quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O cisne negro virou urubu

O cisne negro virou urubu

Péricles Capanema

Em 2007, Nassim Nicholas Taleb, pesquisador e ensaísta libanês radicado nos Estados Unidos, publicou o livro The Black Swan - The Impact of the Highly Improbable (editado no Brasil com o título A lógica do cisne negro - o impacto do altamente improvável). Era desenvolvimento de livro de 2001 Fooled by Randomness - The Hidden Role of Chance in Life and in the Markets (Iludido pelo acaso - a influência oculta da sorte nos mercados, título no Brasil). Taleb garante que é impossível prever o futuro, pois o que conhecemos é menos do que aquilo por nós desconhecido. Daí o título do livro, cisne negro. Até 1697, criam todos, só existiam cisnes brancos. Nesse ano, marinheiros holandeses avistaram cisnes negros na Austrália. Num só golpe caíram por terra a ciência, a experiência e os ditos clássicos que afirmavam a inexistência do cisne negro. O estudo de 2007 se tornou referência nos meios financeiros.

Para Taleb, são cisnes negros a maior parte dos acontecimentos históricos, descobertas científicas e realizações artísticas. Aparecem por surpresa e têm grande impacto. Boa parte, ruins. Como domina tendência para o otimismo, as pessoas tendem a subestimar a probabilidade e a importância dos cisnes negros. No curto, mesmo as mais fundamentadas estimativas sobre o futuro em geral enfatizam cisnes brancos. De repente, aparece, ainda desconhecido, enorme, o cisne negro. Provoca o fato e molda o futuro. Taleb sugere medidas para minorar efeitos do surgimento de cisnes negros nos mercados. Não cabe aqui tratar delas. Em suma, é levar mais a sério as possibilidades de desastre. Claro, vale também para a vida.

Cisne negro, nativo, só na Austrália. Aqui no Brasil, além de ter o olho posto nele, não podemos descuidar do urubu, nativo, de há muito conhecido, mais próximo e imediato que a ave australiana. Reza a lenda, mau agouro, bruto azar, quando avistado no nosso teto. Entre nós o cisne negro às vezes vira urubu; desgraça previsível, próxima, concretizada pelo entorpecimento mental e desídia generalizados. Nos últimos 13 anos o urubu pousou com mais frequência no telhado do Brasil.

Urubus na nossa vida. O Banco Mundial publicou o relatório Doing Business 2016. Aponta as facilidades e dificuldades de fazer negócios em 189 países. De outro modo, o estímulo e os obstáculos para gerar emprego e renda. Em linguagem corrente, fazer o povo ficar bem de vida, ter as coisas. Hoje, entre os 189, o lugar do Brasil é o 116º. Quer dizer, em 115, e aqui Europa, Estados Unidos, Japão, é mais fácil fazer negócios (criar riquezas) que em Pindorama. Os sete primeiros, Cingapura, Nova Zelândia, Dinamarca, Coreia do Sul, Hong Kong, Reino Unido, Estados Unidos têm a renda per capita lá em cima. Os sete últimos, via de regra na pobreza extrema, Chad, República Democrática do Congo, República Centro-Africana, Venezuela, Sudão do Sul, Líbia, Eritreia são países em guerra ou com fortíssima dose de socialismo. Mais alguns lugares urubus do Brasil, constantes do Doing Business 2016: abertura de empresa, 174º; pagamento de impostos, 178º; autorização para construir, 169º; registro de propriedade, 130º; comércio internacional, 145º. Se não pularmos logo para as primeiras posições da lista, sinal que existirá estímulo sério para o trabalho produtivo, continuará lero-lero o palavrório de criar emprego e renda.

Esse cipoal de obstáculos, além de gerador de pobreza, tem efeito desanimador profundo e duradouro. Muita inteligência criativa desanima de empreender e entorpece. Muita vontade, preguiçosa pela proibição virtual, mas efetiva, de agir, adere na prática ao lema do Jeca Tatu: num dianta fazê nada.


Friedrich von Hayek, Prêmio Nobel da Economia em 1974 escreveu sobre o papel doentio do Estado, quando hipertrofiado: “Depois de ter subjugado sucessivamente cada membro da sociedade, modelando-lhe o espírito segundo sua vontade, o Estado estende então seus braços sobre toda a comunidade. Cobre o corpo social com uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas e uniformes, rede que as mentes mais originais e os caracteres mais fortes não conseguem penetrar para elevar-se acima da multidão. A vontade do homem não é destruída, mas amolecida, dobrada e guiada; ele raramente é obrigado a agir, mas é com frequência proibido de agir. Tal poder não destrói a existência, mas a torna impossível; não tiraniza, mas comprime, enerva, sufoca e entorpece um povo, até que cada nação seja reduzida a nada mais que um rebanho de tímidos animais industriais, cujo pastor é o governo. [ ...] Uma servidão metódica, pacata e suave, como a que acabo de descrever, pode ser combinada, com [...] alguma forma aparente de liberdade”. Moral da história: enxotar o urubu do telhado brasileiro e continuar a ter em vista o cisne negro.

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