A intolerância laicista virou moda
Péricles Capanema
Acho contraditório, para ficar por aí, o lema de Jacques Maritain, “sociedade laica, vitalmente cristã”. Em certo sentido, resumiu sua proposta de ação. A sociedade estava e continuaria laica. Em outras palavras, os católicos abandonariam o ideal da restauração e aceitariam (pelo menos para efeitos práticos) o triunfo do racionalismo. E assim as instituições teriam como base perene os princípios vitoriosos na Revolução Francesa.
Mas, por causa da ação dos católicos, a sociedade poderia ainda ter uma alma cristã. Seria animada pelo fermento evangélico. Muita gente em numerosos movimentos católicos acreditou nesse lema, nessa espécie de armistício entre a Igreja e a Revolução (no caso, em especial, a Revolução Francesa). Fizeram dele seu norte. Os que estavam de boa fé ou eram ingênuos quebraram a cara. Os outros sabiam o que vinha pela frente. É só olhar a situação da sociedade em nossos dias para ver o que já aconteceu e ainda está acontecendo. Sobretudo, basta observar seu rumo geral.
Não acho que uma sociedade laica possa ser vitalmente cristã. O laicismo trabalhará sempre para matar sua vitalidade cristã, se for autêntica. Foi assim, historicamente. Está sendo cada vez mais assim.
O laicismo, no nascimento, foi hipócrita. Gostava de alardear isenção e de ser garantia idônea de liberdade. Diziam seus propagandistas, depois das épocas obscurantistas do fanatismo e da superstição, a aplicação de suas doutrinas esclarecidas (iluministas) traria a liberdade. Liberdade de pensamento, liberdade de consciência, liberdade de expressão. É um lero-lero, hoje já bastante empoeirado, mas muita gente acreditava nisso, babava de admiração tola. Não deu outra. Logo que os políticos laicistas tomaram o poder na França, em 1792, iniciaram perseguição contra a Religião. O esperado reino da liberdade foi inaugurado com uma ditadura terrorista e sanguinária, história que se repetiu muitas vezes.
Apesar da folha corrida nada recomendável, o laicismo continuou a se proclamar garantia da liberdade. Poderia ter como lema a frase altissonante atribuída a Voltaire: “Não concordo com uma só palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-la”. Voltaire nunca disse isso. Mas é mentira conveniente à propaganda laicista. Por isso tem vida longa.
Nem Voltaire nunca praticou o que a frase prega. Era odiento e vingativo. Mas gostava de fingir que agia assim. De fato, agiu segundo o que tantas vezes escreveu em suas cartas: “Esmagai o infame”. O infame, segundo ele, era o fanatismo e a superstição, epítetos que os deístas (na moda, naquela época) gostavam de aplicar a católicos que levam a religião a sério. Voltaire é ótimo exemplo dos primeiros tempos do laicismo.
O laicismo nasceu hipócrita, repito. Está ficando cínico. Esta é sua grande evolução: da hipocrisia ao cinismo. Disfarça cada vez menos. Estadeia de forma aberta e crescente que deseja um mundo inteiramente moldado por suas concepções, sem marcas de religião. Mas não abandonou a hipocrisia. É difícil acabar com costumes muitos enraizados.
Exemplos recentes pipocam. Já não se está tolerando no Ocidente simples manifestações de fé cristã, como, por exemplo, crucifixos em salas de aula ou tribunais. Bento XVI, em discurso para o 56º Congresso de Juristas Católicos condenou o laicismo atual que exclui “os símbolos religiosos de lugares públicos como escritórios, escolas tribunais, hospitais, prisões.” E na ocasião lembrou que a Igreja “tem o direito de se pronunciar sobre os problemas morais que preocupam os seres humanos”.
O laicismo agora quer fechar a boca da Igreja. Encantoá-la. O católico poderá ter, no máximo, convicções internas que se manifestarão (cerceadas) no interior dos templos ou dos lares. Mas nada da vida do Estado, das empresas ou das escolas poderia expressar idéias cristãs.
O que o laicismo nega às religiões, quer para si. Pode dirigir consciências, espraiar-se pelos lares, entrar nas escolas e tribunais, moldar o Estado. Apresenta-se como doutrina totalizadora, isto é, que abarca cada aspecto da vida. Todos os ambientes públicos precisam ter impecável figurino laicista.
Não se contenta em modelar apenas as almas dos seus adeptos. Quer modelar as instituições, a cultura, o Estado. Estamos caminhando para ter não um Estado neutro (era o que dizia a propaganda mentirosa), mas um Estado laicista, moldado de alto a baixo pelas suas concepções do laicismo, inquisitorial contra todas as manifestações que ofendam a seus princípios.
Teríamos de suportar o laicismo com seus preconceitos, parcialismos, credulidades e dogmas. Vou lembrar dois pontos. As reclamações contra o emprego de dinheiro público para financiar obras católicas são sem-número. Alguém já viu reclamações contra emprego de dinheiro público para financiar atos, manifestações ou propaganda de cultos primitivos? Algumas vezes é feitiçaria mesmo. Alguém já escutou protestos contra financiamentos públicos de peças de teatro ou de filmes que são propaganda clara da sociedade libertária? É neutralidade?
Não é um dogma destruidor a liberdade humana sem os limites impostos pela Lei Natural? Quem defende isso, querendo ou não, prepara um mundo de horror, o anarquismo embebido dos mais perigosos instintos humanos. E a propaganda deste dogma corre solta em peças de televisão, teatro e cinema, financiadas com dinheiro público.
Com o tempo, o Ocidente terá pela frente um novo fundamentalismo. O fundamentalismo laicista.
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