Vedação ao retrocesso
social
Péricles Capanema
Vou refletir brevemente sobre quatro assuntos
candentes, que provavelmente repercutirão, já a partir de agora, pelos anos e
décadas afora. Depois trato, tendo como pano de fundo fato recente, do
princípio da vedação ao retrocesso social [ou proibição do retrocesso social],
exigência da legislação brasileira em todos os seus níveis. Será coisa muito
atual, podem apostar.
Argentina se aproxima da China e da
Rússia. Alberto
Fernández, presidente da Argentina, vindo do Moscou, passou por Pequim. Foi lá
sacramentar contrato de 9 bilhões de dólares (há notícias que falam em 20
bilhões) para construção de usina de produção de energia nuclear. Tudo ali vai
ser chinês. É laço forte e duradouro da China comunista com a Argentina; no
caso, mais um passo na marcha do isolamento progressivo dos Estados Unidos na
América Latina. O normal teria sido a assinatura de pacto tão delicado (energia
nuclear) com Estados Unidos, Alemanha ou Inglaterra. Ou outro país semelhante.
Não, agora é com a China comunista. Emergindo das trevas do noticiário escasso,
o fato brilha para o mundo como aviso claro e pressago. E assim, acordo
assinado entre a estatal Nucleoelétrica Argentina (NASA) e a estatal chinesa
Corporação Nuclear Nacional da China viabilizará a primeira central nuclear
construída no país desde 1981. Aderiu ainda à iniciativa chinesa intitulada
Rota da Seda. Em Moscou, afirmou Alberto Fernández: “Estou empenhado em que a
Argentina deixe de ter essa dependência tão grande que tem com o FMI e com os
Estados Unidos. É preciso abrir caminho para outros lados e me parece que a
Rússia tem um lugar muito importante”. Continuou prognosticando que a Argentina
será “a porta de entrada para que a Rússia entre na América Latina mais
decididamente”. A Rússia já é o grande apoio das ditaduras venezuelana e cubana.
De outro modo, outro passo no distanciamento em relação aos Estados Unidos.
China e Rússia, parceria “sem limites”. Na mesma ocasião, Vladimir Putin foi
a Pequim e assinou vários tratados de cooperação econômica. Putin e Xi Jinping
declararam apoio mútuo em seus choques com o Ocidente. Entre os pontos em
destaque, apoio chinês à posição russa no caso da Ucrânia, apoio russo à
anexação de Taiwan e silêncio m relação à perseguição de dissidentes, em
particular da minoria muçulmana dos uyghur, em que abundam acusações provenientes
de diferentes setores ideológicos de genocídio e internamento de opositores em
campos de concentração. Importa ressaltar, presenciamos constituição de frente
comum, cerco, contra os Estados Unidos, com graves prejuízos aos interesses do
Ocidente.
A Hungria se distancia dos Estados
Unidos. A Hungria faz
parte da NATO, de momento de forma particular atacada por Putin, por estar se
opondo energicamente, apoiada pelos Estados Unidos, à possível (para alguns
iminente) invasão da Ucrânia. E por constituir perene força contrária à
anexação ou pelo menos inclusão na zona de influência russa dos países da
Europa Oriental. Putin, antigo oficial da KGB, não disfarça sua admiração pelo
poder soviético. Em abril de 2005, falando no Parlamento, afirmou o potentado russo:
“Deve ser reconhecido ▬ e eu já disse isso antes ▬ o colapso da União Soviética
foi a maior catástrofe geopolítica do século”. No momento em que cerrar
fileiras ao lado dos Estados Unidos é fundamental ▬ como, entre outros países,
têm feito Inglaterra e Polônia ▬, o premiê húngaro se distanciou desafiadoramente
de Washington. De passagem, cumpre ressaltar a posição corajosa e simpática do
governo da Polônia, país potencialmente tão ameaçado quanto a Ucrânia. O primeiro-ministro
polonês, Mateusz Morawiecki, não foi a Moscou, fez o trajeto honroso, desembarcou
em Kiev, a capital do país ameaçado e agredido, manifestando ali claro apoio à
Ucrânia. E o porta-voz do governo polonês sem nenhum disfarce confirmou: “A Polônia
apoia a Ucrânia para evitar a agressão russa”. Em Washington, Olaf Scholz, o
chanceler alemão, teve encontro com Joe Biden e em entrevista conjunta exprimiu
unidade de seu país com a posição norte-americana e afiançou em inglês: “Estaremos
unidos, agiremos juntos, tomaremos todas as medidas necessárias”. Em rumo
contrário, Viktor Orbán foi a Moscou, a capital do país agressor, ali se reuniu
durante cinco horas com Vladimir Putin e na saída do encontro cordial afirmou que
as planejadas sanções contra a Ucrânia, em caso de agressão russa,
“fracassarão” e ainda acrescentou que as demandas de Putin eram razoáveis.
