Bem comum, tema antigo, sempre palpitante
Péricles
Capanema
Bem
comum, expressão que aparece a toda hora; trocadilho perdoado, bem comum é bem
comum. Natural, entre outros efeitos, de sua conceituação correta depende o bom
governo. Para mim, portanto, já de saída, matéria atual, essencial, embora a
veja distante das manchetes. Para outros, será assunto ultrapassado e
desinteressante, pouco importaria ter noção certa dele. Para fazer bom governo,
bastaria ter seriedade administrativa. Ademais, coisa para lá de debatida;
justificadamente longe das manchetes. Não seria objeto de livro best-seller;
quando muito serviria para livro long-seller.
Claro, é questão
velha; martelo, porém, nunca deixou de ter atualidade incandescente, própria
aos grandes problemas, eles são perenes. Com efeito, em muitos sentidos o que é
verdadeiramente atual deixa ver sempre a nota do perene ▬ eco do imorredouro no
presente. O resto é só o momentâneo, o passageiro, o fugaz, o efêmero, o fugidio,
sei lá o que mais. Realidades breves evanescentes, minguando rumo ao nada.
Mesmo o
juiz de Direito, embora atento à letra da lei, precisa ter como fundo de quadro
o bem comum. Comanda o artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro: “Na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Na
mesma direção, o artigo 8º do Código de Processo Civil: “Ao aplicar o
ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem
comum”. De outro modo, o juiz nunca deve ofender o bem comum ao aplicar a lei.
Tais disposições ecoam vetusto aforisma do Direito Romano: “salus populi
suprema lex esto”. Que a salvação do povo seja a lei suprema. A expressão salus
populi aqui poderia ser traduzida por bem comum.
Escrevi acima, “de sua conceituação correta”. Então, o que é
o bem comum? Faça um teste, procure quem o defina nos livros e entre
conhecidos. Em 90% dos casos, por baixo, topará com palavras pouco
esclarecedoras., quando não bobagens. Espero que nos restantes 10% tenha melhor
sorte. Tive um professor, dizia sempre, esqueçam o bem comum, ninguém sabe o
que é. E clareza a respeito do bem comum é dos pressupostos mais importantes
para quem pretende ter presença útil na vida pública de um país, não importa em
que grau.
A respeito, sorte tive uma vez, dela não me esqueço. Sempre
me impressionou a exposição sobre o bem comum feita por João XXIII na “Pacem in
Terris”, continuação em especial dos ensinamentos a respeito de Leão XIII, Pio
XI e Pio XII.
O núcleo do conceito ali está perfeitamente exposto. O Pontífice
afirma “o bem comum diz respeito ao homem todo, tanto às necessidades do corpo,
como às do espírito”. O Papa lembra a seguir a definição já constante na “Mater
et Magistra”, “conjunto de todas as condições da vida
social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade
humana”. Pontua, os “moldes”, aquilo que caracteriza o bem comum, devem
favorecer a obtenção da salvação eterna. E finalmente desagua na conclusão´: “a realização do bem comum constitui a própria razão de
ser dos poderes públicos”.
Trata-se então de ilustrar
e enriquecer tais afirmações. Vou me deter em um ponto “favorecer o
desenvolvimento integral da pessoa humana”. É desenvolvimento “tous azimuts”,
nada fica fora. Cada situação na vida social que obstaculize o
pleno desabrochar das qualidades das pessoas irá contra o bem comum. Das
pessoas e grupos sociais também, bem entendido, o primeiro dos quais e o mais
importante, a família; ampla, moralizada, englobando muitos ramos, enraizada,
influente. Recordo, mais que o ouro ou o petróleo, tais potencialidades a serem
desabrochadas constituem o maior ativo que têm as famílias os grupos sociais e
os países. Em suas lutas para subir, facilitar o desenvolvimento das
potencialidades é o que mais pode evitar o decaimento, promovendo amplíssima
inclusão.
Esse caminho em direção à plenitude
será o verdadeiro avanço civilizatório de que precisamos, poupando-nos da
desgraça vivida hoje, entre outros, por Cuba e Venezuela, trágicos exemplos de
ditaduras que provocam atrofia social. Enfim, nos livraríamos de retrocessos
revolucionários, seríamos poupados dos atrasos viabilizados pelas vanguardas
progressistas.
Aqui
estão pontos fundamentais do debate público. Com senso de proporção, pautados
pela justiça, são prioritários o combate à atrofia e o estímulo à plenitude da
vida social, dentro da qual está a econômica. Integram o bem comum, tornam
possível a realização pessoal e a felicidade.
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