Enigma chinês desafia
o Ocidente
Péricles Capanema
Um intelectual público abre dissidência. Amigo dileto meu de muitos anos encaminhou-me
artigo publicado em 20 de dezembro último no “Wall Street Journal” (WSJ), sob o
título “The slow meltdown of the chinese economy” [O lento derretimento da
economia chinesa, em tradução livre]. O autor é Thomas J. Duesterberg. Todos
conhecemos a importância do WSJ, em especial para o setor econômico. Nem todos entre
nós conhecem a importância do articulista, eu era um dos ignorantes. Fui então examinar
quem é Thomas Duesterberg; favorável a primeira impressão, tinha valor a
análise econômica no artigo. Surpreendia, contudo, a saída proposta pelo
articulista; não era econômica, era política. Aqui vão dados a respeito do
homem. É scholar respeitado, especializado em Economia, professor e pesquisador
conhecido, ocupou posições políticas de importância em Washington no
Departamento do Comércio e no Congresso; por fim, tem e teve presença destacada
no setor privado. Ele é, caracteristicamente, o que hoje se intitula intelectual
público. Sem mandato eletivo, participa ativamente da vida pública do país. Tem
títulos para tal.
Verifiquei depois de pesquisa rápida que o mencionado
artigo publicado por ele no WSJ é síntese (resumão) de trabalho mais extenso e
circunstanciado postado anteriormente, 10 de dezembro, em site de estudos
especializado. A mais, a mesma matéria vem sendo tratada pelo autor em diversos
órgãos de divulgação. Enfim, ele tem uma opinião bem fundamentada e a vem divulgando
ativamente. Breve, está em campanha. Afã especialmente dirigido a público que
influencia de forma relevante os Estados Unidos ▬ políticos, homens da
academia, executivos, jornalistas.
Existe
crise grave na China. Reconhece
Thomas J. Duesterberg, suas opiniões não são consensuais: “O público em geral,
e aqui incluo os líderes da opinião política e os analistas do governo, via de
regra não entendeu ainda a gravidade do perigo posto pela crise econômica da
China. Minha análise vai por outro caminho”. De outro modo, ele acha que a
crise é profunda e vai deixar sequelas grandes. Desconhecê-la seria quase
suicídio. Não a aproveitar, imensa tolice.
Mais
estatismo, mais repressão, menos liberdade. Para enfrentar a crise, o PCC (Partido Comunista
Chinês), sustenta Duersterberg, está abandonando o modelo “socialista de
mercado” e adotando outro, mais estatista, baseado nas estatais, com maior
repressão política. Enfim, menos abertura, fechamento na economia e na
sociedade. Duersterberg julga que referida direção trará diminuição do ritmo de
crescimento chinês, talvez até mesmo uma recessão.
Pão
versus liberdade. Aqui segue
o miolo da tese que advoga: “Se os crescentes problemas com o atual modelo
econômico chinês trouxerem a diminuição do ritmo de crescimento ou até a
recessão na China, teremos impactos fortes sobre os Estados Unidos e seus
aliados de duas maneiras importantes. Em primeiro lugar, dado que a economia da
China é a segunda do mundo (em alguns aspectos, a primeira), e tem sido motor
de crescimento para economias na Europa e no restante da Ásia, crescimento
menor ou recessão na China acarretará provavelmente diminuição do crescimento
no mundo ou até a recessão. Em segundo lugar, como o crescimento tem grande
significado na China ▬ justifica o sistema autoritário de governo ▬ significativa
diminuição no índice de crescimento ou recessão pode trazer instabilidade
política. Considerando a retórica nacionalista da China em relação a Taiwan, poderia
a instabilidade política, por sua vez, ser causa de arriscadas atividades
militares que desembocariam em confrontação com países de mercado livre. Da
perspectiva dos Estados Unidos, a diminuição do ritmo de crescimento da China poderia
exacerbar as já sérias tensões comerciais e econômicas, sobretudo se as forças
nacionalistas na China escolherem os Estados Unidos como bode expiatório para
seus problemas internos”. Neste ponto, Thomas Duesterberg teme revoltas
internas na China: “De outro modo, o derretimento econômico potencialmente
ameaça o pacto social implícito na China entre governantes autoritários e
população sossegada”. Simplificando, há um pacto tácito, a população aceita não
ser livre, se houver melhoria de vida. Não havendo mais melhoria de vida, quererá
de volta a liberdade.
Discernimento
do perigo. Aqui surge a
proposta política do articulista. Diante dos problemas econômicos chineses, que
reverberam no ânimo da população, os Estados Unidos e seus aliados devem
endurecer o relacionamento comercial, limitar o acesso chinês à tecnologia e
financiamento ocidentais, bem como impor sanções econômicas por causa da
violação de direitos humanos. E assim, propõe ele, é hora de aproveitar com
desembaraço os instrumentos de que dispõem os Estados Unidos e aliados para
proteger as economias ocidentais e, ao mesmo tempo, forçar rumo menos nocivo da
política chinesa. Entre tais instrumentos, divulgar mundo afora que a economia chinesa
está enfrentando dificuldades das quais não será fácil escapar. Resta saber se
os governos ocidentais estão dispostos a aproveitar a ocasião propícia para
ação que decorre do quadro desenhado pelo articulista do WSJ. Tenho minhas
dúvidas.
Lucidez
corajosa. Admito, o quadro
pintado por Thomas Duesterberg pode ter carências e imprecisões. Importa pouco.
Prevalece a constatação animadora: um intelectual público de expressão batalha
nos Estados Unidos para que o país tenha maior consciência dos perigos que o
ameaçam e tome logo medidas preventivas eficazes para manter abertas no futuro,
no mundo inteiro, as portas da liberdade e da prosperidade. Portas abertas
inclusive, e de forma especial, para a população da China. Em suma, suas
opiniões esclarecedoras, raras e corajosas, desvendam enigmas. Merecem não só atenção
e estudo, postulam a mais ampla divulgação.
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