domingo, 6 de novembro de 2022

Avisos velhos, aviso novo

 

Avisos velhos, aviso novo

 

Péricles Capanema

 

Falsa calmaria.  Em 30 de junho de 2020, em números redondos, dois anos e meio atrás, postei em meu blog artigo intitulado “Atualidade do caso Dreyfus”. Está na rede, consulta fácil. Era uma espécie de metáfora para situações de alcance nacional e até mundial, algumas delas ainda algum tanto embrionárias, que via tomar corpo de forma ameaçadora e crescente. O artigo voltou a ficar palpitante.

 

Retrocesso civilizatório. Em suma, preocupavam-me sintomas de expansão da esquerda. O inchaço acarretaria asfixia de direitos e liberdades naturais, bem como pobreza maior e agravamento da falta de perspectivas para a maioria mais necessitada. Nas palavras, promessas de políticas inclusivas; nos fatos, cruel crescimento da exclusão. Sufocação dos melhores sonhos no âmbito pessoal, no social, atrofia de iniciativas; obscurantismo e atrasos, enfim. Na América Latina, viria (veio) a devastação de uma nova “onde rosa”, que varreria (está varrendo) resistências, abrindo caminho para epígonos castristas, chavistas e sandinistas. Para a modesta advertência, escolhi de indústria tema já antigo, o caso Dreyfus, relegado a arquivos empoeirados, mas sempre episódio histórico de enorme significado para a vida da França ▬ pública e privada. Poderia ter respigado outros acontecimentos, igualmente relevantes, seriam também atuais como padrão para comparações. Contudo, não teriam tanta carga simbólica, presente de modo inigualado no caso Dreyfus.

 

Assunto desconhecido para muita gente. Sabia, era inusitado o título, poderia até soar singular; ademais, o caso nenhuma atualidade pareceria ter. Seria atual? Era atual como metáfora; repito, alarmava-me a possibilidade da avalanche esquerdista, pipocavam sintomas de estar forte e próxima. Mas também pressentia, perdoem-me a linguagem informal, ninguém ia dar bola para o texto, distante dos fatos candentes do cotidiano. Aconteceu o que previ, o texto passou em branco. Não me importo; precisava deixar constância, representava imposição de consciência. Urgia pôr na tinta preta sobre papel branco, advertências, de fato avisos aos navegantes, lições elucidativas que o fato histórico propiciava, faróis para a tempestade, ainda nas brumas, que se formava no horizonte.

 

Miragens? Nada indicava. A figura assustadora surgia fácil. Era suficiente um olhar desintoxicado de otimismos balofos. Muito do que no artigo expunha como perspectiva ruim hoje já é realidade. Viraram avisos velhos, pouca ou nenhuma serventia, podem ir para o arquivo. Vou apenas recordar abaixo uma pequena parte, informações para compor melhor o texto. Mas meu foco é o aviso novo. Nem poderia deixar de ser.

 

Aviso novo. Sei, é antipático, pode adiantar pouco ou nada, mas está na hora do aviso novo. Será curto, poderia ser extenso, não será, vou me fixar em apenas um ponto, que não está sendo ventilado, talvez propositadamente, mas de fundamental importância para o futuro do Brasil. Lula e sua equipe proteiforme estão no início de caminhada. Primeiros sintomas, a marcha está sendo preparada para ser longa e demolidora ▬ como a de seu ídolo, o tirano Fidel Castro, que décadas a fio sufocou e empobreceu Cuba, “o maior de todos os latino-americanos”, segundo o delirante ditirambo do presidente eleito. Aumentam os riscos de despencar na barbárie, de onde será difícil voltar, lá já estão Coréia do Norte, Cuba, em boa parte, Rússia.

 

Disfarçado, mas efetivo protetorado chinês. Nesta etapa inicial, a nova equipe ainda conta com apoio insensato (o mínimo a dizer) de figuras e correntes, cujo suporte acelerará o processo, já avançado, de empurrar o Brasil para a órbita chinesa, afastando-o paulatinamente da área de influência norte-americana e europeia. É para onde rolam os amigos de Lula no Chile, Colômbia, Argentina, Cuba, Nicarágua. Nos próximos meses teremos, é o conjeturável, notícias perturbadoras.

