A charada Vladimir Putin
Péricles Capanema
Vladimir Putin é o grande enigma
entre os dirigentes políticos importantes do mundo. Advogado, antigo coronel da
KGB, sucessor de Boris Yeltsin em 1999, manda na Rússia há pelo menos 13 anos e
podemos ter por um tempão ainda o misterioso Putin no leme.
Qual o mistério do homem que foi
agente secreto durante muitos anos? Ele tem um lado nada secreto, de um óbvio
ululante. Para o russo comum, Vladimir Putin é vacina eficaz contra a
insegurança, a instabilidade e o medo do desconhecido, caução de ordem que
funciona. Depois de décadas de experiência socialista que triturou o país e dos
anos caóticos de Yeltsin, Putin chegou para acabar com a bagunça. Quem tem medo
da volta do caos ou da ditadura, agarra-se a ele, favorecido pela sua aura de
autocrata sensato, uma versão de déspota esclarecido do século 21. É, pois,
congruente e esperável, que Putin tome medidas de proteção da ordem pública, impedindo
a ação de fatores desagregadores. Napoleão, Mussolini, Franco, em certo sentido
de Gaulle, e até Stalin, tantos outros, centenas, em medida maior ou menor, jogaram
esse papel no imaginário popular.
Vistos como fatores de
estabilidade, são líderes políticos em geral com apoio forte onde maior é a
insegurança e o medo do futuro: mulheres, idosos, pobres, jovens. São menos
populares nas faixas em que é menor a sensação de insegurança e instabilidade: pessoas
maduras, com boa educação e patrimônio. A autonomia pessoal as distancia muitas
vezes desse tipo de salvador da pátria, facilita a distância crítica.
Via geral tal tipo de líder apela
para o nacionalismo exacerbado, a pátria miticamente idealizada, geratriz,
protetora e promotora da realização pessoal. Dentro de tal figurino, Putin
lamenta continuamente a derrocada do império soviético, não mais considerado
realização do internacionalismo proletário, mas construção geopolítica
grã-russa. Nesse sentido, é visto na Rússia por muitos como continuador da
ambição multissecular dos czares, um possível
restaurador da grandeza do passado grão-russo e de seus ideais de expansão. Nacionalista,
ele ajuda partidos nacionalistas no entorno da Rússia, e dificulta a expansão
da União Europeia, utopia supranacional, libertária e de capa democrática (assim
como Putin) mas, no curto e no médio prazo, de signo contrário ao utopismo
grão-russo.
Em choque, duas utopias de raiz totalitária,
a Rússia de Putin e a Europa de Bruxelas. De uma banda, os povos europeus veem necessidade
de se unir para fazer frente ao expansionismo do gigante que está em sua
fronteira oriental e já mostrou repetidas vezes que tem sonhos imperialistas.
De outra, os habitantes da Rússia julgam sensato enrijecer as defesas de seu
país e formar alianças para se opor ao expansionismo da Europa unida, apoiada
por trás pelos Estados Unidos. A respeito, recordam amargurados que no passado existiram
trágicas agressões de coligações invasoras, uma comandada por Napoleão, outra
por Hitler. Aqui a explicação do fenômeno Putin não está inteira, mas quem
quiser clarear o sucesso espantoso do homem sem isso, falseia o quadro.
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