Intolerância mal disfarçada
Péricles Capanema
Fernando Henrique Cardoso concedeu reveladora
entrevista, largamente distribuída, a Fernando Grostein Andrade. Como se sabe,
o atual presidente de honra do PSDB, além de elder stateman, é o mais conhecido intelectual público do Brasil. A
entrevista tem advertência importante, vem a seguir; traz ainda péssimas posições,
mau agouro para o que pode vir para o Brasil. Por itens.
1. A advertência: o
tráfico vai financiar e eleger candidatos. Estamos a sete meses da eleição
de deputados, senadores, governadores, presidente da República. As campanhas serão
caríssimas, mesmo que pouca gente o reconheça. Lembro, ninguém ou quase tanto
quis fazer valer o voto facultativo, o que as baratearia de imediato. E o STF
proibiu o financiamento empresarial. O dinheiro público será insuficiente, o
grosso virá de outras fontes, em geral não registradas, receia-se com razão. Diz
o antigo presidente da República: “Olha, quando comecei a mexer com essa
questão de política de drogas, minha preocupação era com a democracia. Pouco a
pouco, os narcotraficantes foram tendo influência política. Pablo Escobar é o
maior exemplo disso. Mas não é só ele e não é só lá. O Brasil ainda não tinha
chegado a este ponto, mas está começando. O problema é que os narcotraficantes
dominaram certas áreas. E começam a entrar na vida política. Aconteceu na
Colômbia. Vai acontecer no Brasil, está acontecendo. O tribunal eleitoral
proibiu o uso do dinheiro das empresas., quem é que tem dinheiro? É o
narcotraficante, as igrejas [evangélicas]
têm, que é do dízimo”.
2. Apoio ao desatino da
reforma agrária brasileira e simpatia pelo MST. Na entrevista, FHC satisfeito
vira as costas para os ruralistas e aplaude ufano a subversão no campo, certamente
prejudicando a candidatura Alckmin e de vários companheiros do PSDB, mas danos
eleitorais parecem migalhas, diante da perspectiva de mais uma vez o político
tucano se mostrar afinado com a esquerda, mesmo a mais radical: “Reforma
agrária no Brasil foi feita por duas pessoas. Duas pessoas, não, dois governos.
O do Lula e o meu. Ninguém sabe o quanto de terra foi distribuído. É uma
barbaridade. Mas fui eu o Lula quem fizemos. O MST ajudou, porque faz barulho”.
3. Só a briga pelo
poder afasta PT e PSDB. FHC vê os tucanos como doutrinariamente próximos ao
PT, partido que tem em seus documentos o coletivismo total como meta
(coletivismo é outro nome para comunismo): “Por que o PT e o PSDB nunca se
juntaram? Por disputa de poder, não por disputa ideológica. Se eu pudesse
reviver a História eu tentaria me aproximar não só do Lula, mas de forças
políticas que eu achasse progressistas. Eu gosto do Fernando Haddad”. O
presidente honorário do PSDB continua indiferente às devastações eleitorais que
pode causar em correligionários, escorraçando eleitorado que agora pensa votar
no PSDB como barreira ao PT. Esbofeteia alegremente conveniências eleitorais de
aliados e bafeja possibilidades de vitória de adversários.
4. FHC prega frente
comum com correntes libertárias. Enquanto que, da direita, quer distância, em
especial dos conservadores em matéria de costumes, faz frente comum com libertários:
“Você tem uma direita em matéria de costumes, conservadora. Eu sou liberal em
matéria de costumes, completamente liberal. Acho que a diversidade tem de ser
respeitada. O pessoal da direita reacionária não acha isso. Está errado”.
5. Jean Wyllis,
coincidimos em geral. Jean Willys (PSol-RJ) é o deputado das causas LGBT,
tem posições à esquerda do que publicamente defende a maioria dos deputados do
PT. FHC vai até ele: “Eu já defendi o Jean Willys publicamente. Tive um debate
com ele e em geral coincidimos. Eu o defendi publicamente, porque acho que ele
é corajoso”.
6. Intolerância com conservadores
e direitistas. Num sentido, o líder tucano favorece o programa
demolidor da esquerda, almeja para ela liberdade total em suas tentativas de
implantá-lo. Em rumo oposto, gostaria de cercear o pensamento “não
progressista”. Intolerante, advoga na prática, ainda que de forma disfarçada, pelo
banimento da cena pública de ideias das quais discorda. Para elas, ostracismo
perpétuo, a mordaça inconfessada. Dois exemplos. O BTG tem convidado pessoas
públicas de vários quadrantes ideológicos para palestras, debates e entrevistas.
Convidou Jair Bolsonaro. FHC não gostou, achou “irresponsável” a atitude do
banco: “Pra que convidar alguém que tem esse tipo de pensamento?” Outra vítima
da intolerância. O conceituado economista Paulo Guedes apresentou esboço de
programa econômico de governo com ênfase nas privatizações. Tem ficado clara
sua preocupação social, conjugada com o propósito de sanear as contas do Estado
e estimular a produção. Com as privatizações, segundo ele, haveria recursos públicos
para, por exemplo, aplicar em saúde e educação, hoje na UTI. FHC, coçando a
língua para atacá-lo, escolheu o caminho fácil: “Eu não conheço o Paulo Guedes,
mas pelo que leio ele acredita que basta liberalizar que tudo se resolve. Tá na
lua, né”? São no mínimo declarações irresponsáveis por induzirem o leitor a ter
ideia falsa do que pensa o economista. Não conhece e já sai descendo a madeira?
Não há inimigos à esquerda, foi lema conhecido na
Europa, em especial na França. Existe uma misteriosa atração pelo abismo (pelo
extremo da própria posição) presente em correntes de centro-esquerda. Existiu
em Kerensky. Abriu o caminho para Lenine. Existiu em Eduardo Frei. Abriu o
caminho para Allende. Quem pode negar que o período FHC em boa medida preparou
os oito anos de Lula? A entrevista revela a mesma misteriosa atração pelo
abismo no mais importante líder peessedebista ▬ um exemplo do que existe Brasil
afora em grupos dirigentes dos mais variados setores. Inexistindo vacina na
opinião pública, a conivência e a subserviência de tanta gente podem ser
decisivas para a determinação dos destinos do Brasil pós-eleição.
Pelo menos deixa no ar alerta benéfico. Consequência
dela incoercível, vive na lua quem achar que bastaria votar de olhos fechados em
candidato tucano para salvar o Brasil do petismo e de outras formas de
bolchevismo atualizado.
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