Amazônia no centro
Péricles Capanema
No Exterior, ponto candente. Se você fosse um leitor comum (ou um cidadão
comum) dos Estados Unidos ou de algum país europeu (Inglaterra, França,
Alemanha, Itália, Espanha, por exemplo), você saberia vaga e distraidamente que
longe de suas antenas palpita uma imensa área política chamada América Latina, onde
existem cidades grandes chamadas Buenos Aires, São Paulo e Rio de Janeiro. Saberia
ainda que por lá se sucedem meio confusamente golpes de Estado, pobreza,
tráfico de drogas, roubalheira política. Um ponto e só um ponto lhe chamaria
vivamente a atenção: a Amazônia. Conexo com ele, desmatamento ilegal, florestas
pegando fogo, devastação ambiental. Situação normal? Bastante anormal. Ajuda o
Brasil? Prejudica, e muito; em especial, aos mais pobres daquela região, são dezenas
de milhões, irmãos nossos, merecem ainda (dever solidário de todos) ação eficaz
contra o que sofrem. Porção das flechas que perfura a carne dos mais pobres é afiada
pela ação dos corifeus da propaganda hostil contra a Amazônia.
Dados úteis. Vamos dividir o grosso do problema em seções, ficará
mais fácil entender o caso. A Amazônia não é só Brasil. Mas a grande antipatia
mundial pelo suposto descaso em relação à Amazônia recai quase tão-só sobre Pindorama,
o vilão da história. A Amazônia é uma floresta tropical úmida que cobre a maior
parte da Bacia Amazônica. Esta bacia hidrográfica está localizada no Brasil, Bolívia,
Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Peru, Venezuela, Equador. Sete
milhões de quilômetros quadrados, dos quais cinco e meio cobertos pela
floresta. A maioria da floresta tropical está no Brasil ▬ 60% dela. A Amazônia abriga
mais da metade das floretas tropicais da Terra e tem a maior biodiversidade no
mundo em uma floresta tropical. A chamada Pan-Amazônia tem área de
aproximadamente 7,8 milhões de km2 e abriga por volta de 40 milhões de
habitantes. Amazônia Legal, tantas vezes falada, é outra coisa. Corresponde à
área de atuação da SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia). Compreende
floresta tropical, cerrado e ainda outras formações. É região composta de 772
municípios localizados em Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá,
Tocantins, Mato Grosso, Maranhão. Tem superfície aproximada de 5.015.067,75
km2, 58,9% do território brasileiro. 45% do território da Amazônia Legal constitui
área protegida legalmente. Ela abriga cerca de 30 milhões de brasileiros e seu
PIB é por volta de 9% do PIB nacional. Agricultura, pecuária, mineração
representam o futuro da região.
Tema envenenado. Aqui, realidade e propaganda se mesclam, acavalam-se
desconhecimento de fatos e sobrevalorização de versões. É comum, grassam
versões fantasiosas, fatos reais são ouvidos com apatia. Para o bem e para o
mal, a Amazônia foi lançada no centro do interesse mundial. Na questão se
aninha não apenas o interesse razoável e fundamentado, mas ainda crepita um desvelo
artificial, novo, irritadiço, inflado. Cada vez mais incendeiam os espíritos a
sustentabilidade ameaçada e o desmatamento desbragado. A fermentação induzida
no Ocidente leva as populações do mundo desenvolvido a ter birra do Brasil (e
não apenas do governo), supostamente desleixado com a a preservação de uma das
maiores riquezas da Terra, penhor de futuro de prosperidade, patrimônio comum
da humanidade.
Obrigação de esclarecimento. Preocupa a opinião hostil que se alastra; é
ônus grave de todo brasileiro, na medida de suas possibilidades, procurar virar
o jogo no cenário internacional (lá fora). No particular, tem pouco valor
redarguir que os fatos apontam em direção contrária. Em geral se atribui a
Gustavo Capanema observação sempre útil de lembrar quando nos debruçamos no
exame dos cenários públicos: na política a versão vale mais que os fatos. As
versões falsas precisam ser desinfladas, em boa parte, aí sim, pela difusão
inteligente dos fatos que as desmontam. É ainda necessário somar esforços
internamente para que consertemos tudo o que possa estar errado.
