A Equipe
Péricles Capanema
Nos já distantes começos dos anos 70 alguém intitulou ▬
não me lembro quem ▬ de A Equipe a um conjunto de grandes atores da cena
internacional. Nixon, Kissinger, Brejnev, Willy Brandt, Pompidou, outros ainda,
pareciam agir em uníssono na condução da distensão (ou détente). Cada um deles, encarapitado em sua posição ideológica, em
sintonia surpreendente promovia a política cujo maior figura simbólica foi
Henry Kissinger, aqui e ali ainda lembrado hoje, com exagero, como uma espécie
de Metternich desse período. Anos e anos a fio. A China estava fora da dança,
ainda ensaiava os primeiros passos de uma escalada que hoje a coloca como maior
opositora dos Estados Unidos. Aliás, a détente
criou e favoreceu condições para a ascensão chinesa.
Por que lembro tais fatos? Simples. Acompanhando os
recentes acontecimentos de Brasília, a pontiaguda qualificação ▬ A Equipe ▬ me
obcecava a memória entristecida. Advogados celebrados, magistrados nos galarins
da imprensa, jornalistas acólitos, políticos na sombra, quem sabe grandes
empreiteiros encalacrados, quais outros partícipes?, em sintonia surpreendente,
conduziram os fatos para desfecho combinado, a liminar antes impensada até
mesmo por todos os que diuturnamente nos órgãos de divulgação previam qual
seria o desenlace da votação do HC, cuja aprovação livraria Lula da cana. Um de
tais analistas observou, escrevia sobre o inesperado desfecho provisório do
caso (ainda vem coisa por aí), o Brasil não é para principiantes; e nem para
experientes. Nem os mais experientes conseguem conjeturar a fundo sobre as tramoias
do jeitinho brasileiro (na ocorrência, mal-empregado).
Deixemos de lado os jeitinhos, a coisa é séria. Potencialmente,
de apocalípticas consequências. Em substância, não vi verberação dos fatos mais
grave que a do senador paranaense Álvaro Dias, de momento também presidenciável,
o que confere a suas palavras alcance maior: “O voto suspeito de seis ministros
do Supremo provocou grande indignação no país. Afinal, o ex-presidente da República
está acima das leis e o Supremo é uma instituição dedicada a protegê-lo
evitando sua prisão? Quando uma instituição essencial ao Estado de Direito se
divorcia das aspirações da sociedade, a República falece. A República faleceu.
Nós vamos continuar defendendo a refundação da República.”
Tomem nota: nas palavras de um dos mais destacados
senadores, o Brasil oficial é um cadáver. Sinônimo exato para faleceu, no caso
é, a República foi assassinada. Se foi assassinada, existem assassinos. Mais
concretamente, de forma metafórica, o Brasil assistiu ao assassinato das
instituições do Estado. Aqui, empurrado de forma incoercível por lógica
comezinha digo eu, assassinato perpetrado por A Equipe.
Um cambalacho levou a um assassinato nas palavras do
senador. Ou o parlamentar paranaense é irresponsável, ou está afirmando que a
República faleceu por ter sido assassinada em suas instituições em especial por
membros do Supremo. Quem assassina (destrói) instituições basilares do Estado é
incompatível com as funções que tão indignamente exerce. Deve sofre, por crime
de responsabilidade, processo de impeachment, legalmente conduzido pelo Senado.
Claro, embora conjeturável, nada disso acontecerá. Por quê? Inexistem condições
políticas para tais providências. Membros de A Equipe o impedirão. De outro
modo, o País encontra-se manietado por um contubérnio. E as vítimas indefesas
do contubérnio assassino não foram apenas as instituições, a punhalada varou em
especial o coração da parte mais sadia do Brasil, aquela particularmente ligada
a seu passado cristão.