 

Resgate urgente da esperança. É incoercível o deslizamento com o apagamento real, ainda que camuflado, da soberania nacional? Não, existem esperanças vivas e robustas de reação salvífica. Foram muito fortes as primeiras resistências ao lulismo, trazem um frescor de 2013. Raízes boas, cumpre nutri-las, diria o conselheiro Acácio. Como? De forma particular, energizando esperanças fundadas na realidade. O ministro Paulo Guedes notou que as regiões que deram vitória ao antipetismo na última eleição representam 86% do PIB nacional. De outro modo, o Brasil mais dinâmico recusa o petismo, dele tem horror. É base forte para iniciar arremetida de recuperação e vitória. E então, buscando o factível, dentro da lei, evitando promessas ilusórias, fonte de desânimos, decepções e desnorteamento, muito se poderá obter.

 

Sintomas crescentes de borrasca. Para concluir, recordo trechos (excertos) do referido artigo. Ilustram o presente, contribuem para tornar mais clara a caminhada, espancando as sombras do obscurantismo mental. Donald Trump governava os Estados Unidos, campanha de reeleição no começo, por muitos, aqui e lá, tida como garantida. Bolsonaro surfava no meio do mandato. Escrevi então: “Acho que é opinião geral, nada mais anacrônico que o caso Dreyfus. Tenho conjetura diferente, é palpitante. A situação pela qual passamos o evoca. Vislumbro perspectivas difíceis para os próximos anos. Tratarei delas nas hipóteses abaixo; e aí ficará clara, espero, a atualidade do caso Dreyfus ▬ ferramenta de interpretação”.

 

Caso Dreyfus, aqui simples ferramenta de interpretação. Se quisermos, metáfora ▬ símbolo, imagem, semelhança ▬ para entender com maior objetividade e profundeza o que estava se delineando. Continuava o texto: “‘Historia magistra vitae’, Cícero. Virou chavão, não deixa de ser verdadeiro e instrutivo. Para os leitores que ainda não o conhecem, durou 12 anos o caso Dreyfus, 1894 a 1906. Rachou a França de alto a baixo repercutindo nos âmbitos religioso, militar, político, social, moral, psicológico. Foi o maior escândalo do fim do século XIX, dos maiores da História gaulesa. A França então se dividiu em duas ▬ sem-número de famílias fendidas, pai contra filho, mulher contra marido ▬, de um lado, “dreyfusards”; na banda oposta, “antidreyfusards”. No primeiro campo, visão por alto, posicionaram-se republicanos, esquerda radical, esquerda socialista, intelectuais antimilitaristas, pacifistas, maçons. No segundo, também a “vol-d’oiseau”, monarquistas, defensores do Exército, católicos conservadores e tradicionalistas, parte da Hierarquia eclesiástica, antissemitas; de forma especial, boulangeristas e outros grupos do nacionalismo extremado. Os dois lados tiveram imprensa violenta tensionando o ambiente. Até hoje não se sabe bem como o caso começou”.

 

Marcos do caso Dreyfus. Mais informações no referido artigo: “Em pinceladas rápidas, alguns episódios. Alfred Dreyfus (1859-1935), personagem central, servia como oficial de artilharia, origem alsaciana, família judia. Então capitão, foi acusado de espionar para a Alemanha, inimigo histórico, acabou condenado pela justiça militar em 22 de dezembro de 1894 à degradação e prisão perpétua. Partiu preso para as Guianas em 21 de fevereiro de 1895. O coronel Marie-Georges Picquart, em 2 de março de 1896, descobriu que o espião provável era o major Esterhazy. O coronel Picquart investigou a situação e nele a suspeita se transformou em certeza. O caso começou a tomar rumo distinto. Em 11 de janeiro de 1898 o Conselho de Guerra absolveu Esterhazy. O “J’accuse” de Émile Zola foi estampado na primeira página do “L’Aurore” de Georges Clemenceau, 13 de janeiro de 1898. Foi anulada a sentença contra Dreyfus em 3 de junho de 1899; ele imediatamente deixou a Ilha do Diabo, onde cumpria pena. Dreyfus foi condenado novamente por tribunal militar em 9 de setembro de 1899, agora a 10 anos de prisão com atenuantes, perdoado dez dias depois pelo presidente da República. Nas eleições de 1902, vitória das esquerdas; Jean Jaurès em 7 de abril de 1903 relançou o caso Dreyfus. Em 13 de julho de 1906 a Câmara votou lei que reintegrou Dreyfus ao Exército com grau de major. Em 12 de julho de 1906, a Corte de Cassação anulou o julgamento do Conselho de Guerra, reabilitou o capitão, reconhecendo inocência. Alfred Dreyfus, 21 de julho de 1906, recebeu a mais alta condecoração francesa, a Legião de Honra, grau de cavaleiro. Em 26 de outubro de 1906, o (agora) general Marie-Georges Picquart foi nomeado ministro da Guerra”.

