A Constituição e os índios (2)
Péricles Capanema
Estatização selvagem. Continuo artigo anterior, lá examinei a momentosa
questão do marco temporal e do RE 1.107.365, reproduzo a seguir declarações esclarecedoras
(e potencialmente aterradoras) de Marcelo Xavier, presidente da FUNAI, por
ocasião de audiência pública virtual na Câmara dos Deputados em 1º de outubro
próximo passado.
Fatos-bomba. O terror decorre da possibilidade de demolição social e
econômica dos fatos-bomba ali apontados como concebíveis e até inevitáveis,
dependendo da virulência da vitória das correntes chamadas indigenistas. Segundo
o alto funcionário existem hoje 491 pedidos de reivindicação de terras
indígenas, que envolvem 253 milhões de hectares (em números redondos, 2,53
milhões de km2, aproximadamente 30% do território brasileiro). Ainda segundo
Marcelo Xavier, em estudo, existem 121 áreas. Em fase de declaração e
delimitação são 10 milhões de hectares. Já as terras indígenas regularizadas ou
homologadas somam outros 107 milhões de hectares (aproximadamente 13% do território
brasileiro). Foi didático o presidente da FUNAI: “Hoje nós temos em áreas
indígenas no Brasil o equivalente aos territórios de Portugal, Espanha, França
e Suíça. Se nós formos imaginar que o marco temporal será mudado com o tema de
repercussão geral, em discussão do Supremo Tribunal Federal, teremos o
acréscimo de Alemanha, Itália, Hungria, Sérvia, Grécia e Reino Unido como
terras indígenas”. Terras indígenas? Em termos. É eufemismo, adocica. A
propaganda divulga coisas assim, “terras para índios pobres e desapossados”; à
vera, são ditos que encobrem a realidade amarga. Nada aqui de fato é terra
indígena. É coletivismo, são terras da União. O usufruto é indígena. Estamos
diante de um amazônico programa de estatização selvagem.
Estatização selvagem furtiva. Curiosamente, nenhuma liderança indígena,
nenhum soba de ong ambientalista, nenhum morubixaba de partido de esquerda
levanta este ponto fundamental, entretanto óbvio ululante. Bico calado, pois a
estatização delirante interessa a todos eles, bruxos do coletivismo, arautos de
fatos-bomba, verdadeiros demolidores do Brasil. Repito, a propriedade (domínio)
é pública; os índios têm a posse, são modernos servos da gleba. Na prática,
porquinhos-da-Índia de experiências sociais mitomaníacas que só trouxeram
tragédias onde começaram a ser aplicadas.
Matéria constitucional. Aqui está ponto de imprescindível consideração
(nem vou tratar no momento de lei natural e bem comum). Foco nele. A Carta
Magna está sendo esbofeteada e não apenas pelas considerações que exponho agora.
Com efeito, a Constituição em seu artigo 170 funda a ordem econômica, entre
outros pilares, sobre a propriedade privada. E o inciso XXII do artigo 5º considera
fundamental o direito de propriedade. Uma tal ameaça à propriedade privada no
Brasil, se vitorioso o voto favorecedor do coletivismo do relator Edson Fachin
no RE 1.107.365 (voto que nega a tese do marco temporal) é compatível com a
Constituição? Pelo menos, não fere a “mens legis”? Aplicado mesmo que
gradualmente em todas suas consequências, agora latentes, segundo o entendem as
correntes ambientalistas mais extremadas e mais na moda, estará extinta a
propriedade privada no campo e, por ricochete, com o tempo, nas cidades.
Consequências estapafúrdias. Tudo
isso, para alardeado (e falso) amparo a universo populacional, os índios, justificadamente querido,
população relativamente pequena, infelizmente ainda atendido de forma
insuficiente, ligado por laços de sangue, benevolência e amizade à imensa
maioria dos brasileiros. Com efeito, conforme o censo do IBGE de
2010, existiam na época no Brasil cerca de 800 mil índios. O número agora
estará próximo ao de 2010. Hoje, a maior parte deles vive em áreas urbanas.
