Avisos velhos, aviso novo
Péricles Capanema
Falsa calmaria. Em 30 de junho de
2020, em números redondos, dois anos e meio atrás, postei em meu blog artigo
intitulado “Atualidade do caso Dreyfus”. Está na rede, consulta fácil. Era uma
espécie de metáfora para situações de alcance nacional e até mundial, algumas delas
ainda algum tanto embrionárias, que via tomar corpo de forma ameaçadora e
crescente. O artigo voltou a ficar palpitante.
Retrocesso civilizatório. Em suma, preocupavam-me sintomas de expansão da esquerda.
O inchaço acarretaria asfixia de direitos e liberdades naturais, bem como pobreza
maior e agravamento da falta de perspectivas para a maioria mais necessitada. Nas
palavras, promessas de políticas inclusivas; nos fatos, cruel crescimento da
exclusão. Sufocação dos melhores sonhos no âmbito pessoal, no social, atrofia de
iniciativas; obscurantismo e atrasos, enfim. Na América Latina, viria (veio) a
devastação de uma nova “onde rosa”, que varreria (está varrendo) resistências,
abrindo caminho para epígonos castristas, chavistas e sandinistas. Para a modesta
advertência, escolhi de indústria tema já antigo, o caso Dreyfus, relegado a
arquivos empoeirados, mas sempre episódio histórico de enorme significado para
a vida da França ▬ pública e privada. Poderia ter respigado outros
acontecimentos, igualmente relevantes, seriam também atuais como padrão para
comparações. Contudo, não teriam tanta carga simbólica, presente de modo
inigualado no caso Dreyfus.
Assunto desconhecido para muita gente. Sabia, era inusitado o título, poderia até soar singular;
ademais, o caso nenhuma atualidade pareceria ter. Seria atual? Era atual como
metáfora; repito, alarmava-me a possibilidade da avalanche esquerdista, pipocavam
sintomas de estar forte e próxima. Mas também pressentia, perdoem-me a linguagem
informal, ninguém ia dar bola para o texto, distante dos fatos candentes do cotidiano.
Aconteceu o que previ, o texto passou em branco. Não me importo; precisava deixar
constância, representava imposição de consciência. Urgia pôr na tinta preta sobre
papel branco, advertências, de fato avisos aos navegantes, lições elucidativas
que o fato histórico propiciava, faróis para a tempestade, ainda nas brumas,
que se formava no horizonte.
Miragens? Nada
indicava. A figura assustadora surgia fácil. Era suficiente um olhar desintoxicado
de otimismos balofos. Muito do que no artigo expunha como perspectiva ruim hoje
já é realidade. Viraram avisos velhos, pouca ou nenhuma serventia, podem ir
para o arquivo. Vou apenas recordar abaixo uma pequena parte, informações para
compor melhor o texto. Mas meu foco é o aviso novo. Nem poderia deixar de ser.
Aviso novo. Sei,
é antipático, pode adiantar pouco ou nada, mas está na hora do aviso novo. Será
curto, poderia ser extenso, não será, vou me fixar em apenas um ponto, que não
está sendo ventilado, talvez propositadamente, mas de fundamental importância
para o futuro do Brasil. Lula e sua equipe proteiforme estão no início de
caminhada. Primeiros sintomas, a marcha está sendo preparada para ser longa e
demolidora ▬ como a de seu ídolo, o tirano Fidel Castro, que décadas a fio sufocou
e empobreceu Cuba, “o maior de todos os latino-americanos”, segundo o delirante
ditirambo do presidente eleito. Aumentam os riscos de despencar na barbárie, de
onde será difícil voltar, lá já estão Coréia do Norte, Cuba, em boa parte,
Rússia.
Disfarçado, mas efetivo protetorado chinês. Nesta etapa inicial, a nova equipe ainda conta com
apoio insensato (o mínimo a dizer) de figuras e correntes, cujo suporte
acelerará o processo, já avançado, de empurrar o Brasil para a órbita chinesa, afastando-o
paulatinamente da área de influência norte-americana e europeia. É para onde rolam
os amigos de Lula no Chile, Colômbia, Argentina, Cuba, Nicarágua. Nos próximos
meses teremos, é o conjeturável, notícias perturbadoras.
Resgate urgente da esperança. É incoercível o deslizamento com o apagamento real, ainda
que camuflado, da soberania nacional? Não, existem esperanças vivas e robustas de
reação salvífica. Foram muito fortes as primeiras resistências ao lulismo, trazem
um frescor de 2013. Raízes boas, cumpre nutri-las, diria o conselheiro Acácio.
