – a síndrome do “Qualquer coisa vale, menos a Cristandade”,
doença composta de várias manifestações associadas a uma condição mórbida critica.
Tal enfermidade afunda suas raízes em velhos preconceitos liberais, que distorcem
a natureza da sociedade cristã, observa ele.
Horvat
desafia, desbrava e encurrala. Cordial, seguro, traz de volta para o centro do
debate o que a patrulha havia expulsado. Ele, um norte-americano, começa sua
justa assim (vou utilizar o original inglês, está na rede): “Graves problemas
morais estão destruindo nosso país”. Continua, muitos descrevem bem os
problemas, erram nas soluções. Outros, sem analisar causas, propõem soluções
inócuas. Outros ainda sugerem saídas de mínimo esforço. A única solução real é
o retorno à Cristandade, diz [vai explicar depois].
Observa,
todos no debate, na esquerda, no centro e na direita, só não admitem debater
uma solução: a Cristandade. É o debate inquinado pela síndrome “Qualquer coisa
vale, menos a Cristandade”. Contaminou tanto o campo temporal como o religioso.
Explica
como conservadores e direitistas estão com medo de tocar no assunto: “Existem
cristãos que de fato desejam a moral com base no Decálogo. Mas não a ousam
propor porque parecem esmagadoramente numerosos as pessoas e meios de
divulgação contrários. A Cristandade está muito distante da sociedade presente;
não é prático propô-la. Para eles, não há chance de vencer. E assim se tornam
pacientes da síndrome do ‘Qualquer Coisa vale, menos a Cristandade’. Os
cristãos volteiam em torno de todos os assuntos ligados a Cristandade, mas
ninguém ousa pronunciar a palavra”.
Por falta
de espaço, não vou tratar aqui da refutação que faz aos que chama de “liberais
radicais” e “moderados radicais”. A recusa de todos eles em admitir sequer a ideia
de Cristandade denota, escreve Horvat, “uma rigidez tirânica, enraizada no
materialismo”.
Chega à
parte final do artigo: “Como nossos problemas são morais, nossas soluções devem
ser morais”. Mostra que a Cristandade é solução natural, postos o Direito Natural
e a moral da Igreja, que estão conformes à natureza humana. E daí a maior
felicidade e harmonia social, para cristãos e não-cristãos, encontram-se numa
atmosfera de civilização cristã. Refuta falsidades, entre as quais a da
imposição da Fé ▬ a Fé é um dom sobrenatural, não pode ser imposto. E pontua,
tais falsidades estão sendo vociferadas em ambiente convulsionado em que uma
coligação anti-Cristandade vem impondo a pauta de que tudo vale, menos a
Cristandade. E nas forças da investida estão satanismo, promotores agenda
LGBT+, defensores da pauta transgênero, incentivadores das blasfêmias, tudo
Em
resumo, os tempos estão maduros para debater a Cristandade. Sua defesa precisa
ser feita abertamente, sem desculpas e com entusiasmo. Trabalho de esclarecimento, em primeiro lugar,
a maioria nem sabe o que é a Cristandade. Sem tal debate, a sociedade
continuará a afundar na anarquia e no libertarianismo. “Como nossos problemas
são morais, as soluções devem ser morais”. E finaliza: “Precisamos urgentemente
de uma civilização cristã. Essa é uma proposta [a Cristandade] que deve, pelo
menos, ser tomada em consideração”. De novo, felicitações.
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