Comunismos de cara
nova
Péricles Capanema
Um tipo de comunismo triunfou ao
longo do século 20, o estatista. Privilegiava a via política e a luta pelo
poder. Jacobinos, os partidos comunistas visavam de imediato a conquista do
Estado, dominar o aparato institucional, o sistema educacional, impor o
programa socioeconômico e, com esse conjunto de medidas, atingir o fim último,
modificar o homem e a sociedade. Seu exemplo mais conhecido, de maior êxito e
seu maior fracasso foi a tomada do poder na Rússia por métodos violentos e a
transformação do país em laboratório e agente da revolução mundial.
Ali, a doutrina oficial, o
marxismo ganhou uma achega, o leninismo. Ao marxismo, gradualista, juntou-se um
componente voluntarista, o leninismo. O marxismo-leninismo passou a ser a
doutrina oficial da Rússia.
Fracassou? No principal, sim, o
russo não ficou comunista. E a sociedade nova que os comunistas blasonavam
estar criando sobre os escombros da antiga era um horror, distante anos-luz do
utopismo rosado da doutrina.
Pelo contrário, a utopia vivida e
a esperança encarnada mostraram cara celerada e famélica. Os proclamados
servidores da causa popular viraram tiranos. Nada disso resistia à comparação
com o Ocidente desenvolvido. Este é o ponto cardeal.
Já na década de 20 ─ fenômeno que
se agravou nas décadas seguintes ─ estava penosamente notória para os
comunistas a monumental impotência dos recursos estatais para criar o “homem
novo” da utopia socialista. E ainda como era um desastre a sociedade de “os
amanhãs que cantam” que os comunistas estavam construindo. Eram “amanhãs” que
choravam de atraso, tirania e fome. Muita gente da esquerda comunista, milhões,
estava achando que tinha montado o cavalo errado e debandava para posições
socialdemocratas, quando não francamente direitistas. Diante do quadro
desolador, entre os teóricos marxistas se destacou Antônio Gramsci (1891-1937),
com relevância muito maior nas décadas posteriores ao falecimento, que ofereceu
teoria nova para o movimento comunista.
Suas doutrinas foram boia de
salvação para milhões de esquerdistas que se afogavam na descrença e vergonha,
causadas pelo fracasso retumbante dos regimes socialistas do Leste Europeu.
Tudo indicava, existia ainda uma via transitável na esquerda. Com Gramsci e
alguns outros de orientação semelhada, o comunismo mais modernizado muda o
foco: deixa de ser jacobino, de buscar a ditadura política na bruta sem a
anterior hegemonia cultural e parte para a conquista prévia da sociedade civil.
Aí começaram a tomar corpo os comunismos de cara nova. Mudaram até de nome.
Em que pontos Gramsci pôs as
bases para as caras novas do comunismo ou, dá na mesma, os comunismos de cara
nova? Em primeiro lugar, a criação do homem novo comunista viria inicialmente e
com prioridade da mudança das mentes na sociedade civil, só depois seguida pelo
domínio do Estado, e não sobretudo pela conquista direta do poder do Estado, na
ditadura política sem hegemonia cultural. A ênfase passava a ser a hegemonia
cultural, expressa no controle da educação, das religiões, dos meios de
divulgação, uma longa marcha através das instituições da sociedade civil. A
ideologia comunista, refletida num sistema de valores, hábitos mentais e de
vida, dominaria de alto a baixo a sociedade. E seria a grande conquista. O
domínio do Estado aconteceria depois da direção intelectual e moral da
sociedade, seria consequência forçada. Haveria caminhada segura rumo à
sociedade comunista do futuro.
Na embalagem do produto em sua
apresentação mais recente, a ditadura, a fome, o cinismo moral, realidades
avassaladoras na Europa Oriental e em tantos outros países dominados pelo
comunismo, aparecem como deformações históricas na aplicação do comunismo e não
decorrências lógicas e necessárias da sua doutrina e mentalidade dos
seguidores. Os comunismos novos, defendidos parcialmente, ou no todo, por
partidos e organizações de esquerda, via geral têm na plataforma o
reconhecimento da democracia formal, propugnam legislação libertária, como
aborto amplo e favorecimento do homossexualismo, aprofundamento do caráter
laico do Estado e a recusa da ditadura do proletariado como instrumento de
aplicação do programa coletivista e igualitário.
E na prática? Na prática, a
doutrina comunista é totalitária e seus seguidores na grande maioria dos casos
têm a intolerância dos utopistas à realidade. Ninguém é tão intolerante quanto um
utopista. Podem escrever, não vamos ter o casamento do comunismo com a liberdade.
Nunca.
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