 

Vantagens revolucionárias. Enumerava então alguns efeitos do caso Dreyfus, são ensinamentos: “Em seu conjunto, o caso fortaleceu a república, enfraqueceu o movimento monarquista; lançou nota de descrédito sobre a alta hierarquia da Igreja, bafejou o anticlericalismo do início do século XX, favoreceu o laicismo oficial e a perseguição às congregações religiosas. Facilitou a vitória nas eleições legislativas do Bloco das Esquerdas. A mais, deslustrou o Exército, em especial a oficialidade de origem aristocrática. Finalmente, foi trombeteado como vitória da razão e da justiça (enraizadas na esquerda) contra o preconceito e a intolerância (aninhados na direita e em setores conservadores). Uma parte da direita se consolidou com base em justificativas que causarão sua demolição em anos futuros”.

 

O rumo dos Estados Unidos. Tratava mais embaixo do papel dos Estados Unidos: “Ponto fundamental, como agirão os Estados Unidos? Estamos a quatro meses da eleição presidencial. De momento, são boas as chances de Joe Biden bater Donald Trump. Notório, parece-me, Donald Trump está com a reeleição ameaçada. Nas últimas eleições presidenciais, Hillary Clinton obteve 65.853.514 votos, Donald Trump, 62.984.828; perdeu por 2.868.686 votos (no Colégio Eleitoral, Trump ficou com 304 votos, Hillary 227). Sua aprovação não subiu; existem fatores que podem baixá-la: economia em declínio, pandemia em ascensão, agitações sociais em vários pontos do país. A vitória de Biden animará as esquerdas no mundo inteiro”.

 

Boicote a governos conservadores. Continua o já antigo artigo: “Governos de direita serão boicotados, em especial na Europa e na América Latina, com bafejo à oposição interna de esquerda. Outro ponto provável, a agenda chamada “social” terá mais virulenta aplicação. Social aqui significa estimular a desagregação da sociedade com fortalecimento de movimentos LGBT, ideologia do gênero, liberalização ainda maior do aborto, entre outros”.

 

Resistência, reação, reconstrução. I adiante: “Para as forças conservadoras, se as perspectivas aqui rabiscadas se realizarem no todo ou em parte, serão anos de resistência, reação e reconstrução. Importa lembrar, para um movimento muitas vezes mais vale a legenda que dele evola que a realidade que expressa. Para o retorno triunfante (ou, pelo menos, exitoso) preservar a aura, a legenda, mais caseiramente, o bom nome, é fundamental. A reconstrução será favorecida se ao conservadorismo estiverem ligadas as noções de ordem, razoabilidade, senso de proporção, limpeza ética, religiosidade. Tudo será mais difícil se no espírito público aos grupos conservadores, no poder ou fora dele, por meio de campanhas conduzidas de forma eficaz ficarem correntemente associadas as pechas da irreflexão, irresponsabilidade e insensibilidade. Mais ainda, corrupção e falta de escrúpulos. Como infelizmente se deu após o caso Dreyfus, parte da reconstrução poderia trabalhar sobre alicerces corroídos. Em resumo, o que acontecer agora poderá determinar ou limitar condutas nos previsíveis períodos de resistência, reação e reconstrução. E será utilizado implacavelmente por forças revolucionárias para sufocar quaisquer movimentos que se oponham a seus objetivos. Fui pessimista? Espero que não. Olhemos ao redor. Foram simples conjeturas, feitas com intenção de ajudar a lutar num futuro que pode ser difícil”.

 

Conclusão. São reflexões já antigas, que agora readquiriram atualidade diante do futuro preocupante. Concluí assim: “Para poder enfrentá-lo, se acontecer. Sem ilusões. Tenho presente a ‘boutade’ de Agripino Grieco: “O pior dos erros é acertar sozinho contra muita gente”. Às vezes é preciso errar.

 

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