sábado, 26 de março de 2016

Vitória, tu reinarás!

Vitória, tu reinarás!

Péricles Capanema

Hino antigo, cantado com frequência na Semana Santa me suscitou reflexões pelos surpreendentes paradoxos: “Vitória, tu reinarás! Oh, Cruz, tu nos salvarás! ” Via ao mesmo tempo a imagem do Salvador chagado e açoitado, vergado sob o peso da Cruz, caminhando para a morte infamante. Vitória? Tudo indicava derrota total. Olhava em volta, os fiéis cantavam seguros o triunfo. Por que não esperar pelo menos a Páscoa, aí sim ocasião de vitória esplendorosa?

Existiriam motivos para os brados de triunfo? Logo vi, havia, sobrenaturais. Ali se consumava, sob a aparências da derrota, a redenção do gênero humano, eram os atos finais da vitória sobre o pecado, abriam-se as portas do Céu.

Não parei neles. Existiam outros motivos, grandes realidades naturais e sobre elas pouca gente fala. A proclamação da vitória não se dá apenas em atmosferas festivas, como na Páscoa da Ressurreição. Cabe também em momentos de derrota, de sofrimento, no caso a Paixão.

Para me explicar melhor, entro por um atalho. Logo de início vemos, a proclamação da vitória consola ao afirmar a esperança de tempos melhores. Um judeu, no horror do campo de concentração, encontraria alívio cantarolando hino de seu povo que expressasse o ideal de um dia voltar para Jerusalém. De fato, a esperança viva é dos grandes motores da existência, em particular do ímpeto de perfeição.

Queria falar ainda de outra coisa. O sofrimento se opõe ao prazer, não é o oposto da felicidade. Acontece ser o caminho, instrumento tantas vezes único, da ventura e do êxito. E não estou aqui tratando da felicidade celeste, pois ele pavimenta também a felicidade terrena. Aceitá-lo varonilmente, caminhar ao lado dele tendo-o como companheiro de jornada, forma o caráter, prepara os grandes triunfos. Um estudante de medicina que por anos se privou dos prazeres da idade, queimou as pestanas nos livros e palmilhou os laboratórios ao lado de cadáveres em formol, recebe, no fim da jornada, a recompensa da carreira brilhante, da consideração dos seus, de um lugar na sociedade que lhe propicia a felicidade, pela qual se sujeitou ao sofrimento de anos. Quando estudante, estafado, com achaques, mas com a sensação do dever cumprido, quantas vezes interiormente deu brados de vitória. E hoje do promontório de seu tão louvável sucesso contempla com austera saudade os anos de privação em que trilhou o calvário necessário a seu êxito.

Na vida é assim. Qualquer pessoa, qualquer família, qualquer povo, se quer a grandeza cristã, precisa entender e amar o sofrimento, fazê-lo companheiro de jornada. O Brasil, atormentado por tantas crises, delas sairá maior e melhor, se as compreender fundo e as enfrentar com coragem sobrenatural.

Assim, o sofrimento se manifesta na resignação diante da dor, na sujeição ao esforço, no trabalho com método; enfim, na ascética obediência ao dever. E, por tudo isso, na derrota e no sofrimento, cabe tantas vezes o brado da vitória.

É o que na Paixão a Igreja nos ensina. Imerso nesses pensamentos, escutei as outras estrofes. Inicialmente, o caminhar resoluto rumo ao local do suplício: “Nós vamos à cidade e lá eu irei sofrer. Serei crucificado mas hei de reviver”.

Logo depois me irmanei aos católicos que, no meio de generalizada indiferença e incompreensão, hoje mundo afora sofrem perseguição e martírio, aos milhares, quem sabe centenas de milhares: “Vocês não são do mundo, do mundo os escolhi. Se o mundo os odeia, primeiro odiou a mim. Vocês vão ter no mundo, tristezas e aflição. Mas eu venci o mundo, coragem e vencerão”.

Finalmente, voltava a importância do sofrimento para a germinação do bem: “Se o grão que cai na terra, não morre, fica só. Se morre, germina e cresce, seu fruto será maior.”


No silêncio e na escuridão, a semente se transforma em árvore e dá frutos. Rezemos uns pelos outros, para que o que de nós ainda é semente, frutifique bem e logo.

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