Função social às avessas
Péricles
Capanema
No Brasil,
como em qualquer lugar do mundo, ramos de negócio existem às dezenas de
milhares. De outro jeito, ninguém sabe quantos galhos seguram a árvore da atividade
econômica. Bancos, postos de gasolina, armazéns, açougues, padarias, escolas, cervejarias.
Nunca acaba. Quando a empresa produz pouco, vendas mirradas, vira galho seco,
em geral afunda e quebra. Triste a falência, preocupante a recuperação
judicial; contudo, são fatos corriqueiros, acontecem todos os dias. E a vida
segue.
Corta. Vocês
já ouviram falar de alguma firma que sofra desapropriação se for considerada
improdutiva por órgão do governo? Produziu pouco? Governo em cima. Já escutaram,
supermercado improdutivo, desapropriação nele? O boteco comercia pouca cachaça
e salgadinhos? Vai ser desapropriado, onde já se viu. O banco tem empregados
preguiçosos, produtividade pequena segundo índices do governo? Vai passar para
outras mãos, estatais. Seus funcionários virarão barnabés e aí sim, a
produtividade irá para as alturas. Nunca, né?
Para
infelicidade social, temos segmento econômico no Brasil, só um, que, se você for
considerado improdutivo, pode sofrer a punição da desapropriação, em linhas
muito gerais logo que dê na telha dos donos do poder (deixo de lado aqui o lote
urbano, tem algo longinquamente parecido) Para tal, índices foram aplicados
fraudulentamente, agitações foram orquestradas, laudos fajutos foram feitos às
pencas. Está no campo, é a novela macabra da reforma agrária, um dos tumores de
estimação dos brasileiros. No caso de que vou tratar abaixo, destaca-se autarquia
aparelhada para a perseguição ▬ o INCRA.
No
conjunto, considerando tudo, o programa da reforma agrária no Brasil, velho de
mais de 50 anos, autenticamente poderia ser titulado de a prática obsessiva e
fanática da função social às avessas. Sempre deu com os burros n’água, sempre agrediu
objetivos sociais, mas não tem importância, é tumor cancerígeno de estimação
nosso, a gente tem xodó dele. Fôssemos objetivos, desapegados de retrocessos
sociais, seria extinto; é exigência imperiosa da justiça social acabar com ele.
Não só ajudaria a sociedade como um todo, facilitaria o combate à pobreza.
Em duas
palavras, continua entre nós esse disparate renitente, que já foi abandonado
pela maior parte dos países que algum dia entraram nessa fria. É jabuticaba
nossa (dizem, sei lá se é verdade, jabuticaba só dá no Brasil). Tem apoiadores,
promotores do atraso, por exemplo, em 22 de dezembro, Lula e Chico Buarque vão
jogar futebol no campo do MST em Saquarema. Pedro Stédile certamente estará presente.
O
programa da reforma agrária no Brasil sempre teve como base um fundamentalismo refratário
aos dados da realidade. É clara opção preferencial pela atrofia. Com efeito,
diminui a produtividade (baixíssima a produtividade nas áreas assentada), desperdiça
dinheiro público (quando não é roubalheira descarada) que poderia minorar
problemas sociais, traz insegurança jurídica, exaspera tensões sociais,
favorece fuga de capitais do campo. Tal política, xodó da esquerda e do
progressismo das sacristias, se não for desinfetada zelosamente com o confronto
da realidade, assepsia permanentemente necessária para quem acha que ele ajuda
os pobres, continuará a provocar tragédias pelas décadas na frente, pobrezas, exclusões e regressões sociais.
Vou
lembrar dois exemplos. o IPEA em relatório informou que até 2011 já haviam sido
gastos 7,6 bilhões de dólares no programa. Até hoje? Não achei o número
amazônico. Se essa montanha de dinheiro tivesse sido aplicada em programas
sociais de verdade (escola, saúde, infraestrutura), muito melhor estaria a
situação dos pobres e da economia no Brasil.
E temos
ainda a considerar os gastos gigantescos com o INCRA, 30 superintendências, funcionários,
viagens etc.
O site do
INCRA informa quanto já foi gatunado [desapropriado] assim ao longo de mais de
50 anos. 87.953.588 milhões de hectares [879 mil km2], área muito maior que a
Bahia e o Rio Grande do Sul somados, muito mais do que o agronegócio brasileiro
usa para nos colocar na dianteira do mundo na agricultura e pecuária. Segundo dados
de 2017, o Brasil utiliza 63.994.479 hectares para agricultura.
Vou
continuar no site do INCRA e reproduzir aqui um objetivo da entidade: “em
relação aos beneficiários, a atuação do Incra no campo é norteada pela promoção da igualdade de gênero”. É isso, a
ideologia de gênero, combatida oficialmente, está colocada pelo INCRA como objetivo
seu no campo.
Lembrei de forma
passageira apenas alguns pontos, que a imprensa gosta de esquecer, mas agora divulgo
trechos esparsos de artigo do advogado Paulo Márcio Dias Mello no Consultor
Jurídico (8 de dezembro de 2019 – íntegra no site) que põe a nu a bagunça com
que se tocam as coisas no Brasil. O título do trabalho já é evidência do
descalabro “O INCRA não existe, é uma autarquia fantasma”. Continua o advogado:
“o Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária não existe como autarquia federal,
dotada de personalidade jurídica própria, há mais de 32 anos. O Incra foi
criado pelo artigo 1º do Decreto-lei 1.110, de 1970 como entidade
autárquica. Em 21 de outubro de 1987, o Instituto foi extinto pelo decreto-lei
nº 2.363/1987, sendo criado, no seu lugar, outra autarquia, o Inter – Instituto
Jurídico de Terras Rurais. O decreto-lei 2.363/1987 encontrava-se em tramitação
no Congresso Nacional, quando foi promulgada a Constituição de 1988, que
atribuiu competência diretamente à União, em seu artigo 184, para ‘desapropriar
por interesse social, para fins de reforma agrária’. A regra do §1º, I, do art.
25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: § 1º Os decretos-lei em
tramitação no Congresso Nacional e por este não apreciados até a promulgação da
Constituição terão seus efeitos regulados da seguinte forma: I - se editados
até 2 de setembro de 1988, serão apreciados pelo Congresso Nacional no prazo de
até cento e oitenta dias a contar da promulgação da Constituição; II -
decorrido o prazo definido no inciso anterior, e não havendo apreciação, os
decretos-lei ali mencionados serão considerados rejeitados’. Assim, o decreto-lei
nº 2.363/1987 foi rejeitado expressamente pelo Congresso Nacional pelo Decreto
Legislativo nº 2/1989. O Decreto Legislativo teve, portanto, dois efeitos:
confirmar a extinção do Incra e promover a extinção do Inter. Os atos
praticados pelo ‘Instituto’ durante todos esses anos são eivados de vício. O
INCRA é entidade fantasma”.
Alguém imaginava essa? Cabe aos especialistas
do Direito Constitucional e do Direito Administrativo resolver o caso que bem
podia acabar com fantasma que assombra o Brasil. Menos um. E com ele a esdrúxula
função social às avessas com a qual convivemos há tantas décadas.
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