A canhotada pira
Péricles
Capanema
Marcos, ídolo
do futebol, antigo goleiro do Palmeiras e da seleção, em 21 de março pelo
instagram deu os parabéns de aniversário ao presidente Jair Bolsonaro, torcedor
do time: “Feliz aniversário Presida! Força aí nesse momento, seja mais Jair e
menos Messias, mantenha a fé, a paciência, humildade e a responsabilidade que o
cargo exige, do mais, tamo junto! OBS: agora a canhotada pira, aguenta ou
surta! Desativei os comentários, pronto, agora só eu falo, pra quem gosta de
Cuba e Venezuela e querem que aqui seja igual, vai se acostumando e treinando a
ter um ditador aqui no meu insta!”
A
canhotada não aguentou, pirou. Marcos segurou as bolas e chutou de volta: “Fui
roubado pelo maior esquema de corrupção da história da humanidade, vcs
perdoaram? Eu não! Vcs são melhores que eu!”. A canhotada não surtou, mas pirou
de novo.
Mais
tarde, parece, gol vazado, Marcos mudou o tom e postou: “Amigos, agora é sério,
sem tretas e provocações, o problema é grave. Torço do fundo do meu coração
para que eu, toda minha família, vocês e os seus, consigamos passar por essa
guerra sem perdas, vou dar um tempo com as brincadeiras e provocações
políticas, porque não é mais o momento pra isso. O assunto é muito sério, vou
dar um tempo por aqui, cuidem-se e que Deus proteja a nós e aos enfermos desse
mal”. Não sei o que terá acontecido. Fica a impressão, houve contraofensiva cerrada.
Imaginei, o título desse artigo poderia ter sido: Intolerância e exclusão.
Pouco
depois, Marcos prometeu ajudar com um salário mínimo mensal durante seis meses
a dez desempregados. Atitude bonita, ajudar os que agora sofrem, merece elogio.
Pensava,
o Marcos foi jair, tenta ajudar (seja mais Jair e menos Messias). Mas quem
resolver o caso do coronavirus vira messias. Foi aí recebi um verdadeiro ensaio
enviado por amigo colombiano de décadas.
A análise
é de 21 de março, publicada no El País, diário de Barcelona, o principal da
Espanha, centro-esquerda; digamos, seria a Folha de São Paulo de lá. O autor do
trabalho é Byung-Chul Han, intelectual sul-coreano que mora em Berlim, filósofo
celebrado e professor universitário. Tem livros de ampla circulação em especial
na esquerda libertária, vários dos quais traduzidos para o português e vendidos
aqui. A Editora Vozes (que publica os livros de Leonardo Boff) edita livros de
Byung-Chul Han. Por aí já se pode ter uma primeira ideia de qual orientação tem
o sul-coreano. Ele pisaria, para simplificar, as pegadas de Michel Foucault. O
título do ensaio que está no site do El País (seção Ideas – Opinión): “La
emergência viral y el mundo del mañana. Byung-Chul Han, el filósfo surcoreano
que piensa desde Berlim”.
O mais importante
já está no cabeçalho: o mundo de amanhã. O ensaio começa com uma constatação:
“Em Hong Kong, Taiwan, Cingapura existem poucos infectados. A Coreia do Sul
também já superou a pior fase. Igual, Japão. Mesmo a China, o país de origem da
pandemia, já a tem bastante controlada. Mas nem em Taiwan, nem na Coreia do Sul
foi decretada a proibição de sair de casa, não foram fechados restaurantes e lojas.
Entrementes, começou um êxodo de asiáticos que querem sair da Europa. Chineses
e coreanos querem voltar para seus países, porque lá se sentem mais seguros. Os
preços das passagens aumentaram. Está difícil conseguir passagens para a China
ou a Coreia”.
Continua
Byung-Chul Han: “Os Estados asiáticos como Japão, Coreia, China, Hong Kong,
Taiwan, Cingapura têm mentalidade autoritária. Não apenas na China, mas também
na Coreia ou no Japão a vida quotidiana está organizada muito mais estritamente
que na Europa. Para enfrentar o vírus, os asiáticos apostam na vigilância
digital. Na Ásia as epidemias não são combatidas só por virólogos, mas
sobretudo por informáticos e especialistas em big data. Os apologistas da big
data dirão que ela salva vidas humanas”
O
filósofo diz que quase não há reação contra a invasão da vigilância digital na
vida diária dos cidadãos. Continua: “Na China em nenhum momento da vida quotidiana
você está fora da observação. Controla-se cada clique, cada compra, cada
contato, cada atividade nas redes sociais, a travessia em um semáforo vermelho.
Na China existem 200 milhões de câmeras de vigilância, muitas com instrumentos
de inteligência artificial. Os provedores chineses de celulares compartilham os
dados sensíveis da seus clientes com os serviços de segurança e de saúde”.
Explica
como foi detida a pandemia em vários locais da Ásia, em Wuhan inclusive, com o
emprego da vigilância digital e compartilhamento de big data. Infectados,
suspeitos, encontros deles, tudo era monitorado em tempo real. E aqui chego ao
que pretendo particularmente destacar hoje: “A China poderá vender agora seu
Estado policial digital como um modelo de êxito contra a pandemia, exibirá a
superioridade de seu sistema ainda com mais orgulho. A comoção é um momento propício
para estabelecer um novo sistema de governo. Oxalá que depois da comoção
provocada pelo vírus não se estabeleça na Europa um regime policial digital
como o chinês”.
Resumi
muito, o ensaio é enorme. Em duas palavras, o controle digital minucioso mais
que o sistema sanitário, está liquidando a pandemia, salvando vidas. A contrapartida:
o controle estatal. É a versão atual do “Better red than dead”, expressão tão
ligada a Bertrand Russell; de outro modo, a tentação de dar a liberdade em
troca da vida.
Daqui a
pouco poderão chegar ao Brasil equipes chinesas para ajudar no combate ao
coronavirus. Alucinações? Elas já estão na Itália. Lá também estão médicos
cubanos que foram aplaudidos ao desembarcar. Está também chegando a ajuda
russa, equipamentos e cerca de 100 médicos epidemiologistas.
As
patrulhas calarão os brasileiros temerosos de perder a liberdade? Se os
emudecerem, a canhotada vai então deixar de pirar e passar a ganhar de goleada.
Concluo. Não estou inventando hipóteses distantes. Existe o problema, arrombou nossas
portas. Apenas o exponho ao ecoar de forma muito resumida, praticamente sem comentários,
o que um intelectual libertário, inimigo do capitalismo, afirmou em diário
esquerdista espanhol de grande circulação.
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