O dia da vergonha
Péricles Capanema
O dia da vergonha. Começo o artigo em 16 de fevereiro de 2022, 13 horas
(19 horas em Moscou). No Kremlin já houve o encontro e o almoço Putin-Bolsonaro.
Já aconteceram as entrevistas de praxe, já foi divulgado o comunicado conjunto.
Para os mais importantes efeitos, a visita do presidente brasileiro a Moscou afundou-se
no passado. Ao lado do potentado russo, o primeiro mandatário brasileiro declarou
de forma vexaminosa: “Somos solidários à Rússia”. Houve espanto imediato Brasil
afora. A Rússia, como se sabe, está ensaiando injusta agressão militar à
Ucrânia (que pode acontecer ou não). O Brasil ao lado da agressora injusta? Pode
ser também, uma das hipóteses, que, para pôr fim às tensões, a pressão russa somada
à disposição de acomodação do Ocidente empurrem a Ucrânia para situação de
virtual finlandização, com evidente, mas disfarçada, derrota ocidental. As
próximas semanas o dirão. O escandaloso “somos
solidários à Rússia” traumatizou o Brasil de alto a baixo, repito ▬ e chocou
todos os povos defensores do direito. Em manifestação posterior, de forma
genérica, o presidente brasileiro, possivelmente tentando minorar os efeitos da
frase espantosa, em especial entre círculos favoráveis ao Ocidente, afirmou: “Somos
solidários a todos aqueles países que querem e se empenham pela paz”. De fato, tal
emplastro não representou retratação, que continua sendo a atitude correta. Na mesma
ocasião, não quis deixar dúvidas sobre a posição do Brasil em relação à Rússia:
“Realmente, é mais que um casamento perfeito”. Breve, para larguíssimos setores
da opinião nacional sensíveis e fieis ao passado brasileiro, foi o dia da
vergonha.
Horror generalizado. A atitude russa
tem despertado horror no mundo inteiro, de forma especial entre os que defendem
liberdades naturais e a soberania nacional. É clássico caso de liberdade versus
tirania e, para o povo, o caminho da prosperidade versus o mergulho na pobreza.
Na verdade, é mais um capítulo da política putinista de restabelecer em nossos
dias o papel desempenhado na Guerra Fria pela União Soviética. Aliás, objetivo
que ele não disfarça. E o Brasil avalizando-o, agora. Entre outras ocasiões, em abril de 2005, o antigo oficial da KGB,
declarou na Duma: “Deve ser reconhecido ▬ e eu já disse isso antes ▬ o colapso
da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século”.
O Brasil na banda podre. Até agora, pelo que se sabe, Putin tem o apoio para sua
atividade criminosa contra a Ucrânia, da China comunista, da Nicarágua, de
Cuba, da Venezuela, da Bielorrússia, da Hungria. E agora do Brasil. Argentina e
Turquia também pendem para a Rússia. Os Estados Unidos, na defesa da
independência ucraniana, contam com o apoio da União Europeia, Inglaterra,
Alemanha, Itália, Japão, Austrália, Canadá, Polônia, Japão. Muitos mais, a grossa
maioria dos países do mundo. São representantes, em linhas muito gerais, da
banda que presta. A banda podre apoia a Rússia. O Brasil, conspurcado, perfilou-se
nela, alinhando-se, na América Latina, reitero, a Cuba, Venezuela e Nicarágua. Virão
outros. E a situação poderia piorar rapidamente. Informa Jack Nikas no “New
York Times” que os Estados Unidos estão preocupados com a interferência russa
nas eleições presidenciais de maio próximo na Colômbia para ajudar Gustavo
Petro, o candidato da esquerda. Outro ponto preocupa não só os
norte-americanos. Viajou com o presidente um nutrido acompanhamento militar
para estabelecer “cooperação técnico-militar”, aliás explicita e sintomaticamente
citada no comunicado: “fortalecimento da cooperação e intercâmbio militar”,
como uma das metas da viagem. Compra de material
militar russo? Técnicos russos assessorando o Exército brasileiro? Na América
Latina a Rússia já vende material militar e oferece assessoramento para
Nicarágua, Cuba e Venezuela.
Uma exceção que honra o Brasil Nas fileiras que apoiam (ou apoiaram) o governo Jair
Bolsonaro, há forte oposição à ação do presidente brasileiro, informa a
imprensa. Quereria acreditar que seja a grande maioria, seria tranquilizador,
sinal de sanidade. A imprensa divulgou louváveis tentativas de vários ministros
de impedir a viagem. Entre eles, Paulo Guedes se salientou, tem dado
declarações inequívocas a respeito. Mas, entre todos, é de justiça, um se
destaca pela contundência, amplitude e clareza das palavras, o ex-chanceler
Ernesto Araújo. Em repetidas manifestações públicas, Araújo tem condenado de
forma serena e motivada a viagem de Jair Bolsonaro à Rússia. Trata-se de atitude
especialmente corajosa, pois é funcionário de carreira e também sua esposa. De
outro modo, prejudica, por razões de consciência patriótica, sua carreira. O Brasil
dos homens de bem não esquecerá tal valente e esclarecedora postura. No meio de
suas declarações, destaco: “O Brasil está mostrando
uma preferência pela Rússia. Neutralidade é você visitar ou os dois que estão
em conflito ou nenhum. Importação de fertilizantes não necessitaria uma viagem
presidencial. O que o Brasil está sinalizando? Que está bem com esse projeto
euroasiático [a aliança russo-chinesa]. Que estamos muito confortáveis com
isso. Ou seja, que somos indiferentes a coisas que deveriam ser fundamentais
para o Brasil. Um mundo que privilegia a liberdade, que privilegia a
democracia, que privilegia o livre mercado, que não é o que está surgindo”.
A era da servidão. O que está surgindo, resumi em
“Palavras agressivamente claras”, com a parceria sem limites entre China e
Rússia, se os dois países, secundados por potências alinhadas, conseguirem
levar adiante seus objetivos confessados ▬ triunfar, enfim ▬ é a era da
servidão. As advertências lúcidas de Ernesto Araújo foram direto ao centro da
questão: não se pode favorecer a consolidação de uma aliança que apunhalará a
liberdade no mundo, reduzindo a humanidade a servos de castas partidárias. E o ex-chanceler,
com a ciência e experiência que adquiriu na academia e vida profissional, deixou
ver de imediato o fundo de sua preocupação: a viagem neste momento do presidente
Bolsonaro favorece a consolidação de uma aliança que pode receber no futuro a
qualificação de escravocrata, caso se firme e se amplie nos termos em que foi
anunciada às claras, relembro ▬ democracia e direitos humanos são os que
existem na China e Rússia, modelos para o futuro.
Retificação de rumos. Poderá acontecer retificação de rumos? Claro
que poderá, é o que espera o Brasil que presta. Haverá? Não sei. De qualquer
maneira, os presentes acontecimentos, mantida a rota, pavimentam o caminho em
aspecto importante para uma eventual administração petista. Celso Amorim, guru
do petismo em política externa, já saudou com entusiasmo a aliança
russo-chinesa, indicando para onde irão as simpatias e favorecimentos da acima mencionada
administração. É triste o quadro? É. Contudo, condição prévia e imprescindível para
um futuro de reconquista, restauração e prosperidade é realismo, olhos abertos,
mesmo quando a realidade se apresente ameaçadora e deprimente. Que Deus nos
ajude.
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