A última moda
Péricles
Capanema
Recebi de
amigo próximo, vive há décadas em Paris, artigo publicado pelo Figaro em
30 de dezembro último. É espantoso o que relata. O autor, Olivier Babeau,
intelectual público, tem intensa atuação na França, preside instituição lá
ativa, a Sapiens. Título do chocante artigo: “O novo projeto coletivo dos
ocidentais: desaparecer sem deixar traços.”
O
articulista comenta de início características do que chama o novo mobiliário
urbano de Paris. Mais precisamente, alude a bancos, em geral bancos de praça, que
estão sendo colocados na que outrora foi chamada “Cidade Luz”, ou seja, cidade
da inteligência e da cultura. Chama a atenção, não são sendo fixados os tradicionais
bancos de praças e de outros lugares públicos que procuravam aliar conforto,
durabilidade, economicidade e beleza. Não são duráveis, não são confortáveis,
são feios, não sei se caros ou baratos. O novo: troncos de árvores (pior ainda,
o francês é laids bouts de bois ▬ pedaços de madeira feios). Babeau
julga que durarão dois ou três anos, quando muito; apodrecerão.
Erro do
projetista? Disparate de administrador? Nada disso, é de caso pensado, decorrem
da filosofia ecológica (ou ambientalista) tinindo de nova na divulgação propagandística
(de fato, em círculos da intelligentsia já é velhota), afirma o autor ▬ demonstra.
Ele lembra realidades conhecidas de todos nós. Foi até agora característica do
homem civilizado o desejo de se perpetuar. A perenidade se dava nos
descendentes ou nas obras deixadas. Dante se perpetuou com a “Divina Comédia”,
Luiz XIV com Versalhes, são Bento pela fundação dos beneditinos, Vasco da Gama
por ter encontrado o caminho marítimo para as Índias. E assim vai, em
enumeração sem fim. O homem quer deixar sua marca, traços, que perenizem sua
lembrança depois do falecimento.
Agora,
alguns pontos da doutrina ambientalista denunciada pelo articulista. Somos
seres da natureza, devemos agir como tais. O animal não deixa traços. A árvore
quando tomba, não deixa traços. Todos se transformam em nutrientes de novos
seres. O homem precisa agir de forma a não deixar traços, abolir até o fim as
marcas de civilização que vem construindo há milênios. Tal doutrina leva adiante,
até seu extremo, a tese de Rousseau: “o homem é bom, a sociedade o corrompe”. A
natureza é boa, o homem a agride, corrompe e ameaça. É como um vírus. Trata-se
de “tornar selvagem o mundo que o homem teve tanto trabalho em civilizar”.
O cidadão
do século XXI, o bom, não quer conquistar nada. Quer fazer desaparecer os
traços do homem. O melhor, o vírus ser extinto. A última moda (em francês, no
texto, la dernière trouvaille, a última descoberta, o último achado) é
acabar com a cremação de cadáveres, que vem substituindo o enterro há anos. O
túmulo, o monumento no túmulo, palavras gravadas, representam formas de
perenização. A cremação acaba com tudo isso, resta uma urna de cinzas.
Para os ambientalistas
dessa última nouvelle vague ainda é um último respiro da ideia abjeta da
perenização. Fora com a cremação, não podemos deixar traços, a última moda é a
compostagem. Como se faz com os animais e as plantas, transformam-se em nutrientes
para a natureza, a nova divindade, Gaia. Então, por coerência, o cadáver também
deve ser destinado à compostagem. Nada de enterro, nada de cremação.
Compostagem.
Olivier
Babeau reduz a questão a “projeto coletivo dos ocidentais”, “cansados da
prosperidade e da paz”. Ainda não seria universal. E conclui lembrando que
existem povos “menos depressivos” que querem deixar sua marca na terra. É
alusão em especial aos chineses. A conquista por eles do Ocidente se tornará
mais fácil se tais doutrinas continuam a prosperar.
Agora, a
minha conclusão. Faz tempo que repito, um dos direitos fundamentais do homem, para
ser colocado em paralelo com o direito à dignidade e à liberdade (entre outros),
é o direito à plenitude. Ninguém trata dele. Em sentido contrário, todos falam
no direito à igualdade, e está correto, desde que entendida no sentido
aristoteliano, de igualdade proporcional; ou, em outra formulação, desigualdades
harmônicas.
Volto ao
direito à plenitude. O homem nasce com potencialidades as mais variadas, infelizmente
pouquíssimos as desenvolvem de forma adequada. De longe, mas muito de longe, é
o maior desperdício de todas as civilizações. À vera, em geral temos quadro
melancólicos: desenvolvimento raquítico das potencialidades de todos, o que
causa infelicidades ao portador delas e prejuízos ao bem comum.
Adiante. É
realidade silenciada, fácil conjeturar o motivo. As potencialidades humanas são
as mais variadas. Afirmar que há um direito fundamental de cada um de desenvolvê-las
amplamente equivale a afirmar que a igualdade (tal qual concebida pelas
correntes revolucionárias) agride direito humano básico. De fato, promover o igualitarismo,
inibidor da floração das diferentes potencialidades, é adotar a opção
preferencial pela atrofia. Por isso publiquei há mais de ano historieta irônica,
que buscava ser leve, mas de fato denúncia, sob o título “Brigo pelos homens
atrofiados”, com pseudônimo, Zeca Patafufo. Um personagem do conto, Yusuf, em
certo momento esclarece: “Seres humanos estiolados são o barro da sociedade
igualitária. No choque da igualdade, amigada à atrofia, de uma banda, contra,
da outra, a floração das mais variadas plenitudes ligadas às diferenciações,
tenho lado: brigo feio pelos homens atrofiados”. Repito e grito dos tetos: existe
um direito humano silenciado e perseguido: o direito à plenitude. E ele está
irmanado de laços fortíssimos com o princípio da subsidiariedade, esteio de
qualquer sociedade que o proteja.
O artigo
“O novo projeto coletivo dos ocidentais: desaparecer sem deixar traços” mostra
que já surgem com vigorosa força publicitária no centro do mundo civilizado correntes
que levam a opção preferencial pela atrofia a seu último desenvolvimento
lógico: desaparecer sem deixar traços; apagar e sumir. Daqui a pouco, sei lá eu
quanto tempo, se não houver enérgico sobressalto do público, como efeito da
maior influência de tais correntes, a cremação, ainda um restinho do desejo de
perenização, vai ficar obsoleta. A compostagem dos cadáveres hoje já caminha
para ser a última moda.
Nenhum comentário:
Postar um comentário