Como? De forma particular, energizando esperanças fundadas na realidade. O
ministro Paulo Guedes notou que as regiões que deram vitória ao antipetismo na
última eleição representam 86% do PIB nacional. De outro modo, o Brasil mais
dinâmico recusa o petismo, dele tem horror. É base forte para iniciar
arremetida de recuperação e vitória. E então, buscando o factível, dentro da
lei, evitando promessas ilusórias, fonte de desânimos, decepções e
desnorteamento, muito se poderá obter.
Sintomas crescentes de borrasca. Para concluir, recordo trechos (excertos) do referido
artigo. Ilustram o presente, contribuem para tornar mais clara a caminhada,
espancando as sombras do obscurantismo mental. Donald Trump governava os
Estados Unidos, campanha de reeleição no começo, por muitos, aqui e lá, tida
como garantida. Bolsonaro surfava no meio do mandato. Escrevi então: “Acho
que é opinião geral, nada mais anacrônico que o caso Dreyfus. Tenho conjetura
diferente, é palpitante. A situação pela qual passamos o evoca. Vislumbro
perspectivas difíceis para os próximos anos. Tratarei delas nas hipóteses
abaixo; e aí ficará clara, espero, a atualidade do caso Dreyfus ▬ ferramenta de
interpretação”.
Caso Dreyfus, aqui simples ferramenta de
interpretação. Se quisermos, metáfora ▬ símbolo, imagem,
semelhança ▬ para entender com maior objetividade e profundeza o que estava se
delineando. Continuava o texto: “‘Historia magistra vitae’, Cícero. Virou
chavão, não deixa de ser verdadeiro e instrutivo. Para os leitores que ainda
não o conhecem, durou 12 anos o caso Dreyfus, 1894 a 1906. Rachou a França de
alto a baixo repercutindo nos âmbitos religioso, militar, político, social,
moral, psicológico. Foi o maior escândalo do fim do século XIX, dos maiores da
História gaulesa. A França então se dividiu em duas ▬ sem-número de famílias
fendidas, pai contra filho, mulher contra marido ▬, de um lado, “dreyfusards”;
na banda oposta, “antidreyfusards”. No primeiro campo, visão por alto,
posicionaram-se republicanos, esquerda radical, esquerda socialista,
intelectuais antimilitaristas, pacifistas, maçons. No segundo, também a “vol-d’oiseau”,
monarquistas, defensores do Exército, católicos conservadores e
tradicionalistas, parte da Hierarquia eclesiástica, antissemitas; de forma
especial, boulangeristas e outros grupos do nacionalismo extremado. Os dois
lados tiveram imprensa violenta tensionando o ambiente. Até hoje não se sabe
bem como o caso começou”.
Marcos do caso Dreyfus.
Mais informações no referido artigo: “Em pinceladas rápidas, alguns episódios.
Alfred Dreyfus (1859-1935), personagem central, servia como oficial de
artilharia, origem alsaciana, família judia. Então capitão, foi acusado de
espionar para a Alemanha, inimigo histórico, acabou condenado pela justiça
militar em 22 de dezembro de 1894 à degradação e prisão perpétua. Partiu preso
para as Guianas em 21 de fevereiro de 1895. O coronel Marie-Georges Picquart,
em 2 de março de 1896, descobriu que o espião provável era o major Esterhazy. O
coronel Picquart investigou a situação e nele a suspeita se transformou em
certeza. O caso começou a tomar rumo distinto. Em 11 de janeiro de 1898 o
Conselho de Guerra absolveu Esterhazy. O “J’accuse” de Émile Zola foi estampado
na primeira página do “L’Aurore” de Georges Clemenceau, 13 de janeiro de 1898.
Foi anulada a sentença contra Dreyfus em 3 de junho de 1899; ele imediatamente
deixou a Ilha do Diabo, onde cumpria pena. Dreyfus foi condenado novamente por
tribunal militar em 9 de setembro de 1899, agora a 10 anos de prisão com
atenuantes, perdoado dez dias depois pelo presidente da República. Nas eleições
de 1902, vitória das esquerdas; Jean Jaurès em 7 de abril de 1903 relançou o
caso Dreyfus. Em 13 de julho de 1906 a Câmara votou lei que reintegrou Dreyfus
ao Exército com grau de major. Em 12 de julho de 1906, a Corte de Cassação
anulou o julgamento do Conselho de Guerra, reabilitou o capitão, reconhecendo
inocência. Alfred Dreyfus, 21 de julho de 1906, recebeu a mais alta
condecoração francesa, a Legião de Honra, grau de cavaleiro. Em 26 de outubro
de 1906, o (agora) general Marie-Georges Picquart foi nomeado ministro da
Guerra”.
