Palavras
agressivamente claras
Péricles Capanema
Parceria sem limites e pacto sem precedentes. Celso Amorim, ministro do Exterior no
governo Lula e ministro da Defesa na administração Dilma, hoje militante ativo do
PT, provavelmente será figura influente em eventual novo governo petista. Dessa
forma, suas opiniões, em especial em política externa, em que é virtual
porta-voz do PT, precisam ser especialmente tomadas em conta. Vale a pena
passar os olhos em artigo seu recente, publicado na Carta Capital e postado no
site do PT. Nele, o ex-chanceler lulista não disfarça a admiração, até mesmo entusiasmo,
diria, (o que em diplomata calculista e experimentado é sobremodo revelador) pela
declaração conjunta divulgada em 4 de fevereiro último, na conclusão da viagem
de Vladimir Putin a Pequim e assinada pelos dois governos, o da Rússia e o da
China Comunista. Na ocasião foi anunciado pacto “sem precedentes” e parceria
“sem limites” entre os dois países. O que entusiasmou Celso Amorim? A nova
ordem mundial, ansiada por muitos, pode estar a caminho, celebrou. Em palavras
agressivamente claras.
Fim da
hegemonia dos Estados Unidos. Garante o antigo chefe da diplomacia no governo petista: “A declaração conjunta de Vladimir Putin e Xi
Jinping constitui o fato mais importante desde o fim da Guerra Fria. Expressa o
fim da era da hegemonia dos Estados Unidos”. Continua Celso Amorim: “Em documento denso, os
líderes traçam os delineamentos de uma ordem mundial baseada em conceitos que
diferem substancialmente daqueles sustentados pela potência até aqui dominante.
Injetam sua própria visão de democracia e desenvolvimento e inserem questões
cruciais como a defesa dos direitos humanos.”
Democracia e
direitos humanos com conteúdos novos ▬ venenosos. De outro modo, temos documento político, mas
também doutrinário ▬ declaração baseada em conceitos novos. Importa
conhecê-los. Os dois conceitos fincados como base da aliança recém constituída
são democracia e direitos humanos. Mas, atenção. São distantes e em vários c
pontos contrários aos esposados pelos Estados Unidos da América e seus aliados.
Breve, já existem e estão largamente aplicados. São os fundamentos da
democracia chinesa e da democracia russa, elogiados no texto. São ainda os
fundamentos dos direitos humanos, como são entendidos pelos governos russo e chinês,
também elogiados no texto. É so copiar o que teria dado certo. Ao mesmo tempo, a
declaração critica fortemente os conceitos de democracia e direitos humanos,
como entendidos nos Estados Unidos e países ocidentais. Aqui na América Latina,
já se destacam como partidários da aliança nova Cuba e Venezuela, onde temos
exemplos de vários anos da aplicação dos novos conceitos que China e Rússia querem
impor ao mundo. O antigo chanceler escolheu verbo significativo: injetar. Uma injeção
de veneno na carne dos povos do mundo inteiro.
Era de servidão. Na verdade, é o anúncio de uma nova era da
servidão e da novilíngua. Direitos humanos significam repressão estatal;
democracia significa governo tirânico das castas partidárias. Aqui cabe
registrar um comentário de Celso Amorim, colocado no fim de seu artigo: “O que
a declaração diz é que o mundo mudou. Cabe a cada Estado e/ou a cada região
(como a América do Sul) mostrar como vai se inserir na nova realidade. A viagem
do presidente da Argentina, Alberto Fernández, a Moscou e Pequim, assim como a
adesão do país ao projeto da Nova Rota da Seda, é uma indicação do que pode
ocorrer”. Inserção submissa, é o que virá, com o tempo. Marcha da soberania
para a condição de protetorado, ainda que inconfessado. De forma agressivamente clara, o pressago
diplomata afirma, a Argentina já dá os primeiros passos rumo a essa nova
aliança.
Os modelos já
existem. Dessa forma, tal democracia anunciada
como remédio novo (para ser injetado, diria Amorim) já existe e funciona bem.
Onde? Pergunta ingênua. Lá, na China e na Rússia: “As duas partes destacam que
a Rússia e a China, como potências mundiais, com ricas heranças históricas e culturais,
têm, de longa data, tradições de democracia, que estão baseadas em milenares
experiências de desenvolvimento, amplo apoio popular e consideração dos
interesses e necessidades dos cidadãos. A Rússia e a China garantem a seus
cidadãos o direito de tomar parte por formas e meios variados na administração
do Estado e da vida pública, segundo a lei. Os povos de ambos os países estão
convencidos da via que eles escolheram”. Felizes e satisfeitos, portanto; aí
está o modelo. s
Frente comum pela
servidão. A declaração toma o partido
da Rússia no caso da Ucrânia, censura tentativas da NATO de admitir novos
membros, nega à TAIWAN o direito à liberdade, condena Austrália, Inglaterra,
Estados Unidos (e também, de forma indireta, Índia e Japão) que estão
trabalhando em conjunto para estabelecer uma aliança que barre o expansionismo chinês
na Ásia. Condena ainda as “revoluções coloridas”, movimentos populares pró-ocidentais
em países da outrora Cortina de Ferro (entre outros países, na antiga Iugoslávia,
Geórgia, Ucrânia, Bielorrússia). Em vários outros e importantes temas, os dois
países tomam posição comum. À vera, pacto sem precedentes, parceria sem
limites. Enfim, dito de forma resumida, é a proclamação do retrocesso rumo à
servidão, pelo esfaqueamento das posições que representam avanços rumo a maior
liberdade.
Canto de sereia para o mundo em
desenvolvimento. Celso
Amorim saúda “a criação de um grande bloco eurasiano capaz de desafiar o
poderio de Washington”. Bloco sedutor que terá poderes magnéticos, será
sedutor. Realça o ex-chanceler: “Sem falar no soft power em relação às nações
em desenvolvimento”.
Nova ordem mundial a caminho. E conclui: “Para os que ansiavam por uma nova
ordem mundial, ela pode estar a caminho”. Repito, a era da servidão a caminho.
Basta ver, entre numerosos exemplos, como eram tratados os países na órbita de
Moscou e como a China trata minorias no interior do país e operários em seus
empreendimentos econômicos mundo afora. E é sinistramente pressago que o
virtual porta-voz do PT em política externa a anuncie (a nova ordem) com entusiasmo.
Termino com assunto paralelo e relacionado. Notei dias atrás em artigo (Vedação
ao retrocesso social) que, pelo que me havia chegado ao conhecimento, nenhum
dirigente esquerdista havia censurado a ida do presidente Jair Bolsonaro à
Rússia. Completo. Um se manifestou. Perguntado a respeito, Celso Amorim
comentou: “É a viagem certa no momento certo”. Agir de forma diferente, segundo
ele, seria “um sinal de submissão a uma agenda de Washington”. Também aqui,
palavras agressivamente claras.
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