Jair Bolsonaro irá à Moscou em 14 de fevereiro. Em tal ambiente, não poderia ser
mais prejudicial aos mais fundamentais interesses brasileiros a iminente viagem
de Jair Bolsonaro a Moscou. É óbvio que privadamente os Estados Unidos e outros
membros da Aliança Atlântica pediram seu adiamento ou cancelamento. E a
imprensa noticiou em 7 de fevereiro que ministros brasileiros, entre os quais
Carlos Alberto França, estavam reunidos no Palácio do Planalto com o Presidente
da República para tentar dissuadi-lo da viagem. Infelizmente, pare ter sido infrutífera
(pelo menos até agora, dia 8, quando escrevo o artigo) a meritória gestão dos
ministros brasileiros. Acontecerá a desastrosa viagem. Na volta de Moscou,
Bolsonaro passará por Budapeste e visitará Viktor Orbán. Se Lula ganhar as
eleições em outubro próximo, ele irá acelerar este caminho de aproximação com
Rússia e China e afastamento dos Estados Unidos, na verdade, caminho de
servidão, marcha batida rumo à condição efetiva de protetorado chinês ▬ será a
morte real, ainda que inconfessada e disfarçada, da soberania nacional. Tentando
justificar o injustificável, Jair Bolsonaro garantiu no cercadinho que Putin é
“conservador” à pergunta de apoiador se Putin era “gente da gente”. O fato doloroso,
aflitivo, dispensa aqui maiores comentários. A propósito, não tive conhecimento
de nenhuma declaração de políticos de esquerda censurando a ida do presidente
Bolsonaro à Rússia. Conhecem bem o que lhes favorece.
Vedação ao retrocesso social. O assunto do texto. Existe norma (ou
princípio, não vou entrar aqui na discussão) no Direito brasileiro, pouco
comentada, de interpretação controvertida, que é a “vedação ao retrocesso
social”. É escudo de modo especial dos mais fracos. Tem seu fundamento na
dignidade da pessoa humana, nos princípios da confiança e da segurança
jurídica, bem como no da máxima efetividade das disposições constitucionais. Segundo
tal disposição, o legislador não pode suprimir ou reduzir, ainda que
parcialmente, o direito social existente.
Ministério da Agricultura como calmante. Pensava em tal princípio enquanto
lia nos órgãos de divulgação que Lula, além de oferecer a vice-presidência a Geraldo
Alckmin, dará a ele, de lambuja, o ministério da Agricultura. Logo depois, veio
a postagem significativa do ex-governador de São Paulo em que ele aparece capinando
a terra. “O #tbt de hoje vai pra quem ficou
curioso sobre o meu esporte e passatempo favorito: capinar. É aí que eu
aproveito pra botar as ideias em ordem. #GeraldoTáOn”. De outro modo, na
necessidade absoluta de baixar a atual rejeição para o 2º turno, Lula acha (é o
conjeturável) que não está sendo suficiente em sua política de baixar o pavor
que o PT causa entregar a vice-presidência a Alckmin. É preciso ainda prometer o
ministério da Agricultura a alguém que diminua ainda mais (adormeça) o horror em
particular do setor rural por governos petistas. O horror, aliás, tem motivos
ótimos. Eis alguns deles. O INCRA será aparelhado com a ala radical do PT, é
sua cota histórica, voltará ufano o MST, com financiamento farto para agitação
rural. Com isso, cairá a segurança jurídica, a confiança nas instituições; no
campo tenderá a baixar a renda, cair o emprego, minguar o investimento.
Alimentos em menor oferta acarretarão menos exportações e, internamente,
carestia. É um gigantesco retrocesso social no horizonte brasileiro. Aliás, as
notícias comentadas acima apontam para inequívocos retrocessos sociais no mundo
inteiro.
Avanços sociais. O único avanço social sério é o que promove o
desenvolvimento ordenado das personalidades. Das notícias comentadas se
desenha, pela força da objetividade, quadro dantesco: aumento da coerção,
cerceamento às possibilidades de crescimento, liberdades naturais esfaqueadas. Breve,
asfixia social e atrofia no desenvolvimento humano. Teremos, de alto a baixo,
retrocessos sociais. Foi bem escolhido o título da matéria.
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