Não à desmobilização
Péricles Capanema
Em ambiente de esperança, pisando firme, começou o
governo Michel Temer. Não fazendo barbeiragem ou tomando trombada, o novo
chofer dirige o Estado até dezembro de 2018. Trombada? No Senado, para o
afastamento, sua equipe ganhou com 55 votos, bem acima dos naquele momento necessários
39, mas só um além do número indispensável para o impeachment no julgamento
final. Com 53 votos favoráveis à cassação, Dilma volta ao Planalto.
Surgindo fato chocante, e a Lava Jato tem produzido eventos
inesperados, renasceria a esperança petista.
Hoje, porém, tudo o indica, é pouco provável uma
votação abaixo de 54 votos na Câmara Alta, quando do julgamento final daqui a
semanas. Assim, o normal, sem abalroamento, Michel Temer fica no volante até 31
de dezembro de 2018. A dúvida, pequena embora, atinente ao desfecho do
julgamento, impede a distensão no público.
De qualquer maneira, ainda antes da presumível
cassação do mandato de Dilma Rousseff, a desmobilização é grande perigo. Será
maior com Temer presidente definitivo. Para mim, claro como água do pote: assim
como a mobilização dos espíritos possibilitou enorme vitória, a desmobilização carrega
no bojo a derrota.
O que entendemos por desmobilização? O termo na
linguagem corrente evoca o retorno à vida civil dos soldados que voltam da guerra.
Derrotados ou vencedores, recomeça para eles a vida anterior. O desmobilizado
muda o foco das preocupações, os campos de batalha vão se tornando memória
distante.
Como um todo, a esquerda está profundamente
desmoralizada. Vai sofrer hemorragia em seus setores de simpatizantes e
militantes de menor adesão. Contudo, o setor radicalizado, que de fato dirige
miríades de organizações, não vai se desmobilizar. Só lhe importa o sofrimento
popular, o desemprego, o desastre das políticas petistas na exata medida em que
prejudica suas possibilidades de expansão. Esse segmento continua a sonhar com
uma sociedade igualitária de homens necessariamente estiolados em suas
potencialidades de ascensão. Sempre estará à espreita da primeira ocasião
propícia para atacar e ganhar. Assim, continuará ativo o cerne ideológico enquistado
no PT, universidades, Igreja, movimentos reivindicatórios, nas várias condições
sociais. Terá pedras novas no caminho, entre as quais avulta o fim do
financiamento público de suas publicações, via propaganda paga dos governos dirigidos
por petistas, Caixa, Petrobrás, tanta coisa mais. Então, numerosas publicações orientadas
por esse miolo encarniçado, lembro os blogues sujos, vão fechar. Convém
lembrar, contudo, não serão poucos os que no núcleo duro da esquerda preferirão
a situação nova à precedente, em que precisavam ser advogados dativos de um
governo impopular e falido.
Em outubro de 2014, Dilma Roussef venceu com margem
apertada (51,64% a 48,36%). Contudo, a vitória eleitoral soou como estridente derrota
moral, pois Aécio Neves ganhou com maiorias folgadas no Brasil que pensa,
trabalha e produz mais ativamente. E este Brasil mais ativo, informado e inconformado,
moralmente vitorioso, reagiu rijo ao longo dos últimos meses. Os atentados
graves contra a lei de Responsabilidade Fiscal dormiriam em gavetas empoeiradas
do Congresso e do Executivo, inexistisse a candente rejeição popular desta faixa
do público.
Falei em reação rija e em rejeição candente. O maior perigo
no horizonte é tal faixa, decisiva para o Brasil, ficar gelatinosa e morna. Por
quê? Por uma real ilusão de ótica política: o sumiço do inimigo poderoso que a
ameaçava.
Em meados de 2007, estimulado por empresários
conhecidos e algumas celebridades, teve grande e passageira repercussão o
movimento Cansei. Com claro caráter
antilulista, exprimia a convicção de que o Brasil, horrorizado com o mensalão,
denunciado em junho de 2005, estava cansado do governo petista e queria coisa
nova. Exprimia insatisfação popular real, mas teve reflexo eleitoral
discutível. Por exemplo, depois de sua atuação, Dilma Rousseff obteve dois
mandatos.
Estamos em meados de maio. Daqui a três meses, em 16
de agosto começa a propaganda eleitoral. Em 2 de outubro, teremos eleições para
vereadores e prefeitos. Podem ser decisivas, especialmente como símbolo, para o
Brasil do futuro. Com campanhas desfocadas com facilidade teremos um mundaréu
de eleitos terrivelmente decepcionantes. Dois especialistas celebrados poderiam
nos ajudar a entender melhor as próximas eleições. James Carville, marqueteiro
de Bill Clinton em 1992, criou (repetida com variações) a frase it’s economy, stupid (é a economia,
estúpido) para indicar que o eleitor, na hora do voto, em geral tem em vista o
que considera seu interesse econômico mais próximo. Tempos depois, Barrington
Moore, analisando as manifestações dos últimos anos, com base naquela frase, criou
uma outra: it’s morality, stupid (é a
moralidade, estúpido). Ficou famosa igual. As manifestações têm sobretudo razões
morais como motor (contra a corrupção, a maior delas). Então, apenas em parte
os resultados eleitorais refletem a exasperação popular nelas observada. Se
acontecer algo assim em outubro próximo, não será fenômeno novo.
Por que lembrei? Contribuição para uma análise
objetiva da presente situação, pode ser vacina contra o abatimento de alguns, e
assim estimulo à permanência do ativismo. Despertos e espertos, a presente
alegria não desembocará daqui a algum tempo na amargura, fruto da despreocupação
e inércia. Nada de desmobilização.
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