quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

O dia da vergonha

 

O dia da vergonha

 

Péricles Capanema

 

O dia da vergonha. Começo o artigo em 16 de fevereiro de 2022, 13 horas (19 horas em Moscou). No Kremlin já houve o encontro e o almoço Putin-Bolsonaro. Já aconteceram as entrevistas de praxe, já foi divulgado o comunicado conjunto. Para os mais importantes efeitos, a visita do presidente brasileiro a Moscou afundou-se no passado. Ao lado do potentado russo, o primeiro mandatário brasileiro declarou de forma vexaminosa: “Somos solidários à Rússia”. Houve espanto imediato Brasil afora. A Rússia, como se sabe, está ensaiando injusta agressão militar à Ucrânia (que pode acontecer ou não). O Brasil ao lado da agressora injusta? Pode ser também, uma das hipóteses, que, para pôr fim às tensões, a pressão russa somada à disposição de acomodação do Ocidente empurrem a Ucrânia para situação de virtual finlandização, com evidente, mas disfarçada, derrota ocidental. As próximas semanas o dirão. O escandaloso “somos solidários à Rússia” traumatizou o Brasil de alto a baixo, repito ▬ e chocou todos os povos defensores do direito. Em manifestação posterior, de forma genérica, o presidente brasileiro, possivelmente tentando minorar os efeitos da frase espantosa, em especial entre círculos favoráveis ao Ocidente, afirmou: “Somos solidários a todos aqueles países que querem e se empenham pela paz”. De fato, tal emplastro não representou retratação, que continua sendo a atitude correta. Na mesma ocasião, não quis deixar dúvidas sobre a posição do Brasil em relação à Rússia: “Realmente, é mais que um casamento perfeito”. Breve, para larguíssimos setores da opinião nacional sensíveis e fieis ao passado brasileiro, foi o dia da vergonha.

 

Horror generalizado.  A atitude russa tem despertado horror no mundo inteiro, de forma especial entre os que defendem liberdades naturais e a soberania nacional. É clássico caso de liberdade versus tirania e, para o povo, o caminho da prosperidade versus o mergulho na pobreza. Na verdade, é mais um capítulo da política putinista de restabelecer em nossos dias o papel desempenhado na Guerra Fria pela União Soviética. Aliás, objetivo que ele não disfarça. E o Brasil avalizando-o, agora. Entre outras ocasiões, em abril de 2005, o antigo oficial da KGB, declarou na Duma: “Deve ser reconhecido ▬ e eu já disse isso antes ▬ o colapso da União Soviética foi a maior catástrofe geopolítica do século”.

 

O Brasil na banda podre. Até agora, pelo que se sabe, Putin tem o apoio para sua atividade criminosa contra a Ucrânia, da China comunista, da Nicarágua, de Cuba, da Venezuela, da Bielorrússia, da Hungria. E agora do Brasil. Argentina e Turquia também pendem para a Rússia. Os Estados Unidos, na defesa da independência ucraniana, contam com o apoio da União Europeia, Inglaterra, Alemanha, Itália, Japão, Austrália, Canadá, Polônia, Japão. Muitos mais, a grossa maioria dos países do mundo. São representantes, em linhas muito gerais, da banda que presta. A banda podre apoia a Rússia. O Brasil, conspurcado, perfilou-se nela, alinhando-se, na América Latina, reitero, a Cuba, Venezuela e Nicarágua. Virão outros. E a situação poderia piorar rapidamente. Informa Jack Nikas no “New York Times” que os Estados Unidos estão preocupados com a interferência russa nas eleições presidenciais de maio próximo na Colômbia para ajudar Gustavo Petro, o candidato da esquerda. Outro ponto preocupa não só os norte-americanos. Viajou com o presidente um nutrido acompanhamento militar para estabelecer “cooperação técnico-militar”, aliás explicita e sintomaticamente citada no comunicado: “fortalecimento da cooperação e intercâmbio militar”, como uma das metas da viagem. Compra de material militar russo? Técnicos russos assessorando o Exército brasileiro? Na América Latina a Rússia já vende material militar e oferece assessoramento para Nicarágua, Cuba e Venezuela.

 

Uma exceção que honra o Brasil Nas fileiras que apoiam (ou apoiaram) o governo Jair Bolsonaro, há forte oposição à ação do presidente brasileiro, informa a imprensa. Quereria acreditar que seja a grande maioria, seria tranquilizador, sinal de sanidade. A imprensa divulgou louváveis tentativas de vários ministros de impedir a viagem. Entre eles, Paulo Guedes se salientou, tem dado declarações inequívocas a respeito. Mas, entre todos, é de justiça, um se destaca pela contundência, amplitude e clareza das palavras, o ex-chanceler Ernesto Araújo. Em repetidas manifestações públicas, Araújo tem condenado de forma serena e motivada a viagem de Jair Bolsonaro à Rússia. Trata-se de atitude especialmente corajosa, pois é funcionário de carreira e também sua esposa. De outro modo, prejudica, por razões de consciência patriótica, sua carreira. O Brasil dos homens de bem não esquecerá tal valente e esclarecedora postura. No meio de suas declarações, destaco: “O Brasil está mostrando uma preferência pela Rússia. Neutralidade é você visitar ou os dois que estão em conflito ou nenhum. Importação de fertilizantes não necessitaria uma viagem presidencial. O que o Brasil está sinalizando? Que está bem com esse projeto euroasiático [a aliança russo-chinesa]. Que estamos muito confortáveis com isso. Ou seja, que somos indiferentes a coisas que deveriam ser fundamentais para o Brasil. Um mundo que privilegia a liberdade, que privilegia a democracia, que privilegia o livre mercado, que não é o que está surgindo”.

 

A era da servidão. O que está surgindo, resumi em “Palavras agressivamente claras”, com a parceria sem limites entre China e Rússia, se os dois países, secundados por potências alinhadas, conseguirem levar adiante seus objetivos confessados ▬ triunfar, enfim ▬ é a era da servidão. As advertências lúcidas de Ernesto Araújo foram direto ao centro da questão: não se pode favorecer a consolidação de uma aliança que apunhalará a liberdade no mundo, reduzindo a humanidade a servos de castas partidárias. E o ex-chanceler, com a ciência e experiência que adquiriu na academia e vida profissional, deixou ver de imediato o fundo de sua preocupação: a viagem neste momento do presidente Bolsonaro favorece a consolidação de uma aliança que pode receber no futuro a qualificação de escravocrata, caso se firme e se amplie nos termos em que foi anunciada às claras, relembro ▬ democracia e direitos humanos são os que existem na China e Rússia, modelos para o futuro.

 

Retificação de rumos. Poderá acontecer retificação de rumos? Claro que poderá, é o que espera o Brasil que presta. Haverá? Não sei. De qualquer maneira, os presentes acontecimentos, mantida a rota, pavimentam o caminho em aspecto importante para uma eventual administração petista. Celso Amorim, guru do petismo em política externa, já saudou com entusiasmo a aliança russo-chinesa, indicando para onde irão as simpatias e favorecimentos da acima mencionada administração. É triste o quadro? É. Contudo, condição prévia e imprescindível para um futuro de reconquista, restauração e prosperidade é realismo, olhos abertos, mesmo quando a realidade se apresente ameaçadora e deprimente. Que Deus nos ajude.

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