Esses indígenas, se vitoriosa a hermenêutica constitucional inaugurada
abusivamente pelo ministro Fachin em seu voto, virarão posseiros de terras públicas,
terão potencialmente o país inteiro como “terra que tradicionalmente ocupam”,
segundo interpretação elástica e abarcadora, já muito difundida (cfr. artigo 231
da Constituição). Será o fim da segurança jurídica; com sua demolição, a
insegurança no agronegócio, a queda na produção do campo, a carestia e o
desemprego. Aqui aparece outro princípio constitucional esbofeteado: o da
razoabilidade. Implícito na Lei Maior, é princípio informador do devido
processo legal, afere se os atos praticados estão em harmonia com valor supremo
animador do ordenamento jurídico, a justiça.
Entulho autoritário xodó. Temos entulho autoritário vergastado pelos
hierofantes do progressismo e entulhos autoritários que são xodós desse pessoal,
objetos de carícias permanentes ▬ verdadeiros tumores de estimação, ninguém
pode tocar neles. Vou apontar xodó intocável, ai de quem quiser mexer aí: a lei
6.001 de 19/12/1973 (governo Médici) que dispõe sobre o Estatuto do Índio.
Estabelece que as terras indígenas serão demarcadas por ato administrativo,
após laudo de antropólogo nomeado pela FUNAI. O presidente da República tão
somente homologa a demarcação. O PL 490/2007 mexe aqui, tira da presente
legislação seu caráter autoritário e excludente, tornando-a mais inclusiva e
participativa. Nada disso, deixa como está, “bom demais”, está berrando a
esquerda. O mencionado monturo da ditadura abominada não pode ser mexido, o
veneno aí contido pode extinguir a classe rural. “Es resquicio legal buenísimo”,
diria partidário do governo de Salvador Allende.
PL 490/2007, tábua de salvação. O caso não tem saída? Tem, boa, mesmo que
provisória. De momento, o mais razoável, urgente e inafastável é trabalhar pela
aprovação do acima mencionado PL 490/2007, transformá-lo em lei. A situação legal
passará de excludente, burocrática e discricionária para inclusiva e
participativa. Muitos opinarão, muitos participarão, haverá maior influência dos
agentes envolvidos, vozes populares mais fortes. É certo, as correntes assim
chamadas ambientalistas (esquerdas de todos os matizes) chiarão, com a aprovação
do referido PL 490 não cessarão as batalhas ideológicas, políticas e jurídicas.
Haverá ações no Supremo contestando sua constitucionalidade e aqui vai o núcleo
da argumentação para transformar o Brasil numa arena permanente de expropriações
coletivistas (sem indenizações, posse originária), já exposto pelo advogado
Eloy Terena: “Essa interpretação que eles fazem [do artigo 231] é gramatical do
verbo ocupar. É a interpretação mais pobre que existe. A Constituição não falou
que são direitos dos índios às terras que momentaneamente ocupam. Os direitos
são sobre as terras tradicionalmente ocupadas. A Constituição não trabalhou com
elementos temporais. A marca da tradicionalidade é sobre o modo como o indígena
se relaciona com o seu território. Não tem nada a ver com tempo." Não tem
nada a ver com o tempo a interpretação do artigo 231: é atemporal, é modo de ocupação,
a terra ocupada em algum momento por tribos indígenas é tradicionalmente ocupada.
Não contam para nada os institutos do Direito Civil. Todo o território do Brasil,
todos sabem, já foi ocupado em algum momento por tribos indígenas ou até por grupos
nômades. Um antropólogo nomeado pela FUNAI vai resolver o caso. Achou
instrumentos, resquícios da ocupação pretérita? O caso potencialmente estaria
resolvido em favor da declaração de terra indígena.
Interesse nacional cimeiro. O julgamento do RE 1.037.365 não é
sobretudo do interesse de proprietários rurais; abarca de forma eminente cada
brasileiro, inclusive índios que em sua esmagadora maioria querem, com apoio
maciço do povo, aperfeiçoar-se, crescer na vida, serem cidadãos plenos,
atuantes e influentes no Brasil. Não podem ser reduzidos, quiçá indefinidamente,
a porquinhos-da-Índia de experimentações mitomaníacas.
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