quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Amazônia no centro

 

Amazônia no centro

 

Péricles Capanema

 

No Exterior, ponto candente. Se você fosse um leitor comum (ou um cidadão comum) dos Estados Unidos ou de algum país europeu (Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Espanha, por exemplo), você saberia vaga e distraidamente que longe de suas antenas palpita uma imensa área política chamada América Latina, onde existem cidades grandes chamadas Buenos Aires, São Paulo e Rio de Janeiro. Saberia ainda que por lá se sucedem meio confusamente golpes de Estado, pobreza, tráfico de drogas, roubalheira política. Um ponto e só um ponto lhe chamaria vivamente a atenção: a Amazônia. Conexo com ele, desmatamento ilegal, florestas pegando fogo, devastação ambiental. Situação normal? Bastante anormal. Ajuda o Brasil? Prejudica, e muito; em especial, aos mais pobres daquela região, são dezenas de milhões, irmãos nossos, merecem ainda (dever solidário de todos) ação eficaz contra o que sofrem. Porção das flechas que perfura a carne dos mais pobres é afiada pela ação dos corifeus da propaganda hostil contra a Amazônia.

 

Dados úteis. Vamos dividir o grosso do problema em seções, ficará mais fácil entender o caso. A Amazônia não é só Brasil. Mas a grande antipatia mundial pelo suposto descaso em relação à Amazônia recai quase tão-só sobre Pindorama, o vilão da história. A Amazônia é uma floresta tropical úmida que cobre a maior parte da Bacia Amazônica. Esta bacia hidrográfica está localizada no Brasil, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Peru, Venezuela, Equador. Sete milhões de quilômetros quadrados, dos quais cinco e meio cobertos pela floresta. A maioria da floresta tropical está no Brasil ▬ 60% dela. A Amazônia abriga mais da metade das floretas tropicais da Terra e tem a maior biodiversidade no mundo em uma floresta tropical. A chamada Pan-Amazônia tem área de aproximadamente 7,8 milhões de km2 e abriga por volta de 40 milhões de habitantes. Amazônia Legal, tantas vezes falada, é outra coisa. Corresponde à área de atuação da SUDAM (Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia). Compreende floresta tropical, cerrado e ainda outras formações. É região composta de 772 municípios localizados em Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Tocantins, Mato Grosso, Maranhão. Tem superfície aproximada de 5.015.067,75 km2, 58,9% do território brasileiro. 45% do território da Amazônia Legal constitui área protegida legalmente. Ela abriga cerca de 30 milhões de brasileiros e seu PIB é por volta de 9% do PIB nacional. Agricultura, pecuária, mineração representam o futuro da região.

 

Tema envenenado. Aqui, realidade e propaganda se mesclam, acavalam-se desconhecimento de fatos e sobrevalorização de versões. É comum, grassam versões fantasiosas, fatos reais são ouvidos com apatia. Para o bem e para o mal, a Amazônia foi lançada no centro do interesse mundial. Na questão se aninha não apenas o interesse razoável e fundamentado, mas ainda crepita um desvelo artificial, novo, irritadiço, inflado. Cada vez mais incendeiam os espíritos a sustentabilidade ameaçada e o desmatamento desbragado. A fermentação induzida no Ocidente leva as populações do mundo desenvolvido a ter birra do Brasil (e não apenas do governo), supostamente desleixado com a a preservação de uma das maiores riquezas da Terra, penhor de futuro de prosperidade, patrimônio comum da humanidade.

 

Obrigação de esclarecimento. Preocupa a opinião hostil que se alastra; é ônus grave de todo brasileiro, na medida de suas possibilidades, procurar virar o jogo no cenário internacional (lá fora). No particular, tem pouco valor redarguir que os fatos apontam em direção contrária. Em geral se atribui a Gustavo Capanema observação sempre útil de lembrar quando nos debruçamos no exame dos cenários públicos: na política a versão vale mais que os fatos. As versões falsas precisam ser desinfladas, em boa parte, aí sim, pela difusão inteligente dos fatos que as desmontam. É ainda necessário somar esforços internamente para que consertemos tudo o que possa estar errado.

 

Lenha na fogueira. Não acho direito nesse momento, irrefletidamente (no mínimo), jogar lenha na fogueira, quando o importante é procurar extinguir o fogo. Pois o Brasil vai perdendo apoios importantes no Estados Unidos e na Europa, setores importantes estão sendo fermentados por propaganda inamistosa. Ao mesmo tempo, outro fato enorme assoma: a China está silenciosa e de sorriso enigmático. Duas forças de tração opostas, uma atrai, outra afasta. Para onde iremos?

 

Rumo que faz falta enfatizar. Destaco agora observações lúcidas, enraizadas na experiência e na erudição, impulsionam rumo de solução efetiva. Alysson Paolinelli é dos agrônomos de maior reputação no Brasil. Professor universitário, antigo secretário da Agricultura e ministro da Agricultura, opiniões pé no chão, sempre enfatizou a importância da ciência, pesquisa e experiência na solução dos problemas da agropecuária. Observou em entrevista recente sobre a Amazônia: “O Brasil está como vilão há muito tempo. As viúvas do Muro de Berlim não morreram. É evidente que a Amazônia está sendo desmatada. Mas 90% ainda estão preservados. Os outros 10% me preocupam. Agora, não será só proibindo o desmatamento que vamos resolver o problema. Enquanto a árvore valer mais deitada do que em pé não há polícia, não há exército que controle o desmatamento. O caminho é a biotecnologia. Temos de achar pela ciência uma forma de tirar rentabilidade sem degradar o bioma. No momento em que a ciência botar a árvore em pé valendo mais do que deitada, pode tirar a polícia da floresta. A primeira forma é o manejo sustentável da árvore. Hoje, temos técnicas de manejo sustentado com belíssimos resultados. Você corta a árvore que lhe interessa e dá dinheiro, planta duas ou três no lugar dela”.

 

Extrativismo de sobrevivência. Paolinelli colocou então cores fortes, talvez exagerou em muitos aspectos, mas mostrou por onde se pode resolver sensata e permanentemente o problema: “Nós temos na Amazônia mais de 25 milhões de pessoas famintas com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) mais baixo do país. Estão fazendo extrativismo. Elas precisam de renda. Você tem de arrumar uma forma de garantir renda para a população para que, pelo menos, o trópico úmido não seja mexido. Ele não serve para plantar, para boi. Chove demais”. De outro modo, só pelo estímulo a novas formas de exploração econômica (na agricultura e pecuária), bem como pelo aumento da produtividade, será possível impedir que a floresta seja utilizada para subsistência pura; cessaria então o extrativismo da sobrevivência. Foi além: “A organização do produtor é outro problema. As cooperativas do sul conseguem entrar na casa do consumidor europeu, asiático, porque os produtores são organizados. E na Amazônia e no Nordeste a gente não tem isso”.

 

Impulso sensato no rumo certo. Em resumo, os problemas da Amazônia poderiam ser minorados com policiamento mais efetivo, vigilância mais estrita. São medidas necessárias e urgentes. Contudo, só serão enfrentados com sabedoria efetiva se, ao longo dos anos, houver aumento expressivo de pesquisas, procura de métodos novos, aplicação de capitais e organização da produção. A demagogia vai pelo rumo contrário: com ela, a pobreza se agravará, generalizar-se-á a miséria, teremos na raiz a piora das principais causas da presente degradação ambiental. Caminhando pela estrada iluminada parcialmente pela lanterna de Paolinelli, lucrarão (e muito) as populações residentes na Amazônia, o Brasil e o mundo.

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