A jararaca está viva
Péricles Capanema
Vou pôr em relevo pontos complementares ao que li
ontem e hoje, domingo, 6 de março. Depois da condução coercitiva para
depoimento, o ex-presidente Lula falou à militância e terminou o discurso com
ameaça: “Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça, bateram no rabo.
A jararaca está viva”. A jararaca era ele, a jararaca era o PT, a jararaca era
a causa defendida pelo PT, era o governo Dilma; enfim, era tudo o que
simbolizava, como expressão máxima, o cidadão Luiz Inácio Lula da Silva.
A imagem empregada me transportou instantaneamente à
infância. Nasci em cidade do interior mineiro, na época pequena, em menino matei
muita cobra nas idas à roça. Tinha aprendido bem o método. Logo que via a
cobra, procurava no mato um galho rijo, de preferência ainda meio verde, se
possível mais de metro e meio. Desfolhava. Abaixava-me para horizontalizar o
galho e batia forte no meio da cobra, nunca na cabeça. Uma pancada só, caso
resolvido. Com a espinha quebrada, o animal não se movia. Depois, vinha o esmagamento
da cabeça. O primeiro golpe na cabeça é coisa de ignorante. Meus amigos, os sabidos
homens do campo, gente do ramo ▬ lembro-me, quantas saudades!, do Zé Reginaldo,
preto velho, conhecia tudo ▬, avisavam o menino atento: ▬ Nunca na cabeça o
primeiro golpe; é difícil acertar e irrita a cobra. Você pode ser picado no bote
de defesa. A primeira porretada, sempre no meio da cobra.
Pensei logo, Lula não sabe matar cobra? Inventou na
hora a metáfora só para impressionar, sem se preocupar se estava certa ou não?
Sei lá. Até para matar cobra não faz sentido a receita do PT.
Mas eu queria falar era de outra coisa. Os grandes
líderes, em geral, quando comparam suas ações a animais, buscam simbologias que
evocam nobreza, coragem, beleza. Napoleão, retornando da ilha de Elba, em linda
imagem proclamava que a águia imperial voaria de campanário em campanário até conquistar
Paris. Na religião, o mesmo. Os quatro evangelistas são representados pelo
homem, touro, leão e águia. Nosso Senhor, o Leão de Judá, comparou-se ao
cordeiro, à galinha, mandou imitar a pomba e a serpente ▬ aí destacou só um
aspecto, a prudência, retirando da comparação os demais atributos (Eu vos mando
como ovelhas no meio de lobos; sede pois prudentes como as serpentes e simples
como as pombas). O escritor sagrado, quando buscou o animal que mais retrataria
a ação demoníaca na tentação aos primeiros pais, escolheu a serpente. Uma
jararaca. Curioso, o PT quer intimidar com a cobra. O leão também é bicho apavorante.
Ou o falcão. Ou a águia. Mas o PT percebe que seria gritantemente artificial
utilizá-los em suas comparações. Ser como a jararaca soa natural.
Na imaginação dos povos, a serpente simboliza perversidade,
agressão insidiosa, deslealdade, emboscada, sordidez. E amedronta muito. Aliás,
logo depois de Lula julgar que a jararaca, em resumo expressivo, simbolizava
bem o que pretendia transmitir, por inadvertência de deputada comunista, tivemos
deprimente exemplo da sordidez cumpanhera
ao ouvir o que o morubixaba petista vociferava a uma senhora, a presidente da
República, em vídeo divulgado por Jandira Feghali (“Lula está nesse momento
conversando com a presidente da República”, relatava empolgada a parlamentar). Nem
vou transcrever o que Lula dizia desembaraçadamente à Presidente, pelo visto julgado
por ambos a coisa mais natural do mundo, ali estava autêntico, sem maquiagem
propagandística, o ambiente petista.
Concordo com Lula: a jararaca está viva. Por que preocupa?
Atenção, não é só, nem principalmente, porque pica e mata. É sobretudo pela
capacidade de seduzir, trazendo, postas certas condições, o passarinho para sua
boca. O passarinho hipnotizado representa parte da opinião do Brasil. Ninguém agora
está tratando da capacidade sedutora da jararaca, mas não foi sobretudo a
intimidação da militância que nos jogou no buraco, foi a gigantesca capacidade
de iludir do petismo e de seus companheiros de viagem.
As análises destacam, o PT está utilizando o episódio
para atiçar a militância e tentar incendiar as ruas, para, por intimidação, o
primeiro dos efeitos, ver se diminui a adesão popular ao ato oposicionista programado
para o próximo domingo, 13. Nessa direção, o líder do governo na Câmara,
deputado José Guimarães (o patriota dos dólares na cueca do assessor), nos
últimos tempos em geral trabalhando mais para bombeiro que para incendiário,
desta vez carregou delirantemente nas tintas. Qualificou a condução coercitiva
de “tentativa de golpe da direita, de setores da Polícia
Federal, do Ministério Público e de grande parte da mídia. Foram além do limite”.
Apontou a meta: ▬ A militância do PT tem que reagir. Temos que dizer 'não' ao
golpe. Temos que ter uma agenda de combate ao golpe iniciado pela oposição.
Em
suma, a intenção da cúpula partidária está clara, aproveitar o episódio para mandar
o corneteiro tocar “cavalaria, avançar”, “cavalaria, degolar”. Antes, nos
últimos anos, o que levou ao triunfo estava mais para o flautista de Hamelin,
adormecer, embair, afundar, um gigantesco poder encantatório. Agora, posta de
lado a flauta aliciante, a cúpula espera aferventar a militância com a corneta
do combate. Vai dar certo?
Tem
seus riscos. O bruxedo petista funcionou com opinião pública meio adormecida, abobada
com o Lulinha, paz e amor e recursos semelhantes. Veio a era da bonança dos
preços das commodities. Agora, pobreza e desemprego aumentando, oposição
crescendo, para amedrontar anunciam com estrondo o “cavalaria avançar” e o “cavalaria,
degolar”. Será que o brasileiro médio vai se intimidar? Ou causará efeito
contrário, aumento do ânimo reativo e cristalização de posições?
Historicamente
prejudicou mais a capacidade de iludir, na qual a militância petista intimidante,
mais fumaça que fogo, era recurso valioso, usado em especial para amolecer
resistências de setores conservadores reativos. A cantilena, era preciso ceder
um pouco, não dava mais. Todavia, os grandes instrumentos sempre foram outros, o
esquerdismo burguês, a colaboração eclesiástica, a superficialidade otimista e
descuidada dos opositores, bem como a patrulha implacável contra tudo o que
representava vigilância lúcida. Repito aqui, a intimidação dos movimentos
sociais é coisa séria e deve ser tida em consideração, contudo, atenção, é mais
fumaça que fogo. Boa parte dela é de gente paga, ódio de aluguel. Decisivas continuam
sendo as outras formas de colaboração com a esquerda.
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