Rio 2016 - cintilações e negrume
Péricles Capanema
Em curso no Rio de Janeiro o maior espetáculo
esportivo da Terra. Deslumbrante o começo, marcado por cerimônia apoteótica com
desfile de mais de duzentas delegações, competindo perto de onze mil atletas, audiência
mundo afora de aproximadamente três bilhões de pessoas. Pelo País se difundiu
um ambiente de satisfação e ufania.
O espaço é curto, vou tratar só de dois aspectos. Sem
acidentes, em clima de festa, no meio da cerimônia, desfilou a Coreia do Norte,
passou a Síria, caminhou o Iraque. Os espectadores, por momentos fugazes,
abertura passageira em nuvens de tempestade, sentiram na alma o sol da união e
da paz. O evento tocou em aspiração humana profunda. Na Grécia, quando havia
olimpíadas, a guerra cessava.
Veio-me à mente imagem antiga. O período inicial da 1ª
Guerra Mundial ficou estigmatizado pelas batalhas nas trincheiras, que
acarretaram mortandade pavorosa. As potências beligerantes decretaram a trégua
de Natal de 2014. Em Ypres, na Bélgica, 25 de dezembro, os franceses e ingleses
escutaram o Stille Nacht (Noite
Feliz) cantado por soldados alemães. E logo depois observaram pequenas árvores
de Natal ao longo das trincheiras teutas. Serenaram as linhas de combate. Os alemães
caminharam sem defesa para o no man’s
land (terra de ninguém no meio dos dois exércitos). Ali, chamaram os
soldados franceses e ingleses para uma confraternização, ainda que passageira.
Trocaram pequenos presentes, cantaram. Walter
Kirchhoff, oficial, tenor de talento, apresentou um número com canções
natalinas. Pouco depois, as tropas voltaram para as trincheiras.
Por um momento se materializou o
ideal de que um dia, os homens constituiriam de fato uma grande família. Mais
alto, o anseio palpita no Evangelho: “Tenho ainda outras ovelhas que não são
deste rebanho; também a elas eu devo conduzir: e elas escutarão a minha voz e
haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16). E ainda: “Eu já não estou mais
no mundo, mas eles estão no mundo, e eu vou para ti. Pai santo, guarda em teu
nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós” (Jo 17, 11).
Tem mais. Em raiz, o brasileiro
facilmente compõe situações, harmoniza diferenças, faz visitantes se sentirem
em casa. Na realidade, sente até satisfação em assim agir, e hoje vê satisfeito
essa imensa “invasão” de povos de todos os cantos da Terra. Lembra o austríaco,
que, tendente aos métodos suaves, por séculos, harmonizou povos difíceis de
conviver sob o guarda-chuva protetor dos Habsburgos. Pode degenerar, lá e cá,
em irenismo.
Viro a página. Os Jogos Olímpicos de 2016
têm sido chamados de Olimpíadas da diversidade. De si, nada a objetar, toda
olimpíada congrega diversidades dos mais variados gêneros. E é simpático o
cultivo da diversidade em sua significação clássica.
De forma especial nos últimos
séculos. As revoluções nos Tempos Modernos tiveram como fio condutor a
igualdade. E geraram um apetite de igualdade, que, em parte por doentia
autoalimentação, de forma destrutiva, se exacerba. A simpatia pela diversidade
é antídoto contra ele. A diversidade harmônica e proporcionada em situações
sociais, de cultura, de sexos, de nações, de bens expressa condição
indispensável de crescimento pessoal e aperfeiçoamento social. De outro modo,
apresenta saliente nota contrarrevolucionária, favorece as mais variadas
plenitudes.
Hoje a coisa está mudando. O vocábulo
diversidade vem sofrendo violenta torção para servir a objetivos de demolição
do que resta de civilização cristã entre nós. Por uma baldeação ideológica
inadvertida, em determinados contextos, esvaziado de seu significado original,
apresenta acepção libertária. E assim, de forma crescente se torna símbolo de
movimento moral contestatário, socialmente igualitário e ideologicamente
intolerante.
Uma rápida explicação. Por milênios,
era moral o ato segundo a natureza. (Se já não se aceita que exista natureza
humana, como qualificar moralmente o ato humano?). Os propagandistas da
diversidade em sua acepção torcida querem, com base na variedade dos desejos, justificar
condutas antes objeto de censura. No mundo da diversidade se acolheriam com
total normalidade os transgêneros, lésbicas, homossexuais masculinos,
bissexuais, etc. A lista não tem fim. Seriam protegidos por lei (a campanha
contra a homofobia entra aqui) e, por intensa propaganda e intimidação social,
acabariam também as sanções impostas pelos presentes costumes de raiz cristã.
Na lógica do movimento de liberação total, dia mais, dia menos, veremos ainda
campanhas pelo fim da criminalização da pedofilia, poligamia e poliandria.
E vou ao ponto dois. A Rio 2016 vem
sendo utilizada como plataforma de tal movimento. Reinaldo Bulgarelli, signatário
do documento em que o Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016 se compromete com a
causa da igualdade de gênero e com os objetivos LGBT aponta o rumo: “Os Jogos
Olímpicos e Paralímpicos já expressam esse valor da diversidade que há no
mundo, inclusive a que considera a orientação sexual e identidade de gênero.
São temas ainda complicados no mundo, mas a organização (Rio 2016) ao dizer
isso (seu apoio à causa) expressa: nós efetivamente valorizamos a diversidade.”
Contra essa instrumentalização que,
de forma abusiva, em direção claramente regressiva, pretende tornar aceitas
legal e socialmente práticas aberrantes de seitas e povos bárbaros, abolidas pelo
caminhar ascensional dos povos ocidentais, é indispensável reagir com lucidez em
defesa da ordem civilizada. O contrário seria a barbárie e o crime.
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