Até quando? Até
quanto?
Péricles Capanema
Nove de setembro último, desrespeitando proibição do Conselho
de Segurança, a Coreia do Norte fez seu quinto teste nuclear, o maior deles. Os
três mísseis lançados caíram na zona econômica exclusiva do Japão, o que foi sentido
pelos japoneses como ameaça direta para a segurança do país. Lembrando, zona
econômica exclusiva é a faixa situada além das águas territoriais, cerca de 370
quilômetros de largura. As águas territoriais têm aproximadamente 22
quilômetros. Ou seja, os três mísseis caíram a menos de 400 quilômetros das
costas nipônicas.
Poucos dias antes, em comício em Des Moines, Donald
Trump, o candidato republicano, repetiu o que já vem garantindo em várias
ocasiões: “Vocês sabem, temos um tratado com o Japão. Quando o Japão for
atacado, somos obrigados a usar todo o poder e força dos Estados Unidos. Se nós
formos atacados, o Japão não precisa fazer nada. Os japoneses podem ficar
sentados em casa vendo TV Sony. Certo?”. E foi adiante: “Disseram-me que o Japão
paga 50% do custo das tropas norte-americanas lá. Por que não fazê-lo pagar
100%?
Donald Trump já havia trombeteado a respeito da
presença militar dos Estados Unidos no Japão: “Não estou disposto a continuar
perdendo essa dinheirama. Francamente, é o caso, eles que se protejam contra a
Coreia do Norte”. De momento, os Estados Unidos mantêm 54 mil soldados no Japão
e 28 mil na Coreia do Sul.
Inquirido a respeito, Shinzo Abe, o prestigiado primeiro-ministro,
comentou diplomaticamente: “Não importa quem seja o próximo presidente dos
Estados Unidos, a aliança nipo-norte-americana continuará a ser a pedra
fundamental da diplomacia japonesa”.
O quadro fica mais carregado com as recentíssimas
declarações do Rodrigo Duterte, presidente das Filipinas, em visita oficial a
Pequim: “Anuncio minha separação dos Estados Unidos, tanto militar, quanto
econômica. Os Estados Unidos perderam. E talvez eu vá à Rússia falar com Putin.
São três contra o mundo: China, Rússia e Filipinas”. Aliada histórica e próxima
dos Estados Unidos, a República das Filipinas tem por volta de 100 milhões de
habitantes; mais de 12 milhões de filipinos vivem no Exterior.
A política norte-americana do pós-guerra teve dois
pilares fortíssimos, até agora intocados: no Oriente, aliança com o Japão; no
Ocidente, aliança com a Alemanha. Os dois países renunciaram a parte essencial
de sua defesa, deixando-a nas mãos da mais poderosa nação da Terra, num
primeiro momento, compelidas, em razão da derrota; depois, confiadamente. Recordo
um fato simbólico. Na Berlim dividida pelo muro e ameaçada pelo Pacto de
Varsóvia, em 26 de junho de 1963, diante da multidão que o aclamava, John
Kennedy pronunciou o mais retumbante discurso da Guerra Fria: “Há dois mil anos
não havia frase que se dissesse com mais orgulho do que civis romanus sum. Hoje, no mundo da liberdade, não há frase que se
diga com mais orgulho: ich bin ein
Berliner.” E prometeu, louvando o espírito batalhador de Berlim Ocidental,
de voltar sempre que necessário. Nunca iria deixar amigos na chuva. Era assim
que os Estados Unidos entendiam seus compromissos com as duas nações.
Mais de 50 anos depois, pensemos agora no japonês que foi
criado sob o espírito da aliança sino-norte-americana e escutou desnorteado o
que Donald Trump repetidas vezes disse com aplauso de correligionários e
silêncio em amplos setores democratas. É claro, sente fratura grave no “pacta sunt servanda”. Outro título para
o artigo: se vira.
Escrevo a menos de vinte dias da eleição nos Estados
Unidos. Ainda haveria tempo para os dois candidatos e os futuramente eleitos
para as duas Casas do Congresso reafirmarem princípios da política exterior
norte-americana em relação ao Oriente. Tenho lá minhas dúvidas.
É inevitável que no espírito do imaginado japonês do
parágrafo acima irrompa torrencial: “Ainda somos os antigos amigos? Até quando
os Estados Unidos caminharão conosco? Até onde os Estados Unidos nos apoiarão? Qual
o futuro de nossa aliança? Diante de nós, temos, com bomba atômica na mão, um
inimigo potencial, gigantesco, a China. E dirigido por um amalucado recalcado,
também com a bomba atômica na mão, nos ameaça um nanico enfurecido, a Coreia do
Norte. Frente a qualquer um deles, teremos um dia de escolher entre a derrota ou
a destruição”?
A crescente sensação de insegurança no Japão
(observando a China e a Coreia do Norte, além de mirar com suspicácia seu
antigo aliado, as Filipinas) tornará mais influentes os que defendem a mudança
imediata do artigo 9 da Constituição, o que permitiria enorme aumento da força
militar, participação em ações militares no Exterior e fazer frente à ameaça
nuclear. Muita gente lá vai achar (já está achando), chegou a hora de defender-se
com as próprias mãos, ter também para defesa própria a bomba atômica, já que podem
se abaixar as mãos fortes que até agora nos defendiam. Em resumo, o Extremo
Oriente balança. Confiança é como copo de cristal. Trincado, fica difícil
recompor.
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