Lenha na fogueira. Não acho direito nesse momento,
irrefletidamente (no mínimo), jogar lenha na fogueira, quando o importante é
procurar extinguir o fogo. Pois o Brasil vai perdendo apoios importantes no
Estados Unidos e na Europa, setores importantes estão sendo fermentados por
propaganda inamistosa. Ao mesmo tempo, outro fato enorme assoma: a China está silenciosa
e de sorriso enigmático. Duas forças de tração opostas, uma atrai, outra afasta.
Para onde iremos?
Rumo que faz falta enfatizar. Destaco agora observações lúcidas, enraizadas
na experiência e na erudição, impulsionam rumo de solução efetiva. Alysson Paolinelli
é dos agrônomos de maior reputação no Brasil. Professor universitário, antigo
secretário da Agricultura e ministro da Agricultura, opiniões pé no chão, sempre
enfatizou a importância da ciência, pesquisa e experiência na solução dos
problemas da agropecuária. Observou em entrevista recente sobre a Amazônia: “O
Brasil está como vilão há muito tempo. As viúvas do Muro de Berlim não
morreram. É evidente que a Amazônia está sendo desmatada. Mas 90% ainda estão
preservados. Os outros 10% me preocupam. Agora, não será só proibindo o desmatamento
que vamos resolver o problema. Enquanto a árvore valer mais deitada do que em
pé não há polícia, não há exército que controle o desmatamento. O caminho é a
biotecnologia. Temos de achar pela ciência uma forma de tirar rentabilidade sem
degradar o bioma. No momento em que a ciência botar a árvore em pé valendo mais
do que deitada, pode tirar a polícia da floresta. A primeira forma é o manejo
sustentável da árvore. Hoje, temos técnicas de manejo sustentado com belíssimos
resultados. Você corta a árvore que lhe interessa e dá dinheiro, planta duas ou
três no lugar dela”.
Extrativismo de sobrevivência. Paolinelli colocou então cores fortes,
talvez exagerou em muitos aspectos, mas mostrou por onde se pode resolver
sensata e permanentemente o problema: “Nós temos na Amazônia mais de 25 milhões
de pessoas famintas com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixo do
país. Estão fazendo extrativismo. Elas precisam de renda. Você tem de arrumar
uma forma de garantir renda para a população para que, pelo menos, o trópico
úmido não seja mexido. Ele não serve para plantar, para boi. Chove demais”. De
outro modo, só pelo estímulo a novas formas de exploração econômica (na
agricultura e pecuária), bem como pelo aumento da produtividade, será possível
impedir que a floresta seja utilizada para subsistência pura; cessaria então o
extrativismo da sobrevivência. Foi além: “A organização do produtor é outro
problema. As cooperativas do sul conseguem entrar na casa do consumidor
europeu, asiático, porque os produtores são organizados. E na Amazônia e no
Nordeste a gente não tem isso”.
Impulso sensato no rumo certo. Em resumo, os problemas da Amazônia poderiam
ser minorados com policiamento mais efetivo, vigilância mais estrita. São
medidas necessárias e urgentes. Contudo, só serão enfrentados com sabedoria efetiva
se, ao longo dos anos, houver aumento expressivo de pesquisas, procura de
métodos novos, aplicação de capitais e organização da produção. A demagogia vai
pelo rumo contrário: com ela, a pobreza se agravará, generalizar-se-á a
miséria, teremos na raiz a piora das principais causas da presente
degradação ambiental. Caminhando pela estrada iluminada parcialmente pela
lanterna de Paolinelli, lucrarão (e muito) as populações residentes na
Amazônia, o Brasil e o mundo.
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