segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

A demolição dos irrefletidos

 

A demolição dos irrefletidos

 

Péricles Capanema

 

Irreflexões e imaturidade suicidas. “Noblesse oblige”, adverte o ditado francês. A posição, a idade, o conhecimento, a experiência obrigam quem os têm a comportamento maduro, cuidado especial, prudência. Circunspecção, olhar ao redor. Paulo Guedes, sob vários aspectos, é o principal ministro do governo. Já foi mais importante, mas ainda é figura pública do primeiro plano brasileiro. Para ele, é o que parece, nada disso terá importância; “noblesse n’oblige pas”.

 

Pitacos em barzinho de Ipanema. A sensação que se tem, ao sofrer o impacto ácido de certas declarações do ministro da Economia, é de que ele se sente entre amigos num barzinho de Ipanema, tomando seu chopinho, dando pitacos inconsequentes no meio de gargalhadas. Gosta das frases de efeito, encanta-lhe “épater les bourgeois”, soltar ditos inesperados que, parece, considera brilhantes, merecedores de admiração. É do grupo dos que perdem o amigo (no caso, muito mais que amigos, lesiona posições louváveis que afirma defender), mas não perde a piada (na situação, frases que, provenientes do ministro Posto Ipiranga, fortalecem os adversários do regime da propriedade privada, da livre iniciativa e das liberdades naturais).

 

Caminho de destruição. Nada lhe importa ▬ é a triste constatação imposta pela realidade patente ▬, continua seu pipoqueio perturbador, amontoando frases de efeito. Infelizmente, para desgraça do país e das causas que defende, tem agido repetidas vezes como um irrefletido, intelectual de pensamento superficial e homem público irresponsável, pertinazmente incapaz de medir os estragos gerados por ditos que amputam parte da realidade, via de regra a mais importante, e realçam aspecto dela, em geral secundário.  Será pretensão oca ou tendência ao exibicionismo? Sei lá. De qualquer maneira, este homem inteligente vai se mostrando inepto para a vida pública. Na prática, dói dizê-lo, age como demolidor de posições que afirma defender.

 

Outro tiro no pé. Novo pipoco, é de dias atrás, e, supostamente, deve estar satisfeito em ter empilhado mais frases de efeito: “Não se iludam: a China [...] é socialista só no nome. A China é um capitalismo selvagem. É um capitalismo de dois séculos atrás. É o capitalismo que faziam os ingleses. Comércio com o mundo inteiro, rapidamente, sem encargo trabalhista, sem leis salariais, sem previdência, nada disso. É o capitalismo selvagem, é o mergulho nos mercados globais, com muita competência, com muita eficiência. 3,7 bilhões eurasianos estão saindo da miséria porque mergulharam na economia global. Enquanto estavam no socialismo, existiam miséria e fome na China. Quando entraram nos mercados globais, nunca tanta gente saiu da miséria naquela parte do mundo”. À vera se ilude quem acha que na frase acima palpita realismo; existe romantismo simplificador, do real foram amputados brutalmente as partes mais decisivas.

 

Pensar é matizar. Nunca tanta gente saiu da miséria (sem contextualizar e simplificando eufórico). Ampliemos sem euforias apressadas, mas com realismo o quadro, simplificações nem sempre ajudam. Suas declarações prestigiam, ainda que parcialmente, regime que é ditadura de partido único, coletivista, imperialista. O Partido Comunista Chinês, dono do governo em Pequim, age, no longo prazo, para enfiar o Brasil em sua área de influência, transformando-o virtual ou realmente em protetorado. Pequim se coloca cada vez mais contra Washington, em cujas costas estão, por imposição histórica, a defesa das liberdades naturais no mundo. Nada disso parece valer para o Posto Ipiranga. Ele acha bonito surpreender, chocar, divertir imaginados amigos de um fictício bar em Ipanema. E com isso prestigia o regime chinês que tira da miséria bilhões de seres humanos.

 

Dilma Rousseff e Paulo Guedes aqui empurram o carro numa mesma direção. A ex-presidente Dilma, nos mesmos dias, também se julgou obrigada a prestigiar o regime chinês. Agiu coerente com sua história. A socialista radical, que nunca renegou as ideias que outrora a precipitaram no terrorismo assassino, proclamou: “A China representa uma luz nessa situação de absoluta decadência e escuridão que é atravessada pelas sociedades ocidentais. Não se pode deixar de admirar um país que sai do feudalismo, do mais brutal controle colonialista, para se tornar a segunda maior economia do mundo e a primeira em paridade de poder de compra. E tudo indica que, até o final da década, poderemos ver a China se transformar na maior economia do mundo. Há toda uma gama de preconceito e sujeito oculto no caso do desenvolvimento da China, pelo menos da perspectiva dos países ocidentais. Temos que entender a relação entre o partido e os instrumentos de Estado da superação da pobreza.", disse.

 

Ditirambos ao caminho chinês para o socialismo de Estado. Dilma Rousseff participava do lançamento (um debate) pela Editora Boitempo (comunista) do livro “China, o Socialismo do século 21” de autoria de Elias Jabbour e Albeto Gabtielle. Do debate participou também Silvio Almeida, articulista da “Folha”. O livro destaca o papel do Estado e do Partido Comunista Chinês na vida econômica daquele país. Jabbour, ligado ao PC do B, afirmou: “A China realizou inovações institucionais que foram realocando o papel do Estado. Temos um CEO [presidente executivo] ligado ao Partido Comunista Chinês em cada empresa, isso é algo interessantíssimo”. O PT admira e louva sem cessar a ditadura chinesa, cuja ação constitui sem dúvida um farol a iluminar sua ação política no Brasil.

 

Useiro e vezeiro. Em 14 de fevereiro de 2019, três anos atrás, em números redondos, postei artigo intitulado “Simplificações demolidoras”. Erra parecido com o acima. Tratava de outra declaração desastrada de Paulo Guedes, no caso ao “Financial Times”. Ei-la: “Pessoas de esquerda têm miolo mole e bom coração. Pessoas de direita têm a cabeça mais dura e coração não tão bom”. Mostrei, com base na lógica e em exemplos históricos, a falsidade da afirmação. E observei: “É o gosto da boutade, dirão alguns, o ministro é chegado numa, não deixa passar a ocasião. Admito, mas atenua o desastre? [...] Paulo Guedes não é um ministro qualquer perdido por Brasília, tem grande agenda que pode fazer o Brasil voltar a crescer e, com isso, tirar do buraco a milhões de pobres. Agiria melhor se fugisse de boutades, frases irrefletidas e análises superficiais, que, sem que ele o queira, admito sem problemas, levam água para o moinho do lulopetismo”. O ministro pelo jeito, infelizmente, não se emendou, continua o mesmo. Não está sozinho, tem companhia. Pobre Brasil, que tem em seus postos de direção, aos montes, figuras públicas que estadeiam eufóricas irreflexão e irresponsabilidade, indiferentes aos desastres que possam provocar ou até deles inconscientes.

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