Vantagens revolucionárias.
Enumerava então alguns efeitos do caso Dreyfus, são ensinamentos: “Em seu
conjunto, o caso fortaleceu a república, enfraqueceu o movimento monarquista;
lançou nota de descrédito sobre a alta hierarquia da Igreja, bafejou o
anticlericalismo do início do século XX, favoreceu o laicismo oficial e a
perseguição às congregações religiosas. Facilitou a vitória nas eleições
legislativas do Bloco das Esquerdas. A mais, deslustrou o Exército, em especial
a oficialidade de origem aristocrática. Finalmente, foi trombeteado como
vitória da razão e da justiça (enraizadas na esquerda) contra o preconceito e a
intolerância (aninhados na direita e em setores conservadores). Uma parte da
direita se consolidou com base em justificativas que causarão sua demolição em
anos futuros”.
O rumo dos Estados Unidos.
Tratava mais embaixo do papel dos Estados Unidos: “Ponto fundamental, como
agirão os Estados Unidos? Estamos a quatro meses da eleição presidencial. De
momento, são boas as chances de Joe Biden bater Donald Trump. Notório,
parece-me, Donald Trump está com a reeleição ameaçada. Nas últimas eleições
presidenciais, Hillary Clinton obteve 65.853.514 votos, Donald Trump,
62.984.828; perdeu por 2.868.686 votos (no Colégio Eleitoral, Trump ficou com
304 votos, Hillary 227). Sua aprovação não subiu; existem fatores que podem
baixá-la: economia em declínio, pandemia em ascensão, agitações sociais em
vários pontos do país. A vitória de Biden animará as esquerdas no mundo inteiro”.
Boicote a governos conservadores.
Continua o já antigo artigo: “Governos de direita serão boicotados, em especial
na Europa e na América Latina, com bafejo à oposição interna de esquerda. Outro
ponto provável, a agenda chamada “social” terá mais virulenta aplicação. Social
aqui significa estimular a desagregação da sociedade com fortalecimento de
movimentos LGBT, ideologia do gênero, liberalização ainda maior do aborto,
entre outros”.
Resistência, reação, reconstrução.
I adiante: “Para as forças conservadoras, se as perspectivas aqui rabiscadas se
realizarem no todo ou em parte, serão anos de resistência, reação e
reconstrução. Importa lembrar, para um movimento muitas vezes mais vale a
legenda que dele evola que a realidade que expressa. Para o retorno triunfante
(ou, pelo menos, exitoso) preservar a aura, a legenda, mais caseiramente, o bom
nome, é fundamental. A reconstrução será favorecida se ao conservadorismo
estiverem ligadas as noções de ordem, razoabilidade, senso de proporção,
limpeza ética, religiosidade. Tudo será mais difícil se no espírito público aos
grupos conservadores, no poder ou fora dele, por meio de campanhas conduzidas
de forma eficaz ficarem correntemente associadas as pechas da irreflexão,
irresponsabilidade e insensibilidade. Mais ainda, corrupção e falta de
escrúpulos. Como infelizmente se deu após o caso Dreyfus, parte da reconstrução
poderia trabalhar sobre alicerces corroídos. Em resumo, o que acontecer agora
poderá determinar ou limitar condutas nos previsíveis períodos de resistência,
reação e reconstrução. E será utilizado implacavelmente por forças
revolucionárias para sufocar quaisquer movimentos que se oponham a seus
objetivos. Fui pessimista? Espero que não. Olhemos ao redor. Foram simples
conjeturas, feitas com intenção de ajudar a lutar num futuro que pode ser
difícil”.
Conclusão. São reflexões já
antigas, que agora readquiriram atualidade diante do futuro preocupante. Concluí
assim: “Para poder enfrentá-lo, se acontecer. Sem ilusões. Tenho presente a ‘boutade’
de Agripino Grieco: “O pior dos erros é acertar sozinho contra muita gente”. Às
vezes é preciso errar.
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