Privatização à
brasileira - 2
Péricles Capanema
A imprensa divulga hoje, 25 de março, que o
programa de desestatização do Brasil deu mais um passo. Desestatização ou privatização,
tanto faz. A Petrobrás fechou a venda de uma de suas refinarias (oito estariam
à venda) para o fundo Mubadala dos Emirados Árabes. O valor total seria US$1,65
bilhão de dólares. Falta-me competência para julgar se o preço é justo. Vou
tratar de outra coisa.
O Brasil do atraso. Inicialmente, sempre é preciso ter em vista
as repetidas declarações do dr. José Salim Mattar que entrou no governo para
levar adiante a privatização, saiu de lá desiludido e hoje manifesta crescente
preocupação e dúvidas quanto ao êxito do esforço. O programa está moribundo, o
navio faz água por todos os lados, é a opinião do influente líder empresarial.
O dr. Salim Mattar vê decisivos setores estatizantes, o Brasil do atraso, no
Executivo, no Legislativo e no Judiciário: “O Establishment não quer privatizações. Tudo é
motivo para não privatizar. E Establishment, vamos deixar bem claro, é o
Executivo, Legislativo e Judiciário, mais os oportunistas de momento. Podem ser
sindicatos, pode ser imprensa, falsos empresários atrás de CNPJ. O modus
pensante de 35 anos de social-democracia é manter o Estado grande, gigantesco.
Onde já se viu o Estado entrar em meios de produção, fornecendo energia
elétrica, produzir pólvora. É um atraso total. O Establishment se assustou com
a pauta liberal. Lenta e gradualmente foram se opondo à pauta liberal”. O país
do atraso não muda.
O Brasil da enganação. É privatização a conta-gotas,
enfim. De quando em vez, uma fatia vai para a iniciativa privada. Vai mesmo?
Vamos tratar da mais recente, anunciada hoje, 25 de março, a chamada
privatização da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), no Recôncavo Baiano. Foi
promovida pela diretoria da Petrobrás. A refinaria foi comprada pelo fundo
soberano Mubadala, uma holding
estatal, de propriedade integral do governo do Abu Dhabi. De outra maneira, a
compradora é uma estatal de alto a baixo. No programa de privatização
brasileiro, haverá a transferência de uma refinaria de propriedade de uma
sociedade de economia mista, cujo capital está dividido aproximadamente assim:
Grupo de controle 36,75% (governo federal 28,67%, BNDESPar 7,04%; BNDES 1,04%);
Investidores não-brasileiros 41,73%; Investidores brasileiros 21,52%; Investidores
institucionais 9,32%. Outros 12,20%. Só destaco um ponto na tabela. Os investidores
não-brasileiros e os investidores brasileiros detêm mais de 60% das ações da
empresa. É capital privado. Deixo de lado o restante do capital privado. A
refinaria, cuja propriedade acionária já era de maioria de capital privado, no
programa de privatização do governo brasileiro, passará a ser propriedade total
de uma estatal do governo de Abu Dhabi. Todos chamam isso de privatização. Vão
continuar a chamar. Ninguém muda o absurdo da qualificação. Antes, parcialmente
estatal, com controle do Estado, mas com maioria de capital privado. Agora,
totalmente estatal, propriedade de governo estrangeiro. Privatização exitosa,
sem dúvida. O país da enganação não muda.
O Brasil
da impostura. Em
artigo de 17 de dezembro de 2019, também intitulado “Privatização à brasileira”,
observei: “Privatização em qualquer
idioma da Terra significa transferir o bem estatal para a iniciativa privada.
E, com isso, obter ganhos de eficiência, diminuir a perigosa ingerência do
Estado na economia e, com a economia melhorada, possibilitar melhor atendimento
aos pobres. No Brasil, não. Privatização significa transferir a propriedade de
estatais brasileiras para estatais de outros países, em especial às estatais
chinesas. Essa privatização, que traz no bojo o aumento da influência do
Partido Comunista Chinês sobre a economia brasileira, fará o PT dar cambalhotas
de alegria. Tem mais: a privatização vai ser pelas beiradas. O núcleo mais
valioso continua nas mãos do Estado. É a autêntica privatização à brasileira,
coisa nossa, não vista em nenhum país do mundo”. Tratei ainda do tema várias vezes. Em texto de 9 de janeiro
de 2020, intitulado “A impostura continua intacta”, observei que o Brasil
estava transferindo propriedade estatal brasileira para estatais de outros
países, em política de muitos anos. Era uma impostura já velha, continuava
intacta e levantava delicados problemas constitucionais e de soberania. Citava
artigos constitucionais que estariam sendo esbofeteados. Notava então: “Sei, levantei questões pela rama, não as estou
solucionando. A resolução demandaria rios de tinta. Mas o mero fato de
levantá-las, passo inicial da caminhada, já aponta para começo de solução. E as
suscitei porque creio, ou estou muito errado ou estamos diante de graves
ofensas à Constituição. Sei, ninguém tratou delas antes (pelo menos não vi).
Sempre tem a primeira vez. Convido então os constitucionalistas: estudem por
inteiro a questão, reflitam, discutam. E depois, para esclarecimento da opinião
pública, o caso é delicado, opinem com prudência e doigté, que sejam
palavras embebidas do senso agudo dos interesses brasileiros. Só peço uma
coisa: objetividade, nunca esbofetear a lei maior. E já aviso, a patrulha sairá
dos gonzos, já que é tema proibido. Vai atacar furiosamente. Em resumo,
continua intacta a impostura. Em espantoso retrocesso, o garrote vil afoga na
garganta, mesmo dos mais lúcidos e informados, as palavras de previsão e alarma”.
Repeti muito, sei. É que tais problemas permanecem,
agravando-se, com a impostura se solidificando, em mais um sinistro capítulo da
espantosa privatização à brasileira. Pelo menos é necessário deixar o problema claro.
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