O cisne negro virou urubu
Péricles Capanema
Em 2007, Nassim Nicholas Taleb,
pesquisador e ensaísta libanês radicado nos Estados Unidos, publicou o livro The Black Swan - The
Impact of the Highly Improbable (editado no Brasil com o título A lógica do cisne negro - o
impacto do altamente improvável). Era desenvolvimento de livro de 2001 Fooled by Randomness - The Hidden Role of Chance in Life and in the Markets (Iludido pelo acaso - a
influência oculta da sorte nos mercados, título no Brasil). Taleb garante que é
impossível prever o futuro, pois o que conhecemos é menos do que aquilo por nós
desconhecido. Daí o título do livro, cisne negro. Até 1697, criam todos, só
existiam cisnes brancos. Nesse ano, marinheiros holandeses avistaram cisnes
negros na Austrália. Num só golpe caíram por terra a ciência, a experiência e
os ditos clássicos que afirmavam a inexistência do cisne negro. O estudo de
2007 se tornou referência nos meios financeiros.
Para Taleb, são cisnes negros a
maior parte dos acontecimentos históricos, descobertas científicas e
realizações artísticas. Aparecem por surpresa e têm grande impacto. Boa parte,
ruins. Como domina tendência para o otimismo, as pessoas tendem a subestimar a
probabilidade e a importância dos cisnes negros. No curto, mesmo as mais
fundamentadas estimativas sobre o futuro em geral enfatizam cisnes brancos. De
repente, aparece, ainda desconhecido, enorme, o cisne negro. Provoca o fato e
molda o futuro. Taleb sugere medidas para minorar efeitos do surgimento de
cisnes negros nos mercados. Não cabe aqui tratar delas. Em suma, é levar mais a
sério as possibilidades de desastre. Claro, vale também para a vida.
Cisne negro, nativo, só na
Austrália. Aqui no Brasil, além de ter o olho posto nele, não podemos descuidar
do urubu, nativo, de há muito conhecido, mais próximo e imediato que a ave
australiana. Reza a lenda, mau agouro, bruto azar, quando avistado no nosso
teto. Entre nós o cisne negro às vezes vira urubu; desgraça previsível, próxima,
concretizada pelo entorpecimento mental e desídia generalizados. Nos últimos 13
anos o urubu pousou com mais frequência no telhado do Brasil.
Urubus na nossa vida. O Banco
Mundial publicou o relatório Doing
Business 2016. Aponta as facilidades e dificuldades de fazer negócios em
189 países. De outro modo, o estímulo e os obstáculos para gerar emprego e
renda. Em linguagem corrente, fazer o povo ficar bem de vida, ter as coisas.
Hoje, entre os 189, o lugar do Brasil é o 116º. Quer dizer, em 115, e aqui
Europa, Estados Unidos, Japão, é mais fácil fazer negócios (criar riquezas) que
em Pindorama. Os sete primeiros, Cingapura, Nova Zelândia, Dinamarca, Coreia do
Sul, Hong Kong, Reino Unido, Estados Unidos têm a renda per capita lá em cima.
Os sete últimos, via de regra na pobreza extrema, Chad, República Democrática
do Congo, República Centro-Africana, Venezuela, Sudão do Sul, Líbia, Eritreia
são países em guerra ou com fortíssima dose de socialismo. Mais alguns lugares urubus
do Brasil, constantes do Doing Business
2016: abertura de empresa, 174º; pagamento de impostos, 178º; autorização
para construir, 169º; registro de propriedade, 130º; comércio internacional,
145º. Se não pularmos logo para as primeiras posições da lista, sinal que existirá
estímulo sério para o trabalho produtivo, continuará lero-lero o palavrório de
criar emprego e renda.
Esse cipoal de obstáculos, além
de gerador de pobreza, tem efeito desanimador profundo e duradouro. Muita
inteligência criativa desanima de empreender e entorpece. Muita vontade,
preguiçosa pela proibição virtual, mas efetiva, de agir, adere na prática ao
lema do Jeca Tatu: num dianta fazê nada.
Friedrich von Hayek, Prêmio
Nobel da Economia em 1974 escreveu sobre o papel doentio do Estado, quando
hipertrofiado: “Depois de
ter subjugado sucessivamente cada membro da sociedade, modelando-lhe o espírito
segundo sua vontade, o Estado estende então seus braços sobre toda a
comunidade. Cobre o corpo social com uma rede de pequenas regras complicadas, minuciosas
e uniformes, rede que as mentes mais originais e os caracteres mais fortes não
conseguem penetrar para elevar-se acima da multidão. A vontade do homem não é
destruída, mas amolecida, dobrada e guiada; ele raramente é obrigado a agir,
mas é com frequência proibido de agir. Tal poder não destrói a existência, mas
a torna impossível; não tiraniza, mas comprime, enerva, sufoca e entorpece um
povo, até que cada nação seja reduzida a nada mais que um rebanho de tímidos
animais industriais, cujo pastor é o governo. [ ...] Uma servidão metódica,
pacata e suave, como a que acabo de descrever, pode ser combinada, com [...] alguma
forma aparente de liberdade”. Moral da história: enxotar o urubu do telhado
brasileiro e continuar a ter em vista o cisne negro.
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