Em artigo de umas três semanas atrás eu dizia, soa agora
quase como vaticínio: “O Brasil parece estar de braço quebrado. Sua ‘maior et
sanior pars’, a gente que presta, o pessoal mais ativo e decisivo, sente que,
mesmo com os atuais recursos, eliminados obstáculos artificiais, muita coisa
boa pode ser feita já. [...] A ‘sana pars’ do Brasil vê com clareza, pode
planejar a saída, mas as instituições a bem dizer tornam inviáveis quaisquer
movimentos nesse sentido. É uma espécie de imobilidade forçada que não leva à
cura.”
Constatava a execração, mas também, causada por
instituições que acorrentam a nação, a imobilidade forçada diante do catástrofe.
Ia adiante: “No Brasil dos anos 60 a ‘maior et sanior pars’ presenciou
desgostada a irrupção nas praças e ruas do padre de passeata e da freira de
minissaia, como os ferreteou Nelson Rodrigues. Hoje fazem companhia a eles o
juiz de passeata e os procuradores de passeata, horrores impensáveis naqueles
já distantes anos, em que a gravidade, a discrição funcional e o senso do bem
comum dos magistrados parecia valor adquirido na sociedade brasileira. A
espetacularização achincalhante do Judiciário avança despudorada sob o olhar
asqueado da ‘sana pars’ do Brasil. São trincas em uma das colunas
institucionais do Brasil. O que fazer? De certa maneira, aqui também, de forma
temporária, estamos condenados à imobilidade”.
Condenados à imobilidade, outra vez, ferrolhos institucionais.
Eu dizia, a coluna está trincada. Álvaro Dias, agredido pela realidade, foi
mais longe, a coluna desmoronou em nossas cabeças. O que fazer, dentro do
ordenamento que nos agrilhoa, contra a degenerescência nos três Poderes e em
numerosas elites (ou oligarquias) da sociedade civil? Aqui está o ponto.
Atribui-se a Konrad Adenauer, o lendário chanceler do
pós-guerra alemão, não sei se com fundamento, princípio político verdadeiro: o
primeiro dever de todo chefe político é cobrir a própria área. Em outros
termos, falar para ela, articulá-la, vivificá-la. No caso, tudo fazer para os
que agora inconformados não se acomodem, mas se solidifiquem em suas posições. A
expansão da inconformidade entre os de momento passivos e hesitantes,
providência essencial, fica para segundo momento lógico.
A reconfiguração do panorama é urgente, a opinião
pública ultrapassou um meridiano nos últimos dias. Com efeito, o Brasil inconformado
com a deterioração verificou traumatizado que nossas instituições, mesmo as
mais prestigiadas, estão podres, cheiram mal. Álvaro Dias chegou a dizer que membros
seus assassinaram a República.
E aí, fomos jogados diante do pavoroso. Posta a
decomposição geral do Brasil oficial, estando carcomidas as amarras da lei, a
porta ficou aberta para destruições em proporção agora incalculável do que
resta de progresso, esperança e dignidade em nosso futuro. Serão passos largos na
mesma estrada rumo ao precipício, já trilhada pela Venezuela.
Para tal, poderemos assistir o espetáculo repetitivo
de magistrados graves, à vera contrafações burlescas de Nelson Hungria e de tantos
outros, no meio de vazia e aparatosa erudição, esbofeteando despudoradamente
disposições da legislação brasileira, para a adaptar aos intuitos inconfessáveis
de membros decisivos de A Equipe. Entre elas, vão aqui apenas como ilustração, as
constantes do artigo 8º do novo Código de Processo Civil: “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos
fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a
dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a
legalidade, a publicidade e a eficiência”. Onde nos últimos dias se escondeu a
preocupação com o bem comum? Com a dignidade? A obediência à razoabilidade?
Diante da aparente inutilidade de reagir, a tentação
dos inconformados será a acomodação diante da inflexibilidade dos que conduzem
a farândola demolidora. Quando não a adesão a soluções amalucadas. O caminho é
outro: fugir do desânimo, lucidez e persistência na esperança, mesmo dentro da tragédia.
Deus não abandonará um País fruto de tantas lágrimas. Como santo Agostinho, resgatado
do descaminho pelo sofrimento e oração de santa Mônica, um dia brilhará para o
Brasil aurora de enorme grandeza cristã.
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