Vitória, tu reinarás!
Péricles Capanema
Hino antigo, cantado com frequência na Semana Santa me
suscitou reflexões pelos surpreendentes paradoxos: “Vitória, tu reinarás! Oh,
Cruz, tu nos salvarás! ” Via ao mesmo tempo a imagem do Salvador chagado e
açoitado, vergado sob o peso da Cruz, caminhando para a morte infamante. Vitória?
Tudo indicava derrota total. Olhava em volta, os fiéis cantavam seguros o
triunfo. Por que não esperar pelo menos a Páscoa, aí sim ocasião de vitória
esplendorosa?
Existiriam motivos para os brados de triunfo? Logo vi,
havia, sobrenaturais. Ali se consumava, sob a aparências da derrota, a redenção
do gênero humano, eram os atos finais da vitória sobre o pecado, abriam-se as portas
do Céu.
Não parei neles. Existiam outros motivos, grandes realidades
naturais e sobre elas pouca gente fala. A proclamação da vitória não se dá apenas
em atmosferas festivas, como na Páscoa da Ressurreição. Cabe também em momentos
de derrota, de sofrimento, no caso a Paixão.
Para me explicar melhor, entro por um atalho. Logo de
início vemos, a proclamação da vitória consola ao afirmar a esperança de tempos
melhores. Um judeu, no horror do campo de concentração, encontraria alívio
cantarolando hino de seu povo que expressasse o ideal de um dia voltar para Jerusalém.
De fato, a esperança viva é dos grandes motores da existência, em particular do
ímpeto de perfeição.
Queria falar ainda de
outra coisa. O sofrimento se opõe ao prazer, não é o oposto da felicidade. Acontece
ser o caminho, instrumento tantas vezes único, da ventura e do êxito. E não
estou aqui tratando da felicidade celeste, pois ele pavimenta também a felicidade
terrena. Aceitá-lo varonilmente, caminhar ao lado dele tendo-o como companheiro
de jornada, forma o caráter, prepara os grandes triunfos. Um estudante de
medicina que por anos se privou dos prazeres da idade, queimou as pestanas nos
livros e palmilhou os laboratórios ao lado de cadáveres em formol, recebe, no
fim da jornada, a recompensa da carreira brilhante, da consideração dos seus,
de um lugar na sociedade que lhe propicia a felicidade, pela qual se sujeitou
ao sofrimento de anos. Quando estudante, estafado, com achaques, mas com a
sensação do dever cumprido, quantas vezes interiormente deu brados de vitória.
E hoje do promontório de seu tão louvável sucesso contempla com austera saudade
os anos de privação em que trilhou o calvário necessário a seu êxito.
Na vida é assim.
Qualquer pessoa, qualquer família, qualquer povo, se quer a grandeza cristã,
precisa entender e amar o sofrimento, fazê-lo companheiro de jornada. O Brasil,
atormentado por tantas crises, delas sairá maior e melhor, se as compreender
fundo e as enfrentar com coragem sobrenatural.
Assim, o sofrimento
se manifesta na resignação diante da dor, na sujeição ao esforço, no trabalho
com método; enfim, na ascética obediência ao dever. E, por tudo isso, na
derrota e no sofrimento, cabe tantas vezes o brado da vitória.
É o que na Paixão a
Igreja nos ensina. Imerso nesses pensamentos, escutei as outras estrofes. Inicialmente,
o caminhar resoluto rumo ao local do suplício: “Nós vamos à cidade e lá eu irei
sofrer. Serei crucificado mas hei de reviver”.
Logo depois me
irmanei aos católicos que, no meio de generalizada indiferença e incompreensão,
hoje mundo afora sofrem perseguição e martírio, aos milhares, quem sabe centenas de
milhares: “Vocês não são do mundo, do mundo os escolhi. Se o mundo os odeia,
primeiro odiou a mim. Vocês vão ter no mundo, tristezas e aflição. Mas eu venci
o mundo, coragem e vencerão”.
Finalmente, voltava a
importância do sofrimento para a germinação do bem: “Se o grão que cai na
terra, não morre, fica só. Se morre, germina e cresce, seu fruto será maior.”
No silêncio e na
escuridão, a semente se transforma em árvore e dá frutos. Rezemos uns pelos
outros, para que o que de nós ainda é semente, frutifique bem e logo.
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